Uma Europa com menos ódio

Políticos, jornalistas e investigadores juntaram-se no SJ para discutir os perigos do discurso do ódio para a democracia e para os media

Jesús Carmona, diretor para os  Media do Parlamento Europeu, José Manuel Pureza, deputado e professor universitário, Marisa Torres da Silva, professora universitária e investigadora e Luzia Moniz, jornalista e presidente da Paderna (Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana), moderados pela presidente do Sindicato dos Jornalistas, Sofia Branco, juntaram-se esta segunda-feira, 25, na Casa da Imprensa, em Lisboa, para discutir um dos maiores problemas europeus da atualidade: o discurso de ódio. Um debate especialmente premente com a aproximação das eleições europeias, marcadas para 26 de maio.

A responsabilidade pode ser repartida por políticos, meios de comunicação e jornalistas, já que, defendeu Sofia Branco, quem ouvimos e a forma como ouvimos aqueles que entrevistamos pode fazer a diferença. Mas importa também ter em conta que a precarização é um dos incentivos ao discurso do ódio.

José Manuel Pureza identificou três aspetos que têm vindo a contribuir para o problema: a transformação tecnológica; a utilização das redes sociais como objeto de trabalho jornalístico e a imagem dos políticos, mais empenhados na competição do que no debate de ideias.

O primeiro problema tem levado à partilha de visões momentâneas e irrefletidas que se tornam facilmente de grande alcance. Uma nova realidade a exigir atenção, já que, alerta Pureza, um Youtuber consegue hoje mais visualizações do que um canal aberto de televisão. Ao mesmo tempo que a imprensa tradicional se mostra demasiado fragilizada para responder ao problema.

Para isso tem também contribuído a apologia da desregulação e a ideia de que pode haver liberdades individuais sem limites. «Sem filtro», diz Pureza, numa altura em que o papel de intermediação do jornalismo tem vindo a perder peso.

O deputado deixa a questão: «Podem os jornalistas inverter esta marcha?» A missão está hoje muitas vezes minada pela ideia de que a imparcialidade do jornalista o obriga a não fazer nada perante o discurso do ódio. Por isso, defende José Manuel Pureza, urge rebater a confusão entre objetividade e neutralidade, já que o neutro tem vindo a dar voz à injustiça.

A investigadora Marisa Torres da Silva alertou para as ambiguidades das leis existentes, chegando mesmo às decisões dos tribunais europeus.
O discurso de ódio, relacionado com violência ou orientação sexual, tem vindo a ser alimentado nas caixas de comentários dos sítios de notícias, onde não há geralmente moderação. Uma realidade que importa modificar.

Lembrando que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, Marisa Torres da Silva aponta como soluções a educação para os media e uma auto-regulação mais interventiva.

O representante do Parlamento Europeu, Jesús Carmona, recordou as ameaças externas e internas sobre as eleições europeias que acontecerão dentro de menos de cem dias. Entre essas ameaças estão as notícias falsificadas, em parte alimentadas pela Rússia. Mas também o crescimento dos populismos dentro da própria União, com países como a Polónia e a Hungria a tenderem para nacionalismos extremos.

Em relação às notícias falsificadas, Carmona revelou que o Parlamento Europeu tem atualmente uma unidade especial que permitiu já retirar textos de incentivo ao discurso do ódio em 80% dos casos denunciados. Para responder ao problema foi também criado um código de conduta voluntário para os meios de comunicação, que, disse o interveniente espanhol, «está já a produzir efeitos».

pesar de todos os problemas, Carmona acredita que os cidadãos europeus estão hoje mais alerta para a necessidade de participarem em eleições como forma de combater o racismo, a xenofobia e o discurso de ódio. Problemas que se combatem com bom jornalismo.

A jornalista Luzia Moniz pôs o dedo na ferida no que toca a preconceitos ao notar que estava ali por se tratar de um debate que envolvia o tema do racismo, porque se fosse simplesmente sobre o futuro do jornalismo dificilmente teria sido convidada.

Alertando que parte da população portuguesa não tem representação em programas televisivos e que os emigrantes da Europa não podem votar nas eleições europeias, a jornalista lembra que esta falta de diversidade dificulta a construção de uma Europa com menos ódio. Até porque, alerta, a «imparcialidade é um exercício». Que é preciso treinar e conquistar a cada dia.

Este foi um dos debates organizados pelo Sindicato dos Jornalistas sobre o papel da comunicação social na proteção da democracia e na eliminação do discurso de ódio. Uma iniciativa inserida num projecto do SJ subvencionado pelo Parlamento Europeu, com o objetivo de envolver jornalistas e estudantes de Jornalismo e Comunicação no debate sobre a Europa.

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