SJ assinala 200 anos da primeira lei sobre liberdade de imprensa

O Conselho Deontológico e a Direção do Sindicato dos Jornalistas (SJ) associam-se às comemorações dos 200 anos da promulgação da primeira Lei sobre a Liberdade de Imprensa, a 12 de julho de 1821, por entenderem que esta data representa um marco histórico e um momento de reflexão para os media e para o jornalismo.

Numa época em que a digitalização potenciou a possibilidade de todos comunicarem com todos, a liberdade de imprensa enfrenta novos desafios sobre o seu futuro e o seu papel social. Se, no passado, a Imprensa precisava do beneplácito e da tolerância dos sistemas de censura para poder existir, hoje os media enfrentam o desafio de terem de reinventar o seu modelo de negócio para se viabilizarem. Ainda recentemente mediador incontornável da informação para o público, o jornalismo precisa hoje de reconquistar o seu lugar na sociedade e marcar a diferença no imenso mar da comunicação contemporânea. A desinformação, as bolhas de comunicação, as fogueiras que alastram nas redes sociais, o discurso do ódio, a cultura do cancelamento, a diluição das fronteiras comerciais e publicitárias, a indistinção entre o que é jornalismo e o que é outra coisa… são apenas algumas expressões de ameaças que pairam sobre a liberdade de imprensa e a discussão pública.

A liberdade não é um conceito retórico para o jornalismo. É um dever que está consignado no Código Deontológico dos jornalistas portugueses, a exemplo do que acontece com outros documentos congéneres, no mundo. A liberdade de imprensa é indispensável para que o jornalismo possa investigar, contar histórias e contribuir para formar cidadãos livres e informados. A liberdade de imprensa é um corolário da liberdade de expressão, mas hoje, talvez mais do que nunca, ela é, para o jornalismo, uma condição da sua responsabilidade para com a sociedade e para com a democracia.

Por isso, o Sindicato de Jornalistas tem visto com preocupação algumas das incidências da era digital sobre o jornalismo, aceleradas pela crise pandémica do SARS-CoV-2: a contínua precarização dos jornalistas, os salários baixos, o recurso abrangente e desregulado ao teletrabalho, a redução da função social do jornalismo à sua dimensão mercantil, o jornalismo sentado, o jornalismo realizado em direto, pé-de-microfone a ouvir declarações sem direito a perguntas, sem tempo para pensar, e a crescente diluição da informação na comunicação são alguns aspetos que devem merecer uma profunda reflexão e um alargado debate.

A primeira Lei sobre a Liberdade de Imprensa, que deu cumprimento aos artigos 8.º, 9.º e 10.º das Bases da Constituição portuguesa de 1821, declarava, no seu art.º 1.°, que “toda a pessoa pode, da publicação desta lei em diante, imprimir, publicar, comprar e vender nos Estados portugueses quaisquer livros ou escritos sem prévia censura”.

Bastará ler os desenvolvimentos da Lei para percebermos o quão limitadas e perigosas eram ainda algumas das suas formulações, em matérias como os abusos contra a religião católica, contra o Estado, contra os bons costumes e contra os particulares, fazendo-nos recordar a recente polémica a propósito do art.º 6.º da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.

Apesar do seu progressismo, a Lei de 1821 estava muito aquém do que preconizaram John Milton, em 1644, em Areopagítica – naquela que é considerada a primeira defesa da liberdade de imprensa sem censura dos tempos modernos – e do pensamento iluminista e liberal dos séculos XVIII e XIX.

Mas, ao considerar-se como “o apoio mais seguro do sistema constitucional”, os liberais de há 200 anos estabeleceram a razão essencial da existência desta Lei: o papel decisivo da liberdade de imprensa no combate ao poder autoritário e a sua ligação à democracia. E fê-lo de forma premonitória: o seu fim ficou também associado ao final do triénio liberal vintista português (1821-1823).

A História mostra-nos que o que comemoramos hoje não é uma liberdade conquistada, mas tão-somente o dever de uma luta contínua. O facto de, decorridos dois séculos da aprovação da Lei, os últimos 47 anos representarem o tempo mais longo de liberdade de imprensa da nossa História fala por si.

Sindicato dos Jornalistas, 12 de julho de 2021

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