Recomendação do Conselho Deontológico sobre o cumprimento integral do Código Deontológico por parte da RTP

No dia 26 de maio a RTP transmitiu uma notícia que dava conta do lançamento, em Espanha, de uma coprodução de uma série televisiva entre a RTP e a GloboPlay, baseada no livro de José Rodrigues dos Santos, «Codex 632».
José Rodrigues dos Santos foi o pivô desse mesmo telejornal, como, aliás, assinalava a própria peça feita a partir de Madrid pela correspondente da RTP, Ana Romeu.

José Rodrigues dos Santos limitou-se a anunciar que “A RTP vai produzir uma série com a GloboPlay do Brasil. Serão 6 episódios com um elenco brasileiro e português encabeçado por Paulo Pires e Débora Secco.»

Nos dias seguintes o Conselho Deontológico (CD) recolheu várias opiniões de que teria havido uma violação do Código Deontológico, nomeadamente do artigo 11º, quando se escreve: “O jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse”.

O CD contactou a Direção de Informação da RTP e, posteriormente, o próprio José Rodrigues dos Santos,  que acolheram questões colocadas de uma forma aberta, refletida e numa clara tentativa de esclarecer a situação.

A RTP entende que se tratou de “uma notícia que o principal bloco informativo da RTP tem a obrigação de dar”, lembrando que “José Rodrigues dos Santos não coordena o Telejornal nem lhe compete o seu alinhamento, no todo ou em parte. Nesta semana cabia-lhe apresentar o jornal.”

Não estando em causa a relevância da notícia, procurou o CD saber se foram estudadas alternativas ao Telejornal (RTP3, Jornal da tarde, RTP2, etc.) ou se a Direção de Informação equacionou outras formas de dar a informação que, eventualmente, protegessem o pivô do Telejornal?

De acordo com a Direção de Informação da RTP, “retirar José Rodrigues dos Santos da apresentação do Telejornal desse dia, mesmo que fosse possível, não faria sentido, pois não mudaria a notícia e não deixaria de causar perplexidade. A jornalista Ana Romeu assumiu, aliás, na notícia, que ele apresentava o Telejornal. Não nos parece que nenhum espectador tenha ficado surpreendido pela coincidência. Todos sabem que o pivô é também escritor, por sinal um dos mais conhecidos. Também ficou claro que o evento (internacional) desse dia nada teve a ver com José Rodrigues dos Santos.”

O CD também ouviu José Rodrigues dos Santos, que enviou, em resposta a um conjunto de perguntas semelhantes às que foram enviadas à RTP, uma extensa resposta, com alguns aspetos importante de reflexão.

O jornalista inventariou situações em que entendeu não haver conflito de interesses. Do mesmo modo, deu “exemplos de situações cuja avaliação” o levaram a entender estar-se perante a existência “efetiva de conflito de interesses”, tendo, nesses casos, requerido a colocação das reportagens ou“ noutro dia”, ou “interditando-a”, ou, quando isso não fosse possível, afastando-se “até da apresentação do Telejornal nesse dia.”

Sobre o caso em apreço, refere José Rodrigues dos Santos: “ao aperceber-me de que a notícia estava alinhada fiquei desconfortável e questionei a coordenação do Telejornal sobre o assunto.”

O jornalista acrescenta: “a decisão de incluir a peça no alinhamento não teve o meu acordo nem tinha de ter, pois não exerço funções editoriais de direção, coordenação ou editoria. A minha responsabilidade editorial centra-se no texto que leio (o chamado pivot) e nas entrevistas que faço. Ora, à luz das explicações que me foram dadas, compreendi perfeitamente as razões e, apesar de haver sempre um inevitável desconforto, pareceu-me que nas condições apresentadas não havia um claro conflito de interesses, pelo que não pedi escusa de apresentar o Telejornal (como fiz no passado em situações que concluí serem de claro conflito de interesses, de que já dei exemplos). O meu juízo baseou-se no facto de a notícia estar centrada na co-produção entre a RTP e a TV Globo, não no facto de se tratar da adaptação de um livro meu.”

“Em suma, o que está aqui em causa não é apenas o meu caso, mas uma situação bem mais vasta e que envolve alguma complexidade na resposta quando a situação não é clara. Se as situações claras têm o benefício disso mesmo, serem claras, e portanto de resposta simples, as situações cinzentas apresentam problemas que não me parecem fáceis de resolver e cujo juízo tem necessariamente de envolver uma análise equilibrada da forma como a situação é resolvida por cada jornalista confrontado com este tipo de dilema,” conclui o jornalista. 

Ponderados os diversos argumentos, e concordando o CD com as notas finais do jornalista da RTP, o ponto fulcral é este: mudar o pivô do Telejornal naquele dia, como, afinal, já aconteceu antes, resolveria à partida qualquer perplexidade que os telespectadores tenham sentido?

Naturalmente, entender-se-á que o CD não possa dar uma resposta cabal a esta pergunta, em nome de cada um dos telespectadores. No entanto, o CD alerta para o facto de a credibilidade da comunicação resultar de um pacto renovado quotidianamente entre emissores e recetores. Por essa razão, devem os media e os jornalistas estar atentos para o facto de, independentemente das suas legítimas e sérias razões, a credibilidade depender, em última instância, de um juízo público.

O CD está convicto que José Rodrigues dos Santos não se fez valer da sua condição profissional  para “noticiar assuntos em que tinha interesse”, nem aceitou “funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional”. No entanto, sublinha, que a RTP deve incluir nas suas decisões possíveis leituras dos seus telespectadores, bem como ser sensível à situação de desconforto causada aos seus profissionais.

Em diferentes ocasiões, os media têm manifestado a sua preocupação ao verem os seus jornalistas envolvidos em tomadas de posições públicas relativamente a acontecimentos ou factos noticiosos, como aconteceu já, no passado, com a RTP. Nesse contexto e em consequência, o CD não deixa de considerar que os media têm também o dever de cuidar de proteger os seus próprios profissionais contra situações que lhes possam suscitar desconforto, sobretudo quando os jornalistas dão nota dessa situação.

 

Lisboa, 6/7/22

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