“O apoio ao jornalismo é urgente”, alerta presidente do SJ

Discurso do presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Filipe Simões, no Congresso Jornalismo, Cidadania e Democracias Sustentáveis nos Países de Língua Portuguesa:

Vivemos tempos em que cada frase sobre jornalismo acaba por ter agregada a palavra crise. E não falo apenas dos tempos pós-pandemia. A crise vem de antes, de muito antes.

Ao mesmo tempo, ou também por isso, cresce a desinformação, muitas vezes alimentada por uma realidade em que a profissão deixou de ser sedutora porque aumenta a precariedade, reduzem-se os salários, os apoios ao jornalismo e a defesa de uma profissão consagrada constitucionalmente fica na retórica, não avança nunca para a prática.

Não sou, nunca fui na vida, catastrofista, nem pessimista sequer, mas quanto mais tempo estou nas minhas funções de representante dos trabalhadores num Sindicato como o SJ, mais me convenço de que o poder político tem de uma vez por todas de se sentar e decidir com as associações do setor se não chegou o momento de se apoiar o jornalismo livre, independente e de qualidade. Se não queremos correr o risco de a desinformação minar a democracia e todo o sistema que tem o dever de proteger garantias e liberdades, sobretudo a liberdade de expressão e de Imprensa, temos todos de fazer muito mais. Disso não restam dúvidas.

No final de 2020 tivemos um sinal. Um sinal de que os tempos são de urgência e que o mundo tem mesmo de proteger o jornalismo e premiar os jornalistas que todos os dias lutam pela sua profissão, lutam pela verdade e cumprem as regras de quem tem a missão de informar com rigor e com a máxima isenção, com total respeito pela deontologia.

Esse sinal chegou do Comité Nobel, que entregou o Nobel da Paz a dois jornalistas: à filipina Maria Ressa e ao russo Dmitry Muratov. Dois jornalistas que nos orgulham e que a todos inspiram porque exercem a profissão em condições extremas. São um exemplo da luta por um jornalismo livre que pode e deve ser apoiado pelos governos das sociedades democráticas.

Acredito, quero acreditar que esse foi o grito que foi dado aquando do anúncio da atribuição do Nobel da Paz a estes dois jornalistas. Mas o que eu esperaria é que este grito tivesse eco em Portugal e que o poder ou os poderes sentissem que o apoio ao jornalismo é urgente. Infelizmente, não foi isso que tivemos como resposta. Nem sequer houve uma aposta forte numa campanha a favor do consumo de jornais, não se aproveitou o momento para mostrar que a única resposta à desinformação e à propaganda de forças antidemocráticas é o jornalismo.

E não posso deixar de acrescentar que esta foi também uma lição que nos deram os nossos leitores, os nossos ouvintes, os nossos telespectadores: em tempos de pandemia procuraram sobretudo informação verificada por profissionais devidamente formados e treinados para o efeito e esses são apenas os jornalistas. Os estudos mostram-nos que os cidadãos buscaram sobretudo meios tradicionais de comunicação para obter informação e com isso Portugal esteve um passo à frente, como nos demonstra a vacinação a ter valores superiores a 90%.

Falta de apoio

Serve esta introdução para vos dizer que no momento em que me pediram que refletisse sobre os grandes problemas do jornalismo em Portugal encontro uma perturbadora falta de apoio da Assembleia da República, dos partidos e do Governo.

O Sindicato dos Jornalistas falou com todos os grupos parlamentares e não deixou de lhes recordar que desde a Conferência do Financiamento dos Média, que promovemos em 2019 – parece que foi há uma eternidade -, que reivindicamos um apoio efetivo ao setor, precisamente como forma de proteger a democracia e os valores protegidos pela Constituição. Lançamos a discussão, apontamos caminhos e andamos há todo este tempo a fazer propostas. Em vão!

E não pedimos o mundo, mas coisas simples, apenas à distância de alguma boa vontade e pouco dinheiro.

No documento que apresentamos estão coisas tão simples como a formação gratuita em novas tecnologias e adaptação ao digital (através do Cenjor); a criação de bolsas de apoio a jornalistas; apoio a projetos independentes de média; financiamento de um programa informativo, a disseminar em canais digitais oficiais e nos canais de serviço público, sobre o que é jornalismo e o que não é (coordenado pelo Sindicato dos Jornalistas).

E quisemos também direcionar para os cidadãos algumas propostas, porque sem eles não há jornais e jornalismo. Pedimos uma dedução, em sede de IRS e de IRC, de parte ou da totalidade dos gastos com assinaturas digitais; o alargamento da consignação do IRS a órgãos de informação. E também uma medida com alguma inovação: a atribuição de um voucher de 20 euros a cada cidadão para financiar um órgão de informação à sua escolha, ao mesmo tempo que se colocavam jornais nas escolas e nas repartições públicas, para fomentar o interesse pela leitura.

E já que aqui estamos, algo que continuamos a dizer que seria um investimento com grande retorno: oferecer subscrições de órgãos de informação aos jovens que entrem nas universidades e formações de literacia digital para séniores.

Alertamos igualmente o poder político que repensar o porte pago pode ser a salvação de grande parte da Imprensa regional. E como ela nos faz falta…

Sem sair do campo empresarial, defendemos também que nesta fase deve haver um incremento dos benefícios fiscais para as empresas que se dedicam ao jornalismo, nomeadamente a eliminação do IVA nas assinaturas comerciais.

A lista é longa, fiquem tranquilos que não vou apresentar todas as propostas, mas deixo mais algumas.

Garantir que os organismos públicos disponibilizam assinaturas digitais, nomeadamente nos espaços de atendimento ao público; obrigar as empresas de clipping a pagarem mais pela utilização de conteúdos jornalísticos e fiscalizar devidamente a sua atividade; assegurar que o Estado compra jornais ou assinaturas, em vez de contratar empresas de clipping.

E, claro, o que já pareceu uma miragem, mas começa a ser discutido mais seriamente: responsabilizar as grandes plataformas multinacionais, como a Google e o Facebook e a Amazon pela utilização de conteúdo que não lhes pertence, sem pagarem o que ele vale. E vale tanto…

Procurámos ao longo dos últimos anos apresentar estas e outras propostas a todos os grupos parlamentares. A todos procurámos dizer que há medidas que são mais do que paliativos, que podem ser eficazes, mas não escondo que foi com amargura que orçamento após orçamento pouco ou nada foi feito.

Voltaremos a discutir com os grupos parlamentares o que pode ser transportado para as propostas dos partidos quando se começar a discutir o próximo orçamento. Teremos agora uma maioria absoluta a governar o país, mas esperemos que finalmente Portugal assuma que investir no jornalismo de qualidade e na informação verificada por profissionais é um bom ‘negócio’, e que sai barata essa forma de defender a democracia.

Muita gente nesta sala tem estado atenta aos alertas que têm sido feitos e muitos já pensaram e escreveram sobre a forma como a sociedade se mobilizou para não deixar morrer algumas atividades económicas. A realidade, porém, é que houve um setor que não foi de todo apoiado, não recebeu um cêntimo de apoio extraordinário.

Dir-me-ão que estarei errado, que os célebres 15 milhões que o ministério da Cultura canalizou para a Comunicação Social são valor relevante.

Pois bem, respondo que não é apoio e a única coisa que tem de extraordinário é terem-se antecipado verbas de publicidade institucional que não tenho dúvidas que foram importantes, principalmente para a imprensa regional que passa por momentos muito complicados, mas que mais não foi do que dar liquidez a quem lutou por não falhar num único momento em informar com rigor em tempos de peste, com todos os riscos que isso acarretou. A troco da publicação de publicidade. Apenas isso.

Fecho este capítulo com uma frase de Maria Ressa, essa mulher que ganhou um Nobel porque nunca perdeu a coragem. Ela avisa-nos que «a mentira pode matar!». Eu acrescentaria, o apoio sem complexos ao jornalismo livre e de qualidade pode evitar muitos dos ataques que temos sentido às nossas democracias. Pode salvar um dos mais importantes pilares da democracia.

Precariedade

Está claro que não se defende o jornalismo livre, independente, de qualidade – a única arma conhecida contra a desinformação – sem dar condições de trabalho aos jornalistas.

Quando o professor Carlos Camponez me lançou para cima da mesa o tema “Qualidade de Informação, Regulação e Accountability” a primeira palavra que me veio à mente foi “Precariedade”. Admito que pode ser defeito de sindicalista, mas faz-me sofrer a política dos baixos salários e dos vínculos cada vez menos estáveis.

Hoje, o jornalismo deixou de ter o glamour que já teve, mas bem mais preocupante do que isso é saber que esta profissão, com as responsabilidades que tem, o nível de especialização que exige e a formação cada vez mais profunda que é necessária, não pode ser uma profissão de salários mínimos e de gente que salta de estágio em estágio, à procura do que muitas vezes nunca acontece: ser jornalista num contexto de estabilidade que permita resistir a pressões dos poderes políticos, económicos ou até dos pedidos para uma e outra vez ignorarmos algo mágico e que tem apenas 11 artigos que é o nosso código deontológico, que nos obriga e nos vincula a regras que os outros não têm.

E já não são só os jornalistas que sentem na pele esta realidade; bem sei que é um risco grande falar num estudo feito aqui na Universidade de Coimbra porque o moderador deste painel, o professor Carlos Camponez, foi um dos responsáveis por esse trabalho, a par do professor João Miranda. As conclusões, essas, terão de nos fazer parar para pensar sobre o jornalismo que queremos e a democracia que temos.

Com o conforto de os ter aqui para me corrigirem alguma imprecisão, tivemos praticamente dois terços dos inquiridos, alunos e alunas de comunicação social, a responderem que será improvável “encontrar um primeiro emprego no jornalismo”. De seguida, tudo o que já disse: que não acreditam que possam conseguir ter um contrato laboral estável, com um salário de acordo com as suas qualificações e formação académica, bem como com o estatuto e responsabilidade da profissão.

O pior não são as baixas expectativas destes mais de 1000 estudantes. O pior é que sabemos que todos que eles estão provavelmente certos, estão arrepiantemente certos.

Deste inquérito sai, porém, um dado curioso. Apenas 10% dos inquiridos responde que não pretende trabalhar em jornalismo e isso revela que o futuro pode não ser tão negro como às vezes o pintamos. Um paradoxo interessante, como lhe chamou João Miranda.

Novo CCT

Diria que parte das preocupações com os baixos salários são verdadeiras e nesse sentido não posso deixar de partilhar convosco uma negociação que se estende há mais de quatro anos, o Contrato Coletivo de Trabalho para os Jornalistas.

Não tenho dúvidas de que a contratação coletiva tem de ser a chave para tornar mais aliciante a profissão de jornalista e sendo verdade que um documento estrutural como este só está fechado quando há 100% de acordo, há já alguns dados que podem ser referidos porque serão realidade em breve.

Há ainda questões a serem discutidas internamente pelos associados do SJ, mas no campo dos baixos salários certamente que a entrada na profissão não será inferior a 765 euros, com o compromisso de estar sempre acima do salário mínimo. Anteriormente era 705.

Ainda assim é pouco, muito pouco, mas sinto que será importante mudar o paradigma e passarmos a ter uma carreira de jornalista em que haja progressão salarial no máximo de três em três anos. No final de carreira a retribuição mínima será de 2295, quando anteriormente era de 1200 euros.

E sem ir demasiado longe nesta fase, certamente que foram encontradas formas de valorizar a profissão, como a majoração de férias, consoante a idade, voltando à consagração de 25 dias de férias (22 pagos).

De acordo com os novos tempos temos vindo a procurar nas negociações chegar a um regime de teletrabalho inovador e alargado.

Será suficiente para voltar a criar a ideia de uma profissão valorizada e com remunerações de acordo com as responsabilidades dos seus profissionais? Certamente que não. Mas é mais um passo, um passo que acredito será o primeiro de muitos.

Apesar disso, com tudo o que disse antes, corro o risco de ser mal interpretado. Corro o risco de levar alguém a pensar que não se faz em Portugal bom jornalismo porque as condições de trabalho são precárias, que afastam os melhores. Não, não é felizmente isso que vos venho dizer.

Temos o privilégio de viver num país de grandes jornalistas, de jornalismo que muitas vezes tem grande qualidade e é essa a bitola que temos que lutar para que seja a regra.

Termino com uma frase que é de Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da República, mas poderia certamente ser de qualquer um de nós porque é uma evidência, que infelizmente deve ser repetida vezes sem conta.

“Não há democracia forte sem liberdade de imprensa forte”.

Só falta que as vontades se unam para termos também uma imprensa forte e apoiada. Nesse dia estaremos todos bem mais tranquilos e correremos certamente menos riscos. Repito uma ideia que já tinha deixado: “Só conheço uma forma eficaz de se combater a desinformação: é termos uma informação credível. Independente. Rigorosa. Meios de comunicação fortes. A democracia é demasiado frágil para não cuidarmos dela…”

Luís Filipe Simões, presidente do SJ
Luís Filipe Simões, presidente do SJ

Coimbra, 2 de março de 2022

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