Recomendação do Conselho Deontológico: Tratamento informativo de crimes envolvendo crianças

O Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas viu com perplexidade algumas coberturas jornalísticas do caso da menina de três anos que morreu no passado dia 20 de junho, vítima de maus-tratos e de violência, em Setúbal.

Das várias questões deontológicas envolvidas, o CD destaca o desrespeito do ponto 8 do Código Deontológico, onde se afirma que “o jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, menores, sejam fontes, sejam testemunhas de factos noticiosos, sejam vítimas ou autores de atos que a lei qualifica como crime” e recorda que, segundo o Código Civil, os direitos de personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respetivo titular.

O CD sublinha ainda que o ponto 8 do Código Deontológico foi objeto de revisão do Código Deontológico, aprovado no 4.º Congresso dos Jornalistas, em janeiro de 2017, e confirmado no referendo de 26, 27 e 28 de outubro do mesmo ano.

A alteração do Código Deontológico foi considerada um progresso na defesa dos direitos das crianças, indo para além da proteção conferida pelo Estatuto do Jornalista, que apenas prescreve a proteção da identidade nos casos de vítimas de crimes contra a liberdade ou autodeterminação sexual, contra a honra ou contra a vida privada, ou quando se trate de menores objeto de medidas tutelares sancionatórias (Lei n.º 64/2007, de 06/11).

A sensibilidade para a cobertura noticiosa sobre crianças tem sido um tema recorrente da ação dos últimos conselhos deontológicos do Sindicato dos Jornalistas, designadamente no que se refere à sua Recomendação sobre casos que envolvam crianças (de 3 de junho de 2009), à sua participação no guia eletrónico de competências comunicacionais sobre crianças e jovens em risco/perigo, destinado a técnicos e também a jornalistas, da autoria do ex-presidente do Conselho Deontológico, Orlando César, bem como outros pronunciamentos e informações disponibilizadas no seu site, sobre casos noticiosos envolvendo menores.

Para além do uso da imagem das crianças sem consentimento, na Recomendação de 3 de junho de 2009, o CD colocava à reflexão dos jornalistas se o facto de os nomes dos menores servirem de base para a identificação pública dos denominados “casos” não funcionava como um elemento acrescido para agravar a situação de vítima das crianças envolvidas.

O CD lamenta que os jornalistas e os media se deixem afetar por acontecimentos dramáticos, de que o caso de Setúbal, agora, ou o de Peniche, em 2020, são apenas dois exemplos mais recentes, caindo em tratamentos informativos exaustivos que não preservam a identidade e a privacidade dos cidadãos e não atendem às condições de serenidade, liberdade, dignidade e responsabilidade das pessoas envolvidas.

O Conselho Deontológico insta os jornalistas a procederem a um debate e a uma reflexão sobre estes aspetos, não deixando de considerar que é precisamente perante casos de particular dramaticidade e na forma como trata pessoas em situações particularmente fragilizadas – pelo facto de terem sido vítimas, de serem suspeitas de crimes, ou de estarem em profunda dor – que o jornalismo e os media se distinguem pela nobreza dos seus valores éticos, deontológicos e responsabilidade social.

Não vale a pena argumentar perante a sociedade sobre a importância do jornalismo para a democracia quando se trata de forma negligente cada um dos seus cidadãos, a começar pelos mais desprotegidos.

Lisboa, 28 de junho de 2022

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