“A cultura da infância numa sociedade democrática” em seminário

A importância de envolver a sociedade civil na promoção e na protecção dos direitos da criança e do jovem esteve em debate no seminário realizado ontem, 25 de Setembro, em Lisboa, por iniciativa da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR).

Subordinado ao tema “A cultura da infância numa sociedade democrática: contributos e responsabilidades. A mais valia da informação/comunicação”, o seminário contou com intervenções dos provedores dos espectadores da RTP, Paquete de Oliveira, e dos ouvintes da RDP, Adelino Gomes, do director adjunto do “Correio da Manhã”, Eduardo Dâmaso, e dos jornalistas Céu Neves (“Diário de Notícias”), Jorge Nuno Oliveira (TVI) e Fernanda Oliveira Ribeiro. Os presidentes da Direcção do SJ, Alfredo Maia, e do Conselho Deontológico, Orlando César, intervieram nas sessões de abertura e no painel “Direitos fundamentais à informação e à privacidade”, e de encerramento, respectivamente, presididas pelo juiz conselheiro Armando Leandro, presidente da CNPCJR.

O papel da sociedade civil

Na sessão de abertura, Alfredo Maia sublinhou a importância da estratégia da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR) e do seu presidente de envolver a sociedade civil na promoção e na protecção dos direitos da criança e do jovem, vincando a importância estratégia do diálogo inter-profissional que este tipo de seminários representa na defesa da causa comum da criança, já que neles participam dirigentes das comissões locais de protecção de crianças e jovens, que têm formações distintas (juristas, psicólogos, etc.), académicos e investigadores e jornalistas.

Referindo a importância dos jornalistas e dos média na promoção e na protecção da criança, na medida em que podem e devem contribuir para a divulgação dos seus direitos mas também porque trabalham no escrutínio da sua observância, Alfredo Maia recordou o empenhamento cívico e ético das organizações de jornalistas, tanto através de orientações concretas, como as que constam de guias produzidos pela FIJ, e, no caso português, através da consagração de normas deontológicas relativas às crianças e jovens e a posições do SJ sobre vários casos mediáticos.

O Presidente do SJ enfatizou ainda as preocupações com a utilização frequente de estereótipos e contaminação de materiais jornalísticos por preconceitos; o fracasso dos média na avaliação das consequências da publicação de certos materiais e na minimização de efeitos prejudiciais sobre as crianças; e a necessidade de respeito pela vida privada das crianças e de protecção do seu anonimato.

Informação e privacidade

Já no painel “Direitos fundamentais à informação e à privacidade”, Alfredo Maia teceu algumas considerações sobre a tensão entre o direito dos cidadãos a serem informados; o direito/dever dos jornalistas a informar-se e a informar; os direitos dos cidadãos-crianças, designadamente à sua privacidade em três dimensões importantes – a identidade, a imagem e o seu “habitat” (casa, escola…); e o dever do jornalista de informar com verdade e com credibilidade.

Em relação ao último tópico, o Presidente do SJ propôs uma reflexão sobre se a apresentação da identificação e/ou da imagem da criança – ou até dos familiares – se justifica, como tantas vezes se argumenta, como requisito essencial de credibilização dos materiais informativos. A propósito, enunciou duas hipóteses de resposta: por um lado, a lei constitucional e as leis ordinárias estabelecem os limites à liberdade de imprensa e as restrições a certos actos, como é o caso da identificação directa ou indirecta de menores, embora em certas situações de relevante interesse público possa haver causas de exclusão da ilicitude; por outro lado, vale a pena ouvir os melhores conselheiros que são o bom gosto, a lealdade, a ética e a decência, que são por vezes mais severos do que a Lei.

Neste contexto, propôs dois exemplos para discussão:

– A reacção de jornalistas à alegada limitação do direito de acesso à informação, quando a provedora da Casa Pia proibiu a recolha de imagens e entrevistas de crianças e jovens à sua guarda, observando que seria útil que os jornalistas se colocassem não só na pele de pais mas também na de crianças e jovens naquela condição – e se estariam disponíveis e dispostos para consentir a recolha de imagens e declarações;

– As situações em que pais, avós e outros familiares de crianças e jovens não só autorizam a recolha de imagens e declarações, mas também tomam a iniciativa de expô-los aos média.

Três questões para reflectir

A partir do segundo exemplo atrás enunciado, Alfredo Maia colocou três questões:

A – se o consentimento de pais ou outro adulto com poder de representação legal da criança é suficientemente e informado e consciente quanto às consequências da exposição;

B – se, além do consentimento dos pais ou adulto com responsabilidade de representação o jornalista se preocupa em obter o consentimento informado e consciente da própria criança/jovem em risco, tendo sublinhado que isto é possível;

C – se em caso afirmativo nas duas questões anteriores, a obtenção do consentimento informado fica afastada a responsabilidade ética do jornalista designadamente quanto a consequências que não foram ponderadas pelos seus interlocutores;

A terminar, o Presidente do SJ chamou a atenção para o facto de em encontros como estes a análise das problemáticas da criança como sujeito mediático se circunscrever às situações em que os seus direitos são violados em contexto “hostil” como os maus-tratos, abuso sexual, etc.. Neste caso, a criança é um actor principal no processo comunicacional e ela é o centro da atenção.

No entanto, sublinhou, “seria bom que reflectíssemos sobre a eventual violação de direitos quando ela é apenas um figurante útil e instrumental em certas estratégias comunicações”, citando como exemplo os actos públicos de promoção de iniciativas políticas, como o caso recente da entrega dos computadores Magalhães em várias escolas com vários membros do Governo, interrogando-se sobre se “alguém se teria preocupado em obter o consentimento informado dos pais e… das crianças para serem usadas naquela mise em scène”.

Uma questão ética

O Presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, Orlando César, sublinhou por seu turno que a “questão ética em jornalismo consiste no uso de um elenco de princípios e valores para descrever ou avaliar a conduta profissional”, pelo que “não pode reduzir-se à etiqueta, ao interesse próprio do jornalismo, aos seus lucros ou à legislação”.

Para Orlando César, “é esta reflexão que os jornalistas têm de encetar ou reforçar”, da mesma forma que “quem os lê, ouve e vê deve estar atento para quais são as fontes dos deveres dos jornalistas: deveres éticos gerais, o seu papel social e o seu impacto e influência”.

O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, disse ainda, “está apostado em desenvolver e estimular iniciativas com o objectivo de aprofundar a compreensão das funções éticas e princípios do jornalismo, incrementar um raciocínio ético, debater os padrões constituintes das nossas práticas, promover um comportamento ético ao nível da tomada de decisões e promover a discussão pública da ética do jornalismo”.

A intervenção do Presidente do CD é publicada na íntegra em ficheiro anexo.

A fechar os trabalhos, que contaram também com comunicações de dirigentes e técnicos da CNPCJR, juristas e investigadores, Armando Leandro, fez um balanço muito positivo da iniciativa – a segunda na parceria com o Sindicato (a primeira foi no Porto em 3 de Maio de 2007), informando que a mesma deverá continuar noutras regiões do país.

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