Trabalhadores do Rádio Clube divulgam manifesto

Os trabalhadores despedidos do Rádio Clube entregaram esta semana aos grupos parlamentares, a quem solicitaram reuniões, uma exposição sobre o processo de despedimento colectivo de que são alvo e as manobras pouco transparentes da Media Capital Rádios para silenciar a estação.

O manifesto, que a seguir se transcreve na íntegra, lembra que o Rádio Clube Português foi a “incubadora do conceito de jornalismo radiofónico em Portugal”, sublinha que o seu encerramento “deixa um vazio no espaço radiofónico” nacional, aponta as incoerências de gestão – tantas que se questiona quais as verdadeiras intenções da Media Capital Rádios –, e chama a atenção dos partidos políticos representados na Assembleia da República para a lei da rádio que está em discussão na especialidade, “para que se evitem erros que podem custar caro à rádio”.

Rádio Clube

Um despedimento injusto, uma descontinuação questionável, um processo pouco transparente

Ao longo de quase quatro anos, uma equipa de profissionais que foi crescendo e decrescendo à medida de ambições, e problemas, fez aquilo que era o Rádio Clube, até ao dia 11 de Julho último.

O Rádio Clube foi feito a pensar na criação de uma rádio de palavra, quase sem música, durante a semana, e sustentada por comunicadores que lideravam programas de Notícias, Debate, Conversa, Pensamento, etc.; e foi ainda sustentada por uma redacção que funcionou como uma fábrica de conteúdos. Conteúdos esses orientados para a emissão do Rádio Clube, mas também para as rádios do grupo Media Capital (Rádio Comercial, M80, Best Rock FM e Rádio Romântica. Os noticiários do Rádio Clube e alguns excertos das emissões eram regularmente distribuídos e radiodifundidos por várias estações de todo o país (incluindo Açores) com as quais a Media Capital Radios fez acordos.

Por isso, quando se diz que o despedimento colectivo agora anunciado resulta na «descontinuação do Rádio Clube», é estranho não se dizer que toda a informação das rádios do grupo Media Capital foi drasticamente reduzida, porque vai deixar de ter mais de 30 pessoas a participarem na sua elaboração.

Acresce a isso o facto de uma boa parte das pessoas que estão a ser despedidas serem trabalhadores da Rádio Comercial, desde os anos 90, e alguns mesmo dos anos 80, do século passado.

Este despedimento colectivo, e o fecho do Rádio Clube, deixa um vazio no espaço radiofónico português. As rádios apostam cada vez mais na música (nas mesmas músicas), e menos na palavra. Por muito que se procure, não há nada na Lei da Rádio que diga que é interesse do Estado Português, detentor do espaço radioeléctrico, que esse bem público seja utilizado para difundir apenas música. Mas é isso que está a ser praticado.

Não é demais lembrar que foi o Rádio Clube Português a incubadora do conceito de jornalismo radiofónico em Portugal. E nunca nenhuma tentativa feita ao longo dos anos para recuperar o RCP respeitou tanto essa herança como este projecto que agora morre.

Faz sentido reflectir, nesta altura, sobre o que pode levar uma empresa a acabar com uma marca radiofónica. Como já foi pedido à entidade reguladora, o nome Rádio Clube Português, no nosso entender património nacional, também será descontinuado.

Ao longo do último ano, a Media Capital Rádios tudo fez para silenciar o Rádio Clube. Primeiro, despediu pessoas, porque a crise nas receitas publicitárias não deixava outro remédio.

Depois, despediu o director da rádio, e criador do projecto.

Ignorou propostas de anunciantes de relevo, até em termos financeiros, feitas pelos colaboradores.

Alterou a programação no sentido de gradualmente reduzir a palavra e aumentar a presença musical.

Retirou a rede de frequências que permitia que a rádio fosse ouvida em metade do território continental português.

E agora, dois dias antes de dizer ao mercado que as receitas publicitárias estão a subir, anunciou o fecho da rádio e o despedimento de 36 pessoas, alegando que os prejuízos são muitos e o mercado publicitário está em crise.

Afinal, o fecho do Rádio Clube é uma medida de gestão, à luz das condições do mercado, ou há outras razões, relacionadas com futuras movimentações accionistas?

Nós, os trabalhadores do Rádio Clube, somos funcionários da Rádio Comercial e da Rádio Regional de Lisboa (M80), duas das empresas que mais cresceram este ano, em audiências.

Nós, os trabalhadores do Rádio Clube, achamos que temos parte deste bom resultado da empresa nos primeiros dois trimestres deste ano. Infelizmente, não nos disseram, “obrigado”.

Limitaram-se a despedir-nos.

Nós, os trabalhadores do Rádio Clube, estamos preocupados com o futuro da rádio em Portugal, porque a rádio não é só música. A rádio é comunicação, sentimento, cultura, informação, e por isso, a rádio é feita por pessoas. Se as pessoas saírem, a rádio será outra coisa, mas não rádio.

Nós, os trabalhadores do Rádio Clube, chamamos a atenção dos partidos políticos representados na Assembleia da República para a lei da rádio que está em discussão na especialidade, para que se evitem erros que podem custar caro à rádio.

Nós, os trabalhadores do Rádio Clube, chamamos a atenção da Entidade Reguladora da Comunicação para a fiscalização rigorosa que é necessária aos projectos de rádio que são licenciados, e nem sempre cumpridos.

Nós, os trabalhadores do Rádio Clube, ainda pensamos que “…e depois do adeus”, nem tudo está perdido.

Ana Silva

Anibal Rebelo

Artur Teixeira

Aurélio Gomes

Bruno Henriques da Silva

Bruno Santos

Carla Santos Ribeiro

Carlos Botto

Carlos Dolbeth

Catarina Pereira da Silva

Célia Bernardo

Diogo Batáguas

Dora Crispim

Elisabete Pato

Fernando Brandão

Fernando Correia

João Charro

José Mendes

Nuno Domingues

Nuno Infante do Carmo

Patricia Aragão Reis

Paulo Ferreira de Melo

Sofia Covas

Teresa Gonçalves

Uma breve história de quase 80 anos

O Rádio Clube Português nasceu nos anos 30 do século XX, pelas mãos do major Botelho Moniz.

O crescimento levou-a a ser uma das rádios identificadas com o regime do Estado Novo.

Mas a ironia da história deu ao Rádio Clube Português um papel decisivo na queda do regime de Salazar e Caetano. Os estúdios da R. Sampaio e Pena, em Lisboa, foram transformados na voz do Posto de Comando do MFA, em 25 de Abril de 1974.

Durante as nacionalizações do PREC, o Rádio Clube Português foi integrado na RDP (Radiodifusão Portuguesa), transformado primeiro em RDP 3, e mais tarde, no final dos anos 70, em Rádio Comercial.

A marca Rádio Clube Português seria retomada pela família Botelho Moniz, nos anos 90, com a utilização da frequência da Rádiogest, em Lisboa (96,6 Mhz). Um renascimento que durou pouco mais de quatro anos, três deles em associação com a Rádio Nova, do Porto, (grupo SONAE).

O Rádio Clube Português tem a terceira vida, como marca, desde 12 de Março de 2003, data em que substituiu a Rádio Nostalgia, na rede regional Sul FM (originalmente atribuida ao CMR, e mais tarde entregue à Nostalgia ). É o regresso do Rádio Clube Português à rua Sampaio e Pina, e ao universo da Rádio Comercial (Grupo Media Capital)

Uma alteração accionista ocorrida em 2006 no Grupo Media Capital (o grupo espanhol PRISA adquiriu a maioria do capital da empresa), e um novo director de informação (Luís Osório), levaram a uma nova transformação (29 de Janeiro de 2007), e o Rádio Clube passou a ser uma rádio “de palavra” e com forte conteúdo informativo (programas all news, debates, desporto, etc…)

O despedimento do director de informação em Julho de 2009, a troca de frequências, entre Novembro e Abril deste ano (o Rádio Clube cingia-se nos últimos meses às cidades de Lisboa; Santarém, Cantanhede, Aveiro, e Valongo), anteciparam o anúncio da “descontinuação” da marca Rádio Clube, pela administração da Media Capital Rádios no dia 8 de Julho de 2010, e o despedimento de 36 pessoas, de acordo com um comunicado da mesma administração.

Partilhe