SJ solidário com trabalhadores do JN

O Sindicato dos Jornalistas partilha das preocupações do conselho de redação do Jornal de Notícias relativamente ao que considera ser um conjunto de “ameaças que pairam sobre a independência deste órgão centenário com sede no Porto”.
Estas preocupações são expostas num manifesto enviado a várias entidades e instituições nacionais entre as quais o SJ.
Prestando desde já solidariedade aos trabalhadores do JN, o Sindicato dos Jornalistas anexa a este texto o Manifesto “Em defesa do JN e do seu património”.

O manifesto enviado pelo JN:

CONSELHO DE REDAÇÃO

Em defesa do JN e do seu património

(Manifesto à Cidade e aos Poderes Públicos)

1 – Garantir a identidade de um jornal único

O “Jornal de Notícias” publica-se há 132 anos e não é por acaso. Jornal nacional de regiões, é a mais rica
e prolongada experiência de jornalismo de proximidade. Desde sempre sediado no Porto, observa,
analisa e interpreta o pulsar da cidade e das suas instituições, as inquietações e anseios das suas gentes.
Jornal “da” cidade, no mais genuíno sentido de pertença, é também o jornal da pluralidade de regiões e
da multiplicidade de realidades, projetos e realizações que dão forma e vida ao país – das pequenas
comunidades aos municípios mais destacados, dos centros de ensino superior e investigação científica à
riqueza do tecido empresarial, da diversidade etnográfica e da cultura popular às manifestações e
expressões artísticas eruditas, da raia ao litoral, de norte a sul. É também um observatório atento do
Mundo global, dos seus avanços, conflitos e contradições. É esse também o espírito histórico do Porto:
aberto, cosmopolita, empreendedor, solidário, culto, independente e livre.
O JN não é uma simples marca comercial. Possui de há muito tempo uma identidade única e irrepetível
ou irreplicável, e uma imprescritível aliança com a cidade, a região, as regiões, o país e as suas gentes. É
insuscetível de desfigurações e não transigirá como projeto editorial livre, plural, atento aos problemas
das populações que serve. Sendo matéria preciosa, não é miscível ou passível de fusão – ou não será o
JN.
Por conseguinte, encaramos com justificada apreensão as declarações recentes do presidente do
Conselho de Administração do Global Media Group, Marco Galinha, acerca do projeto de reestruturação
em preparação com os acionistas, visando “criar sinergias” e “promover denominadores comuns”,
passando pela criação de uma “nova plataforma transversal” (DN, 17/07/2022, págs. 22-23), que pode
aprofundar a prática já nefasta da chamada partilha de conteúdos e até a eventual fusão de redações.
Trata-se de um sério risco de descaracterização da individualidade do JN e demais títulos e de perda de
diversidade e de pluralismo informativos que não se pode aceitar.
Ainda que legítima, a preocupação quanto ao futuro do JN e à preservação da integridade da sua
identidade única não é apenas uma questão interna, que diga respeita apenas aos jornalistas e outros
trabalhadores que o fazem todos os dias. A sobrevivência e o reforço deste título singular na paisagem
mediática nacional são imperativos que convocam a Cidade e os poderes públicos.

2 – Edifício JN: Uma torre na paisagem das instituições

O Porto é uma cidade de instituições. Da paisagem urbana emergem os edifícios que marcam, simbólica
e funcionalmente, os papéis e a importância das que neles se sediam, irradiando a vida própria da
segunda capital do país. São referências da sua geografia. Sabemos onde ficam, o que simbolizam e o que
representam a Casa do Infante (1325) e o Museu da Cidade do Porto, a Torre dos Clérigos (1763), o
Palácio da Bolsa (1842) e a Associação Comercial do Porto, o Ateneu Comercial do Porto (1885), a
Reitoria da Universidade do Porto (1880/1914), a Livraria Lello (1906), o Teatro Nacional de S. João
(1918), o Clube Fenianos Portuenses (1935), o Coliseu do Porto (1941), a Casa de Serralves (1944) e a
Fundação de Serralves, o Edifício JN (1970) e a sede do “Jornal Notícias”.
Não é possível conceber as funções de nenhuma daquelas instituições – entre muitas outras que
poderiam ser mencionadas – noutros lugares, dentro ou fora da cidade. As instituições e os seus edifícios
pertencem à vida, à memória e ao futuro das cidades. É também assim com o JN e o seu edifício. A
“torre” não se destaca apenas na silhueta da cidade e da “Baixa”, não é um volume estéril, sem história e
destituído de memória. É um ponto fulcral da cidade, da região e do país, onde convergem as
inquietações dos cidadãos com o girar do Planeta e de onde irradiam a informação e o esclarecimento.
Ninguém compreenderia que o Porto renunciasse ao seu JN no coração da cidade; nem que o centro do
Porto perdesse o último jornal.
Ademais, o Edifício JN, da autoria do arquiteto Márcio Freitas, ostentando no alçado principal um
expressivo painel de azulejos sob desenhos de Charters de Almeida, releva sobremaneira para a galeria
das mais importantes realizações da Arquitetura Moderna e das artes plásticas do Porto nas décadas de
1960 e 1970.
Como é público, o imóvel foi vendido há vários anos e estará aprovado um projeto para a sua
transformação num grande hotel. Desde as primeiras notícias acerca dessa mudança radical na função
essencial do edifício, os jornalistas, através do Conselho de Redação, têm defendido a manutenção do
jornal na casa que é sua. Se for uma fatalidade a metamorfose do imóvel, algum espaço se poderá
encontrar no seu bojo para acomodar a Redação do JN. Tecnicamente é possível; haja vontade. De resto,
consta que a unidade se designará “Hotel Jornal”.
Urge, pois, um sobressalto cívico, mormente das instituições da cidade, e uma atitude dos poderes
públicos – incluindo os necessários estudos e procedimentos com vista à classificação do Edifício JN como
Imóvel de Interesse Público – bem como, essencialmente, pela permanência do jornal na sua sede,
mesmo que em “coabitação” com outras funções.

3 – Arquivo JN: memória e futuro

Fruto de vicissitudes e circunstâncias várias, o Centro de Documentação do “Jornal de Notícias” encontra-
se em situação suscetível de colocar em causa a sua utilidade para o jornal, a relação do JN com o
público, e especialmente os investigadores, e, mais grave, a própria integridade e futuro do acervo
documental e histórico do JN, que é urgente salvaguardar.
As preciosas coleções encadernadas dos números editados desde a origem do JN (e muitas outras
publicações periódicas, nacionais e estrangeiras) foram transferidas, no âmbito de um protocolo, para o
Arquivo Sofia de Mello Breyner da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, onde estão disponíveis ao
público. Apesar do prejuízo em termos de proximidade e de capacidade de consulta imediata pelos
jornalistas, é um serviço à comunidade.
Já o Arquivo JN infunde justificada preocupação. Constituído por milhares de pastas temáticas e
biográficas, com documentos, relatórios, recortes de inúmeras publicações nacionais e estrangeiras,
ilustrações, fotografias impressas e em negativos, representa um acervo único de documentação sobre
acontecimentos centrais na vida portuguesa e internacional e também sobre a vida de inúmeras
personalidades. Entre os núcleos de extraordinária importância, destacam-se as pastas contendo as
“provas à censura”, peças únicas que documentam a forma como as comissões de Censura e de Exame
Prévio amputaram ou proibiram dezenas de milhares de textos e imagens e privaram os leitores de
informações essenciais.
O Arquivo JN atravessa um período de inatividade, encerrado desde março por doença do único
trabalhador a ele adstrito, e sobretudo de preocupante indefinição quanto ao seu futuro, correndo o
risco de desagregação e dispersão. Além de dificultar e até inviabilizar o acesso direto e expedito a peças
essenciais ao trabalho dos profissionais, constituiria uma subtração de património que é próprio e
indissociável do JN, e não do Global Media Group. O Arquivo JN deve aliás voltar a ser colocado na
dependência da direção do jornal.
É urgente garantir o acesso efetivo dos jornalistas e investigadores ao espólio arquivístico do JN,
mantendo-o em instalações próprias adstritas à Redação. Mas é também manifesta a utilidade de
proceder à sua classificação como bem arquivístico de interesse nacional. Por isso, exorta-se a
Administração da empresa a garantir a preservação imediata e acessível do acervo e a Direção-Geral do
Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas a proceder à abertura urgente do procedimento com vista à referida
classificação.

4 – Coleção de Arte: recuperar o papel do JN no apoio às artes

Durante as décadas de 1970 e 1980 e, depois, na segunda metade da de 2000 e até 2010, a Galeria de
Arte do “Jornal de Notícias” desenvolveu uma intensa atividade, expondo as obras de inúmeros artistas
portugueses e estrangeiros, muitos deles de grande nomeada. Destacam-se, nomes como Dario Alves,
Júlio Resende, Nadir Afonso, José Rodrigues, Graça Morais, Fernando Lanhas, António Joaquim e António
Carmo, entre muitos outros.
Fruto das contrapartidas ou ofertas dos artistas, mas também de aquisições de obras por parte da
empresa, o “Jornal de Notícias” foi constituindo ao longo da sua história uma importante coleção de Arte,
representativa das mais diversas escolas e tendências das artes plásticas do século XX e início do século
XXI.
A Coleção de Arte do JN, cujo catálogo-inventário os jornalistas desconhecem, encontra-se em situação
indefinida, tendo sido já transferida para um local distinto das instalações do JN. Reconhece-se que,
durante muito tempo, o desinteresse coletivo pela Coleção JN, ou pelo menos a confiança de que se
encontrava salvaguardada, acabaram por contribuir para a incerteza que hoje constitui uma preocupação
genuína. Mas é tempo de alterar o estado das coisas, porque a coleção pertence, por direito próprio, ao
“Jornal de Notícias”.
Se a empresa considera não dispor atualmente de condições, nas instalações próprias do jornal, conceba-
se outra solução que salvaguarde e valorize a Coleção JN. Quanto mais não seja, através de um acordo,
suportado num contrato de comodato, com um dos museus ou uma das instituições da cidade, que
permita a conservação das obras e patenteá-las ao público. Também este será um ato de diálogo e
cooperação com a cidade.

Porto e Redação do “Jornal de Notícias”, 2 de setembro de 2022

O Conselho de Redação

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