SJ lança repto a Carrilho em defesa do jornalismo responsável

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) desafia o deputado Manuel Maria Carrilho a intervir de forma activa contra os mecanismos que prejudicam a liberdade de informação e as condições de produção que põem em causa o exercício responsável do Jornalismo. O repto foi lançado hoje, 26 de Maio, em comunicado conjunto da Direcção e do Conselho Deontológico.

O documento faz notar que a polémica suscitada pelo lançamento do livro de Manuel Maria Carrilho – “Sob o signo da verdade” – levanta questões “antigas e recorrentes” sobre a relação entre as agências de comunicação e as assessorias de imprensa, de um lado, e os jornalistas, de outro, que há muito são tema de debate entre a classe.

Sublinhando a degradação crescente das condições de trabalho dos jornalistas, o SJ considera que se torna “ainda mais imperioso” que os profissionais dos média cumpram a sua função social, exercendo o seu “papel de mediador, procedendo à verificação, avaliação crítica e validação das informações recebidas de qualquer fonte, no exercício do seu inalienável compromisso com o Jornalismo e o público, com escrúpulo ético”, mesmo quando realizam o seu trabalho em condições adversas.

Na concretização deste dever, salienta o SJ, cabe um especial papel aos Conselhos de Redacção, velando pelo exercício, nas redacções, do “controlo da deontologia profissional e da concretização do direito dos jornalistas, constitucionalmente protegido, de participarem na orientação editorial dos respectivos órgãos de informação”.

O facto de a polémica em torno do livro de Manuel Maria Carrilho ocorrer na altura em que o Governo se prepara para aprovar a proposta de Lei de revisão do Estatuto do Jornalista a enviar à Assembleia da República, leva o SJ a considerar, por outro lado, que a obra, sendo uma “oportuna contribuição para a crítica ao sistema dos média”, não deve esgotar a contribuição pública do deputado.

É neste contexto que o SJ desafia o deputado socialista a, entre outros aspectos, acompanhar o “processo de revisão do Estatuto do Jornalista, designadamente na audição que o SJ pedirá aos partidos, na sua discussão no seio do PS – precisamente a formação que tudo decidirá neste processo – e especialmente nos plenários que hão-de discutir a Proposta de Lei originalmente apresentada pelo Governo e a versão final da Lei.”

É o seguinte o texto, na íntegra, do comunicado do SJ:

Compromisso com o Jornalismo responsável

1. O Sindicato dos Jornalistas tem acompanhado o acontecimento mediático suscitado pelo lançamento do último livro do académico e deputado Manuel Maria Carrilho (“Sob o signo da verdade”), alimentado por reacções ao seu conteúdo e por eventos subsidiários produzidos pelo autor e por outras pessoas, que julgam oportuno lançar um debate aparentemente inédito sobre várias matérias que, na verdade, são antigas e recorrentes.

2. Não é novo o debate sobre a relação entre as agências de comunicação e as assessorias de imprensa, de um lado, e os jornalistas, de outro. A questão tem animado inúmeras iniciativas – inclusivamente debates e colóquios – sendo objecto de estudo e investigação em universidades portuguesas e de livros publicados também em Portugal.

3. Por sua iniciativa e em assembleia magna, os jornalistas portugueses têm discutido este tema, ao qual foi dedicada atenção nos seus congressos (1983 e 1986 e 1998) com mais de uma dezena de comunicações sobre a matéria. No próximo congresso, subordinado ao tema “A Identidade Profissional do Jornalista”, previsto para Novembro próximo, o assunto deverá ser retomado.

4. É um facto que as agências de comunicação, os gabinetes de imprensa e outras formas de alimentação de informações, visando alcançar efeitos programados e orientados no processo comunicacional, registam uma presença crescente no espaço mediático.

5. Essa situação decorre num contexto de crescente concentração, em que um reduzido número de grupos controla a comunicação social e o seu mercado de trabalho; de agravamento da precariedade e de utilização abusiva de estudantes; de emagrecimento das redacções e do seu redimensionamento desproporcionado para o volume noticioso exigido; de limitação de recursos afectos à iniciativa e à investigação próprias; de avaliação da “produtividade” dos jornalistas sob perspectivas meramente economicistas e contrárias ao exercício livre e responsável do Jornalismo; e da inaceitável valorização da quantidade, em detrimento da qualidade.

6. Neste contexto, torna-se mais imperioso que o jornalista não se demita da sua função social e, pelo contrário, exerça o seu papel de mediador, procedendo à verificação, avaliação crítica e validação das informações recebidas de qualquer fonte, no exercício do seu inalienável compromisso com o Jornalismo e o público, com escrúpulo ético, mesmo quando realiza o seu trabalho em condições adversas.

7. Episodicamente, surge a suspeita de que há jornalistas “a soldo de agências”, mas nunca foi feita qualquer queixa ou simples denúncia de tais factos, nomeadamente ao Conselho Deontológico. Embora nunca tenha alguma vez sido definido com o mínimo de rigor a amplitude ou o recorte concreto do fenómeno, ninguém pode verdadeiramente negar a sua ocorrência. É também inegável que sempre que o Conselho Deontológico esboçou a ideia de limitar o valor de ofertas foi mal entendido ou ignorado.

8. O Sindicato dos Jornalistas garante a maior disponibilidade para analisar quaisquer elementos de prova relacionados com tais imputações e está convicto de que igual disponibilidade existe por parte dos Conselhos de Redacção dos órgãos de informação visados.

9. Cabendo aliás especial papel aos CR, impõe-se o exercício, nas redacções, do controlo da deontologia profissional e da concretização do direito dos jornalistas, constitucionalmente protegido, de participarem na orientação editorial dos respectivos órgãos de informação.

10. Na senda dos congressos anteriores, na expectativa dos debates da próxima reunião magna da classe, e sempre empenhado na melhoria – e no cumprimento – das regras que balizam a actividade dos jornalistas, o SJ considera indispensável que os jornalistas em geral e em particular os eleitos dos CR acompanhem as suas propostas de reforço do papel e dos poderes deste órgão, designadamente em sede de revisão do Estatuto do Jornalista.

11. Surgido exactamente na altura em que o Governo se prepara para aprovar a proposta de Lei de revisão do Estatuto do Jornalista a enviar à Assembleia da República, o livro de Manuel Maria Carrilho é uma oportuna contribuição para a crítica ao sistema dos média. Mas, justamente neste contexto, e tendo em conta as funções parlamentares que o seu autor exerce, a obra não pode ficar por aqui enquanto contribuição pública do deputado Manuel Maria Carrilho para o debate que reputa urgente e para a alteração das condições que, no seu pleno direito, entendeu denunciar.

12. Entre as várias matérias tratadas em “Sob o Signo da Verdade” que justificam particular atenção, destaca-se a tese de que se está instalando nos média um “regime de redacção única”, para o qual, em diversas vezes e mais ou menos por estas palavras, o SJ tem chamado a atenção, e à qual a revisão do Estatuto do Jornalista atribui especial acuidade.

13. O SJ espera que o deputado Manuel Maria Carrilho, que integra a maioria parlamentar e já demonstrou compreender as consequências nefastas de tal “regime de redacção única”, ajude os jornalistas portugueses a resistir à lógica de concentração da informação que comanda as orientações das empresas jornalísticas e pode estar a persuadir irreversivelmente o poder político.

14. Em concreto e para que não restem dúvidas, o SJ considera que, para ser consequente com a sua denúncia, o deputado Manuel Maria Carrilho deve bater-se:

a) Contra a concentração da propriedade dos meios de informação, a qual cria condições objectivas para a limitação da liberdade de expressão dos jornalistas e para o empobrecimento ideológico dos média;

b) Contra a ofensiva das empresas e dos grupos de comunicação social que visa a apropriação das criações dos jornalistas e a sua utilização multiplicada, em vários ou mesmo todos os órgãos na sua posse, da qual resulta a diminuição da diversidade informativa e a imposição de um inevitável discurso único;

c) Contra a manutenção de constrangimentos económicos ao exercício e responsável do Jornalismo, como os que resultam da precariedade dos vínculos contratuais e da iníqua formação dos salários de inúmeros jornalistas, bem como das formas de nomeação para funções de chefia e direcção;

d) Pela defesa efectiva dos direitos de autor dos jornalistas, em particular no que respeita ao poder irrevogável dos jornalistas de decidirem sobre a reutilização dos seus trabalhos para além dos órgãos para os quais foram originalmente criados;

e) Pelo efectivo e responsável reforço dos poderes dos Conselhos de Redacção, designadamente no que diz respeito ao parecer para a nomeação dos responsáveis editoriais.

15. O SJ desafia o deputado Manuel Maria Carrilho a intervir de forma activa contra os mecanismos que prejudicam a liberdade de informação e as condições de produção que põem em causa o exercício responsável do Jornalismo, acompanhando o processo de revisão do Estatuto do Jornalista, designadamente na audição que o SJ pedirá aos partidos, na sua discussão no seio do PS – precisamente a formação que tudo decidirá neste processo – e especialmente nos plenários que hão-de discutir a Proposta de Lei originalmente apresentada pelo Governo e a versão final da Lei.

Lisboa, 26 de Maio de 2006

A Direcção do SJ O Conselho Deontológico

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