SJ comenta Projecto de Lei do PCP sobre Estatuto do Jornalista

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) enviou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, a 23 de Janeiro, o seu parecer sobre o Projecto de Lei de revisão do Estatuto do Jornalista apresentado pelo PCP. No entender do SJ, que acolhe algumas das propostas constantes do Projecto e critica outras, o diploma deve ser tido em consideração pelos diferentes grupos parlamentares.

De acordo com o SJ, o Projecto de Lei apresentado pelo PCP – que se pode consultar em ficheiro anexo a esta notícia e que será apreciado no Parlamento no dia 26, juntamente com a Proposta de Lei do Governo com objecto idêntico – traduz a preocupação dos respectivos autores com a necessidade de proteger os jornalistas, de forma a salvaguardar a sua independência e responsabilidade social contra a chamada “tendência de mercado”.

Sublinhando, entre outros aspectos, que o diploma introduz uma “melhoria na norma relativa à liberdade de expressão e de criação” e retoma normas de regulamentação do direito de autor que reuniram consenso parlamentar em legislaturas anteriores, o SJ manifesta no entanto reservas quanto à formulação respeitante ao regime do sigilo profissional, por considerar que o mesmo “não fica suficientemente protegido”.

É o seguinte o texto, na íntegra, do Parecer do SJ:

Parecer do Sindicato dos Jornalistas

sobre o Projecto de Lei n.º 333/X/2.ª (PCP),

que “Altera o Estatuto do Jornalista reforçando a protecção legal dos direitos

de autor e do sigilo das fontes de informação”

I – Introdução

1. O presente Parecer dá resposta ao ofício 69/1ª – CADCDLG/2007, de 17 do corrente mês de Janeiro, através do qual a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República concede ao Sindicato dos Jornalistas a oportunidade de emitir parecer sobre o Projecto de Lei de revisão do Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro), que o Partido Comunista Português (PCP) apresentou em 15 de Dezembro de 2006.

2. O SJ regista que o projecto referido será apreciado na generalidade, no próximo dia 26 de Janeiro, juntamente com a Proposta de Lei n.º 76/X/1.ª (GOV), com objecto idêntico, ainda que com amplitude muito diversa, sobre a qual o SJ remeteu à Assembleia da República apreciação largamente fundamentada, em 4 de Julho de 2006, e foi ouvido em audição preliminar na mesma Comissão.

3. As apreciações agora vertidas para forma escrita – tal como as já apresentadas e defendidas em relação à Proposta de Lei do Governo supra mencionada – não prejudicam o interesse e o direito do SJ em participar em audições destinadas à apreciação dos mesmos diplomas na especialidade. Por outro lado, o Sindicato reitera a sua plena disponibilidade para outras formas de colaboração com a Assembleia da República e com os partidos que nela têm assento.

II – Considerações Genéricas

1. Aquando da apresentação da apreciação o Sindicato dos Jornalistas à Proposta de Lei N.º 76/X (GOV), a sua Direcção fez um apelo público a todos os grupos parlamentares para que, tendo designadamente em conta as preocupações e propostas do Sindicato, contribuíssem para evitar e corrigir os graves erros e mesmo os atentados à liberdade de imprensa que a referida proposta encerra.

2. O PCP foi o único partido a apresentar propostas concretas sobre duas das matérias que então mais preocupavam e continuam a preocupar o SJ – a regulamentação dos direitos de autor dos jornalistas e a melhoria da protecção do seu sigilo profissional. Mas o SJ espera que as restantes forças contribuam igualmente para melhorar aqueles dois regimes (além de outras matérias da Proposta do Governo), tendo em conta as suas especiais responsabilidades.

3. O SJ recorda que o Estatuto em vigor foi aprovado por unanimidade pela Assembleia da República, unanimidade essa que só pode traduzir um significado muito concreto – a adesão de todo o espectro parlamentar ao normativo dessa importante lei estruturante da actividade dos jornalistas e, por conseguinte, do Jornalismo.

4. Entre o compromisso histórico então assumido por todos os parlamentares, avulta a regulamentação dos direitos de autor, consagrados de forma expressa no Art.º 7.º do Estatuto, a qual nunca chegou a ser concretizada, pelo que o SJ tem mantido esta matéria na agenda dos contactos com o poder político, especialmente com os partidos políticos, contribuindo aliás com sugestões de textos legislativos.

5. Nas duas legislaturas anteriores, o PCP e o Partido Socialista (PS) apresentaram projectos de lei, bastante positivos, destinados à regulamentação dos direitos de autor, os quais chegaram à discussão na especialidade mas não passaram desse estado, em consequência da dissolução, em ambas os casos, da Assembleia da República.

6. Além do indeclinável compromisso de regulamentação dos direitos de autor dos jornalistas que continua por satisfazer, o Parlamento veio a ser confrontado entretanto com incidentes penais que colocaram em evidência uma fragilidade da revisão do Estatuto realizada com a Lei n.º 1/99 – a diminuição efectiva da garantia de sigilo profissional dos jornalistas, por força da subordinação imperativa do regime consagrado no seu Art.º 11.º às normas processuais penais e que veio a tornar-se flagrante em casos já sobejamente conhecidos.

7. Ao propor alterações ao Estatuto apenas nestes dois domínios, parece que os autores do projecto de lei em apreço partiram da convicção de que a Lei em vigor, suficientemente “boa” para justificar a sua aprovação pela totalidade dos parlamentares, mantém o seu mérito e que o Parlamento deve “limitar-se” a melhorar o diploma no que veio a revelar-se inapropriado para a defesa da liberdade de imprensa (o regime do sigilo profissional) e, sobretudo, a omissão legislativa na qual incorre desde então (a regulamentação dos direitos de autor dos jornalistas).

8. É sobre esses aspectos essenciais que o presente Parecer se debruça especialmente.

Assim,

III – Apreciação em concreto

1. As preocupações dos autores do projecto, expressas na sua exposição de motivos, relativamente à necessidade de opor um regime de efectiva protecção dos jornalistas à chamada tendência do mercado e à alegada fatalidade das consequências das mutações tecnológicas na vida profissional dos jornalistas, na qualidade do seu desempenho profissional, na sua responsabilidade social e na sua independência correspondem às preocupações que o SJ tem vindo a enunciar.

2. O projecto (Art.º 1.º do Projecto) introduz uma melhoria na norma relativa à liberdade de expressão e de criação (Art.º 7.º do Estatuto em revisão), ao abandonar uma formulação demasiado genérica do direito à protecção das criações dos jornalistas (n.º 3), devido à ausência da sua densificação em regulamentação ulterior e à omissão da natureza da relação com os órgãos e informação que as difundam, optando por situar expressamente o âmbito da relação, assalariada ou de prestação de serviços (ainda no n.º 3), e por abranger os trabalhos mantidos em arquivos, independentemente do destino destes (n.º 4, novo), o que é manifestamente positivo.

3. O Projecto reintroduz (Art.º 2.º) no essencial as normas regulamentares que o PCP e o PS defenderam em iniciativas legislativas anteriores, aditando ao Estatuto um conjunto de disposições – Artigos 7.º–A a 7.º–G – e respondendo assim ao compromisso de todos os partidos de regulamentarem a protecção do direito de autor dos jornalistas genericamente consagrado no actual n.º 3 do Art.º 7.º. Trata-se de uma medida positiva, pois disciplina em sede própria o que o legislador da lei de 1999 entendeu remeter para diploma adicional, com o risco de adiamento que infelizmente se comprovou.

4. As normas aditadas no projecto reproduzem ou reflectem propostas, ideias e posições apresentadas pelo SJ ao longo de mais de uma década de combate pela regulamentação dos direitos de autor dos jornalistas, assim confirmam a justeza do apoio do Sindicato às propostas contidas nas iniciativas do PCP e do PS nas duas legislaturas anteriores, as quais mantêm plena justificação e justeza, pelo que se apoiam genericamente.

5. O SJ tem reservas à redacção dada ao Art.º 7.º-C (retribuição adicional), na medida em que a experiência tem demonstrado – e recentemente com maior gravidade – a generalização do abuso de posição das empresas na celebração dos contratos de trabalho, verdadeiramente leoninos no que diz respeito aos direitos de autor, entre outras matérias. A fim de ultrapassar tal situação, propõe-se que a lei consagre que a percentagem da retribuição adicional seja fixada nas convenções colectivas de trabalho (tal como acontece já há alguns anos com o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o SJ e a Associação Portuguesa de Imprensa e a Agência LUSA), determinando uma percentagem mínima de 50% sobre o valor da cedência na ausência de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável.

6. Relativamente à alteração do regime do sigilo profissional (Art.º 11.º do EJ), o SJ apoia a intenção de fazer regressar (n.º 1 da citada norma) o nível de protecção deste direito-dever resultante do Estatuto original (Lei n.º 62/79, de 20 de Setembro, Art.º 8, n.º 1), o qual acentua a responsabilidade do jornalista no domínio da produção da prova das suas imputações, mesmo que a ela tenha chegado através de fontes confidenciais, e resolve os injustificados e até perigosos conflitos com normas penais que não têm de ser chamadas à colação.

7. Não obstante, e como considera que o sigilo profissional não fica suficientemente protegido, o SJ, propõe que se adite um novo número que consagre que o mecanismo previsto no art.º 135.º do CPP só possa aplicar-se quando seja necessário para a investigação de crime doloso contra a vida e crime grave contra a integridade física, e desde que se comprove que as informações para a descoberta da verdade não podem ser obtidas por qualquer outra forma.

8. O SJ não concorda com a alteração do actual n.º 2 do Art.º 11, na medida em que este traduz com felicidade o resultado de uma intensa reflexão do SJ partilhada com o então Secretário de Estado da Comunicação Social, e bem acolhida pelo Parlamento, no sentido de estender à rede interna (na empresa) de suporte a garantia de sigilo do jornalista. Nesta conformidade, o actual n.º 2 deve manter-se.

9. Na mesma linha, deve manter-se o actual n.º 3, por ser uma extensão da protecção de sigilo aos materiais e elementos na posse dos jornalistas, excepto no que diz respeito à parte final do seu corpo (“e nos demais casos previstos na lei”), na medida em que desta deriva um efectivo risco de ofensa à mesma garantia, como se demonstrou em situações bem recentes.

10. Por conseguinte, e pelas mesmas razões, deve manter-se igualmente o n.º 4 do mesmo artigo.

11. Assim, deve aditar-se um novo número que consagre que quaisquer buscas, nomeadamente às empresas jornalísticas e ao domicílio dos jornalistas devem ser presididas por um juiz e acompanhadas por um representante da organização sindical mais representativa dos jornalistas, como aliás defende a Proposta do Governo.

IV – Conclusão

O SJ espera que as propostas constantes do Projecto de Lei em apreço sejam adequadamente consideradas por todos os grupos parlamentares, e especialmente por aquele que assegura a actual maioria, porque replicam propostas e posições defendidas em tempos bem recentes também pelos seus membros mais destacados.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2007

A Direcção

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