A Direcção do SJ e o Conselho de Delegados Sindicais analisaram a situação no sector da comunicação social e concluiram pela existência de uma evidente degradação das condições de vida e de trabalho dos jornalistas. Em comunicado, o SJ exige a urgente tomada de medidas para a reposição da legalidade e dos direitos dos jornalistas.
O desrespeito generalizado por direitos consagrados na lei e nos contratos colectivos de trabalho (CCT), o recurso sistemático a trabalho precário e à substituição de jornalistas por estudantes de jornalismo, avaliações de desempenho arbitrárias, esvaziamento das redacções e estagnação dos salários, são alguns dos traços essenciais que caracterizam a situação que se vive em várias empresas de comunicação social.
A degradação das condições de vida e de trabalho dos jornalistas, caracterizada no Conselho de Delegados Sindicais efectuado no passado dia 9, em Lisboa, na sede do SJ, exige a urgente tomada de medidas para a reposição da legalidade e a defesa dos seus direitos.
Assim, o SJ decidiu, entre outras medidas, voltar a insistir na necessidade de uma reunião urgente com o Inspector-Geral do Trabalho, bem como propor acções no tribunais de Trabalho a reclamar o cumprimento de cláusulas fundamentais dos CCT.
O SJ pretende ainda envolver a Inspecção de Trabalho, Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e associações patronais na procura de soluções para os graves problemas com que se debatem os jornalistas, para o que vai solicitar uma reunião conjunta com aquelas entidades.
O SJ decidiu igualmente propor aos grupos parlamentares que agendem o debate, no plenário da Assembleia da República, da situação em que se encontra a comunicação social portuguesa, e sugerir ao Presidente da República uma «presidência aberta» sobre esta matéria.
É o seguinte o texto integral do comunicado do SJ:
SITUAÇÃO NAS EMPRESAS
(Julho de 2003)
1. O Conselho de Delegados e a Direcção do Sindicato dos Jornalistas analisaram a situação em várias empresas jornalísticas, a qual se caracteriza pelos seguintes traços essenciais:
– Desrespeito generalizado por direitos consagrados em lei e nos contratos colectivos de trabalho
– Tentativa de diminuição da capacidade reivindicativa e do exercício dos direitos sindicais
– Recurso generalizado à substituição de jornalistas por estudantes de jornalismo, constituindo uma prática sistemática de trabalho ilegal
– Recurso a utilização de formas de trabalho precário (recibos verdes e contratos a termo)
– Proliferação de contratos individuais de trabalho, fixando regras à margem das convenções colectivas
– Elevado número de empresas à margem de qualquer associação patronal
– Avaliações de desempenho dos jornalistas e outros trabalhadores sem a negociação prévia dos respectivos regulamentos com as organizações representativas dos trabalhadores
– Agravamento do esvaziamento das redacções, designadamente com recurso às rescisões ditas amigáveis
– Estagnação dos salários
– Atribuição discricionária de aumentos salariais
2. Face ao quadro que caracteriza a situação em muitas empresas, o Sindicato dos Jornalistas vai:
a) Insistir na solicitação já feita ao Inspector-Geral do Trabalho com vista à realização de uma reunião urgente para a análise da situação nas empresas;
b) propor a realização de uma reunião conjunta do Sindicato com o Inspector-Geral do Trabalho, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e as associações patronais, para análise da situação e determinação de medidas;
c) Propor acções nos tribunais do Trabalho, a fim de reclamar o efectivo cumprimento, por parte das empresas, de cláusulas fundamentais dos contratos colectivos de trabalho, designadamente as relativas a:
– Classificações profissionais e progressão de carreira
– Diuturnidades
– Horários de trabalho e prestação de trabalho suplementar
– Compensação por trabalho externo
d) Continuar a desenvolver esforços para que o Ministério do Trabalho publique portarias de extensão, fazendo aplicar às empresas não inscritas em nenhuma associação patronal os contratos colectivos existentes;
e) Solicitar aos membros do Governo com competências na área da comunicação social, do trabalho e segurança social e das finanças a análise urgente da situação no sector, designadamente quanto aos seus efeitos:
– Na qualidade do trabalho e na liberdade de imprensa
– Na protecção de direitos essenciais
– Na diminuição das receitas e na erosão dos recursos da Segurança Social induzidas pela passagem maciça de jornalistas e outros trabalhadores à situação de desemprego e pré-reforma
f) Propor aos grupos parlamentares que agendem a discussão, no plenário da Assembleia da República, da situação da comunicação social portuguesa;
g) Sugerir ao Presidente da República que realize uma “presidência aberta” dedicada à situação e perspectivas da comunicação social portuguesa.
3. Da análise concreta em várias empresas, destaca-se:
A Bola – Há pessoas a exercer a profissão sem título profissional. Não é respeitado o Contrato Colectivo de Trabalho em matérias como as carreiras profissionais (estrutura, progressão e quadro de densidades), registando-se promoções e actualizações salariais discricionárias. Há jornalistas que não são promovidos nem têm actualizações na carreira. Em muitos casos, as jornadas de trabalho são excessivamente prolongadas, com o argumento da atribuição de isenção de horário. É igualmente desrespeitado o disposto sobre subsídios de refeição, pois são pagos apenas 17 dias. A empresa tem dirigido a vários jornalistas propostas de rescisão ditas amigáveis. Além de problemas na ergonomia do mobiliário, são insuficientes a iluminação, a limpeza e a manutenção do ar condicionado. A utilização intensiva de computadores portáteis pode estar a provocar doenças profissionais (tendinites).
A Capital – A secção de informação local cumpre jornadas de trabalho extensas e ilegais, da ordem das dez e 12 horas por dia. O trabalho suplementar não é pago. A empresa utiliza estudantes no processo produtivo e permanecem situações de trabalho a recibo verde. As regras relativas à carreira profissional são claramente desrespeitadas. Por exemplo, há jornalistas classificados como candidatos há seis e sete anos! Têm-se verificado nos últimos dias atrasos na liquidação dos subsídios de férias.
Correio da Manhã – Verifica-se o desrespeito pelas normas da lei e do Contrato Colectivo de Trabalho sobre horários de trabalho (que não estão afixados e que têm uma duração demasiado extensa, com jornalistas a trabalhar 12 horas por dia), sobre trabalho suplementar, e outros direitos fundamentais. Por exemplo, uma jornalista grávida foi discriminada salarialmente, não tendo recebido aumento, sob o argumento de que se tornara menos produtiva. As condições de higiene e segurança são deficientes, designadamente em termos da eficiência da climatização e do espaço útil por cada jornalista.
Diário de Notícias – Alegando a situação do sector e os seus resultados, a empresa não procedeu a actualizações salariais em 2003, não havendo garantias de que estas possam ocorrer no segundo semestre. Mantém-se a situação de desrespeito por normas relativas ao trabalho suplementar e pela compensação por serviço externo (vulgo pernoitas). Há várias situações de precariedade (recibos verdes) que a direcção promete regularizar a curto prazo.
Euronotícias – Está em curso um processo de esvaziamento do jornal e do próprio projecto da empresa. Este mês foram dispensados três «estagiários» que trabalhavam na empresa há cerca de dois anos, com o argumento de que o pagamento do respectivo salário (muito inferior ao fixado na tabela) era incomportável. Em sua substituição foram admitidos cinco novos «estagiários» sem vencimento. Há dois meses que os salários são pagos com atraso (cinco dias). O subsídio de férias não foi pago. Não há aumentos salariais há quatro anos. Os horários, embora afixados, não são cumpridos, e as horas extraordinárias não são pagas. Os direitos respeitantes a folgas, feriados e deslocações não são cumpridos, o mesmo sucedendo em relação às categorias profissionais. A degradação das condições de trabalho assumiu tais proporções que são os próprios jornalistas a pagar as despesas diárias, sendo reembolsados apenas quatro a cinco semanas depois. Quem protesta é chamado à administração. Há uma grande pressão para as pessoas saírem da empresa.
Expresso – A empresa faz depender as actualizações salariais dos resultados da exploração e das avaliações de mérito, e desde há um ano começou a processar parte do aumento só no final do ano, como prémio. Este ano houve uma actualização de 2%, a que poderá somar-se um prémio geral de 1% (além de prémios individuais) no final do ano se as metas fixadas pela Administração forem cumpridas; o processo é acompanhado pela Comissão de Trabalhadores, mandatada em plenário para todas as negociações. No entanto, cinco trabalhadores não tiveram aumento devido à avaliação, apesar de o plenário ter voltado a recusar a existência de aumentos zero; os prémios individuais foram 36. Como se vê, a política é passar a pagar uma fatia das retribuições como prémios, e não como salários. A progressão na carreira tem resultado de iniciativas periódicas da Direcção do jornal; a Direcção informa que acaba de elaborar uma proposta de regulamento de carreiras para entregar à CT e debater em plenário (esta matéria, recorda-se, é da exclusiva competência dos sindicatos). O trabalho suplementar e externo é devidamente pago e compensado (exceptuando-se as horas extra que, por acordo de todos, não são contadas mas são compensadas por bastante flexibilidade no horário). Não são cumpridas as normas do contrato colectivo respeitantes ao subsídio de monitor. Depois da resolução dos numerosos casos de trabalho precário com integração no quadro (por imposição da Inspecção do Trabalho), aos novos trabalhadores em tal situação a Direcção de Pessoal está a exigir que se constituam como empresários em nome individual prestadores de serviços ao jornal, mesmo quando desempenham tarefas idênticas às dos outros jornalistas e estão em permanência na Redacção.
Impala – Foi apresentado à empresa um caderno reivindicativo com vista à recuperação de direitos nos domínios das carreiras profissionais, vencimentos, indemnização de material fotográfico, subsídio de monitor, diuturnidades, trabalho suplementar e direitos de autor. A empresa afirma estar a avaliar estas reivindicações, mas já mostrou a sua resistência em relação a alguns direitos. Jornalistas da revista Focus têm sido utilizados para produzir outra publicação fora dos seus horários de trabalho, mas não recebem qualquer retribuição adicional. São utilizados estudantes no processo produtivo.
Jornal de Notícias – A empresa actualizou os vencimentos de 2003 em 2,53%, mas os jornalistas consideraram-na insuficiente face ao agravamento do custo de vida e à excelência dos resultados do jornal. A Comissão Negociadora Sindical dos jornalistas apresentou uma proposta de actualização suplementar de 2% para o segundo semestre. Encontra-se em negociações a actualização do complemento indemnizatório de material fotográfico. Em Setembro, será iniciada a negociação da revisão das carreiras profissionais (estrutura e progressão), da avaliação de desempenho e do planeamento de formação contínua. Persistem algumas situações de trabalho precário e o recurso a estudantes de jornalismo em período de observação.
Público – Generalização da isenção de horário de trabalho, não sendo pago o trabalho prestado em dia de folga. Venda a terceiros de trabalho jornalístico sem conhecimento e muito menos a autorização prévia dos seus autores. A empresa tem vindo a desrespeitar a estrutura de carreiras inicialmente acordada, privilegiando o contrato individual. Anualmente é feita uma avaliação cujo regulamento (não negociado e resultante de um modelo do grupo Sonae) e resultados não são conhecidos. Nas regiões onde o jornal está a lançar edições próprias, há jornalistas em situação precária. A empresa recorre sistematicamente a estudantes, utilizando-os no processo produtivo.
Público.pt – A empresa reaviva com alguma regularidade o espectro do encerramento da edição on-line. Mantêm-se vários jornalistas em situação precária (recibo verde), não há qualquer carreira profissional (argumento invocado: “no Público.pt só há soldados, não há capitães”) nem se verificou qualquer actualização salarial. Jornalistas têm sido utilizados em tarefas estranhas ao objecto do contrato. Esporadicamente, são utilizados estudantes.
Rádio Renascença – Além da estagnação na carreira, verifica-se desrespeito pelas normas sobre diuturnidades e a actualização discricionária dos vencimentos. A empresa recorre a estudantes de jornalismo no processo produtivo.
RDP – Mantém-se grande expectativa relativamente ao futuro da empresa, no quadro das transformações decididas pelo Governo para o sector público da comunicação social. Mantém-se o impasse na actualização salarial para 2003. Há indícios de perseguição a jornalistas com ausências ao trabalho por doença.
RTP – Os jornalistas e outros trabalhadores foram confrontados com uma avaliação ilegítima que contestam. O SJ exige a negociação de um regulamento com os sindicatos. Mantém-se o clima de grande intranquilidade relativamente ao futuro de muitos trabalhadores no contexto das transformações empresariais determinadas pelo Governo. Apesar do compromisso do conselho de administração de encetar a negociação de um Acordo de Empresa para a futura sociedade, o processo ainda não foi iniciado. Não se verificaram actualizações salariais.
Sic-Notícias – A empresa não está abrangida por qualquer contrato colectivo de trabalho, pelo que todos os jornalistas e outros trabalhadores estão vinculados a contratos individuais. Não há carreiras profissionais nem um sistema coerente de actualização salarial, dependente de uma avaliação cujo regulamento não é conhecido nem foi negociado com os sindicatos. A empresa impõe jornadas de trabalho excessivas, que chegam a ser de 12 ou mais horas, sendo generalizadamente de pelo menos oito horas seguidas sem direito a intervalo. O regime de turnos é muito irregular – jornalistas chegam a mudar de turno três vezes numa semana e são avisados da alteração de horário na véspera. Não há respeito pelas normas relativas ao trabalho nocturno e ao trabalho suplementar, verificando-se dificuldades no gozo das folgas perdidas. Além da ausência de qualquer actualização salarial, vive-se na empresa um novo período de instabilidade e de receio de novos despedimentos. Regista-se o recurso sistemático a estudantes de jornalismo no processo produtivo.
TSF – Não se verificaram aumentos salariais em 2003 e continua a haver irregularidades no pagamento do trabalho suplementar. A empresa não aplica o Contrato Colectivo de Trabalho no que diz respeito às carreiras profissionais (estrutura e progressão).
TV Guia – Mantém-se a situação de desarticulação das carreiras profissionais, de falta de pagamento do subsídio de monitor e da exclusividade. Sob o argumento de que “não é tradição”, no grupo Cofina, o pagamento de ajudas de custo para deslocações ou da compensação por serviço externo contratualmente consagrada, a empresa deixou de proceder à sua liquidação.
TVI – A empresa continua a não respeitar os direitos dos trabalhadores, designadamente no respeitante ao pagamento de horas extraordinárias, trabalho suplementar e trabalho nocturno.
Visão – Foi apresentado à empresa um caderno reivindicativo com vista à recuperação de direitos nos domínios das carreiras profissionais, vencimentos, subsídio de monitor, diuturnidades e trabalho suplementar. A empresa responde com a chantagem económica, afirmando que o respeito por estes direitos representaria a ruína do grupo Edimpresa! Foram atribuídos aumentos salariais segundo o critério discricionário do director da publicação. Verifica-se o recurso ao trabalho de estudantes, embora com o pagamento do seu trabalho através de recibos verdes. Após estes “estágios curriculares”, alguns são utilizados como prestadores de serviços ocasionais.
24 Horas – A situação dos quatro jornalistas ilegalmente isolados durante meio ano como forma de pressionar a sua saída chegou agora ao fim, com a negociação de indemnizações. Assiste-se a uma degradação acentuada das relações de trabalho, inclusivamente ao nível do relacionamento entre os profissionais e as respectivas chefias, gerando-se tensões e incidentes disciplinares. Não se verificaram aumentos salariais, embora tivesse havido “ajustamentos” relativamente a alguns casos. Há várias situações de precariedade (contrato a termo).