SJ acusa Governo de pôr em causa liberdade de imprensa

O “Governo convive mal com a liberdade de expressão e persegue o doentio objectivo de limitar a independência dos meios de comunicação social geridos pelo Estado”, acusa o Sindicato dos Jornalistas (SJ) em comunicado divulgado a 20 de Outubro, em que analisa as declarações dos ministros da Presidência, Nuno Morais Sarmento, e dos Assuntos Parlamentares, Rui Gomes da Silva.

Para o SJ, o ministro Rui Gomes da Silva “voltou a exibir um arrogante desprezo pela liberdade de expressão” nos esclarecimentos prestados à Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre as acusações que fez a Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto Morais Sarmento foi mais longe ao defender publicamente “a limitação da independência das empresas de serviço público de comunicação social”.

Acusando o Governo de se comportar “como dono dos órgãos de informação confiados à sua tutela”, o SJ considera que com esta atitude o executivo “dá aos empresários e accionistas do sector privado da comunicação social o aval político para fazerem tábua rasa das garantias de independência dos órgãos de informação e dos jornalistas face aos poderes político e económico”.

Perante esta situação, o SJ conclui que o Governo “não tem credibilidade para assegurar a gestão democrática dos meios de comunicação social do Estado”, pelo que defende que a mesma seja “avocada pela Assembleia da República e apela ao Presidente da República no sentido de repor o respeito pelas normas constitucionais e valores fundadores da nossa democracia que estão à sua guarda”.

Recorda-se que já na apreciação feita ao Programa do Governo o SJ alertava para o facto de a redacção adoptada relativamente ao seu compromisso de “aprofundar e consolidar o processo de reestruturação empresarial e de conteúdos” suscitar reservas, por poder representar um risco de governamentalização das empresas de serviço público de rádio e de televisão.

É o seguinte o texto, na íntegra, do comunicado do SJ:

Governo ataca Liberdade de Expressão

1. As declarações de ontem dos ministros da Presidência, Nuno Morais Sarmento, e dos Assuntos Parlamentares, Rui Gomes da Silva, confirmam que este Governo convive mal com a liberdade de expressão e persegue o doentio objectivo de limitar a independência dos meios de comunicação social geridos pelo Estado, o que exige uma urgente reposição da ordem constitucional.

2. Ao prestar esclarecimentos na Alta Autoridade para a Comunicação Social, o ministro dos Assuntos Parlamentares voltou a exibir um arrogante desprezo pela liberdade de expressão e tornou evidente a sua sanha punitiva contra os delitos de opinião do ex-comentador da TVI Marcelo Rebelo de Sousa e uma doentia obsessão por cabalas jornalísticas, ofendendo a integridade moral dos jornalistas do “Público” e do “Expresso”.

3. O ministro da Presidência foi, porém, mais longe: declarou que defende a limitação da independência das empresas de serviço público de comunicação social, atingindo irremediavelmente a credibilidade da Radiotelevisão Portuguesa e da Radiodifusão Portuguesa e ofendendo a dignidade dos jornalistas ao serviço destes operadores.

4. As palavras do ministro da Presidência exprimem um projecto de instrumentalização da comunicação social, fazendo recear o que de pior se poderia esperar 30 anos depois da Revolução de Abril: a apropriação dos meios do Estado confiados à sua tutela para sua própria propaganda e a usurpação da independência que a Constituição da República Portuguesa protege.

5. Ao advogar uma limitação à independência dos operadores de serviço público de informação, o ministro da Presidência exprime uma tendência totalitária, deturpando o sentido do mandato que a Lei e a Constituição lhe conferem enquanto tutela da comunicação social – o da defesa intransigente da liberdade de imprensa e da independência dos meios do Estado.

6. As afirmações do mesmo governante quanto ao poder do Executivo de redefinir os modelos de programação dos operadores de serviço público (não os objectivos, porque esses já estão na Lei!) confirma o receio de invasão da área de competências da Administração e da Direcção da RTP, aliás já expresso pelo Sindicato dos Jornalistas no comentário ao Programa de Governo.

7. As afirmações em causa contradizem claramente qualquer projecto válido de regulação democrática da comunicação social, evidenciando os riscos de governamentalização da instância a criar e obrigando a redobrada vigilância por parte da Assembleia da República e do Presidente da República.

8. O argumento de que não são as administrações nem os jornalistas que têm de responder perante os eleitores exprime uma noção redutora da democracia – assim relegada para a liturgia eleitoral – na qual a liberdade de imprensa não tem lugar, e ofende princípios essenciais de responsabilidade das empresas perante o público e do permanente escrutínio do trabalho dos jornalistas pela Sociedade.

9. As palavras dos dois governantes e a cobertura política de que gozam significam que não estamos perante mais um incidente de incontinência verbal de membros do Governo, mas sim perante um programa de afrontamento de valores essenciais do regime democrático.

10. As palavras do ministro da Presidência e o que se vai conhecendo dos desígnios para a central de comunicação e imagem do Governo ainda em formação colocam na ordem do dia a necessidade de questionar a legitimidade da concentração no mesmo governante de duas competências irremediavelmente antagónicas – a coordenação da propaganda do Executivo e a tutela da Comunicação Social.

11. O Governo comporta-se assim como dono dos órgãos de informação confiados à sua tutela e dá aos empresários e accionistas do sector privado da comunicação social o aval político para fazerem tábua rasa das garantias de independência dos órgãos de informação e dos jornalistas face aos poderes político e económico.

12. Nesta conformidade, o Sindicato dos Jornalistas entende que este Governo não tem credibilidade para assegurar a gestão democrática dos meios de comunicação social do Estado, pelo que se impõe que seja avocada pela Assembleia da República e apela ao Presidente da República no sentido de repor o respeito pelas normas constitucionais e valores fundadores da nossa democracia que estão à sua guarda.

A Direcção

Lisboa, 20 de Outubro de 2004

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