Retrato sociológico dos jornalistas pode estimular crítica às rotinas da profissão

Jornalistas de várias gerações participaram ontem, 5 de Novembro, no debate público sobre o perfil sociológico dos jornalistas portugueses, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas (SJ) no âmbito do Dia Europeu dos Direitos dos Jornalistas, tendo o orador convidado, José Rebelo, formulado a esperança de que os resultados deste estudo “encorajem o sentido crítico sobre as rotinas da profissão”.

A sessão durou mais de duas horas e foi bastante animada e participada, com intervenções tanto de jornalistas mais velhos, no activo ou desempregados, como de jovens licenciados à procura da primeira experiência ou no seu “primeiro estágio curricular”.

Salientando que o SJ foi o principal apoio para este trabalho, José Rebelo descreveu o grupo de investigação que coordenou – composto por “jornalistas de referência que regressaram à universidade” e por uma equipa de investigadores do ISCTE – como “entusiasmado” e entusiasmante”.

“Foi a experiência mais extraordinária que tive enquanto universitário”, sublinhou, referindo que neste trabalho juntaram-se as ferramentas metodológicas proporcionadas pela sociologia com a facilidade em chegar às fontes e em entrevistar que é apanágio do jornalismo.

A investigação, que incluiu a realização de 50 entrevistas pessoais, traçou o perfil da classe jornalística portuguesa através de 30 tipos teóricos, entre os quais o jovem estagiário que vai estagiando indefinidamente mesmo quando é cada vez menos jovem; o jornalista que consegue atingir rapidamente um cargo de topo; ou aquele que, sendo às vezes altamente qualificado, não consegue reinserir-se na profissão após uma situação de desemprego, por exemplo.

Redacções mais jovens, mais femininas e mais escolarizadas

O estudo, realizado entre Janeiro de 2005 e Fevereiro de 2008, terá as suas conclusões no próximo fim-de-semana, no Seminário de Almada, mas algumas tendências foram desde já avançadas pelo coordenador da investigação, como o facto de as redacções serem cada vez mais jovens, mais femininas e mais escolarizadas.

Recorrendo a dados de Dezembro de 2006, este trabalho teve por base o universo de 7402 portadores de título emitido pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ).

Deste universo, 59% são homens e 41% mulheres, havendo todavia a destacar que o género feminino é dominante na faixa entre os 20 e os 34 anos, o que permite detectar a feminização crescente das redacções.

Contudo, esta maior presença feminina não se reflecte nos cargos de chefia, o que, segundo o estudo, se deve a dois factores primordiais: o privilégio de género, que favorece a ascensão dos homens nas hierarquias, e a escolha de pessoas mais velhas para ocupar cargos de responsabilidade, sendo que a presença masculina é dominante nas faixas etárias acima dos 35 anos.

Este aparente “machismo” na escolha de chefias foi um dos temas que mais debate gerou, com elementos do público, como Maria José Garrido e Edite Esteves, a sublinhar as dificuldades que as mulheres têm para ascender a cargos de decisão de órgãos de comunicação, sendo frequentemente preteridas em favor de homens com igual ou menor experiência profissional.

Quanto à juventude das redacções e sua maior escolarização, a explicação reside na criação de muitos cursos de comunicação social, jornalismo e ciências da comunicação em universidades públicas, privadas e politécnicos, por serem cursos com reduzidos custos de manutenção e grande capacidade de atracção de alunos, devido ao reconhecimento social proporcionado pela profissão.

Condições precárias e mobilização da classe

O elevado número de cursos fez subir exponencialmente os licenciados na área e motivou uma oferta de mão-de-obra superior à procura, levando ao surgimento de condições de trabalho precário na classe e a ideias como a de que os jovens jornalistas fazem tudo para agarrar um lugar, são fura-greves e não têm qualquer interesse na deontologia.

“Eu não subscrevo essas ideias”, frisou José Rebelo, reconhecendo no entanto que “torna-se difícil pensar na deontologia, nas questões cívicas e na necessidade de ser solidário com os colegas quando não há um ordenado certo ao fim do mês, por pequeno que seja”.

Repensar a acção sindical

Se a Lei da Rádio, que criou mais de 200 estações privadas, e o surgimento de revistas temáticas permitiram, a dada altura, absorver os novos licenciados no mercado, a recessão que se seguiu, já neste milénio, foi deixando de fora os candidatos a jornalista, sendo esse facto agravado pelas transformações no próprio sector.

“Antes os jornais eram empresas familiares mas, após 1990, começa a concentração da propriedade dos média e hoje temos jornalistas que nem sequer conhecem o patrão”, disse José Rebelo, recordando o seu ingresso na redacção do jornal “República” em 1966, então composta por sete ou oito jornalistas.

Para José Rebelo todas estas alterações exigem “um repensar da acção sindical, que terá de concentrar-se no plano transnacional e trans-sectorial”, pois os grandes grupos detêm vários órgãos de informação mas também muitos outros negócios, em sectores tão diversos como a alimentação ou o entretenimento.

Nesse plano, Portugal tem uma situação aparentemente favorável, dada a elevada sindicalização da classe. Recorrendo aos arquivos do SJ, o estudo encontrou 4821 profissionais sindicalizados, o que representa 65,1% do total de jornalistas com carteira.

No entanto, notaram vários elementos do público, a classe tem sido, ao longo dos anos, pouco empenhada em lutas colectivas, por muito que haja jornalistas mais velhos a criticar as novas gerações pelo seu individualismo.

Reflectir sobre a classe

No final do debate, os presentes concentraram a atenção sobretudo na necessidade de, assim que estiverem prontas as conclusões, divulgar o estudo convenientemente, por forma a suscitar a discussão sobre o perfil e as práticas da classe entre os jornalistas.

Recordando que é necessário combater a tentação “fetichista” de considerar um estudo como uma solução para os problemas, José Rebelo sublinhou que estes são apenas pontos de partida, pistas para uma reflexão que tanto se poderá fazer em sessões como a de ontem como num Congresso dos Jornalistas.

Partilhe