A par da resolução consubstanciadora das conclusões, o 3.º Congresso dos Jornalistas Portugueses apresentou um Relatório Final em que se explanaram as ideias apresentadas e debatidas no decorrer das sessões de trabalho dos vários paineis, bem como as informações de dois documentos que contribuiram para fazer uma espécie de radiografia da classe jornalística em Portugal.
O Congresso iniciou-se com a apresentação de dois trabalhos que tinham o objectivo de fazer a radiografia do jornalismo português no fim do século, doze anos depois do último Congresso.
O primeiro, uma reportagem televisiva feita por três elementos da Comissão Organizadora – realizada por Cândida Pinto, Jacinto Godinho e Susana Zarco -, partiu de uma ideia base: qual o perfil dos candidatos a jornalistas sejam eles ainda estudantes ou já estagiários no seu primeiro emprego.
O segundo, pretendia ser um Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses com uma amostra representativa de 353 questionários. Por dificuldades na recolha dos elementos, o relatório final teve por base menos 115 questionários (238 no total) deixando por isso de ser representativo.
José Luís Garcia, investigador do I.S.C.T.E., sublinhou que os resultados só são válidos para o universo dos jornalistas inquiridos, podendo porém ler-se como indicadores das grandes tendências dos profissionais de informação no seu todo.
A. O trabalho televisivo não se ficou pela mera reportagem do que foram os últimos 12 anos no jornalismo português. Inclui também os resultados de um inquérito feito pela Metris a 121 estudantes e estagiários, uma amostra representativa de um universo de mil pessoas.
Considerando a média das respostas obtidas junto de estudantes e estagiários conclui-se que a televisão é o media que mais os influenciou na escolha da profissão e a aposta mais forte no futuro.
Quarenta e nove por cento considera que não é possível fazer política e voltar ao jornalismo, enquanto 44% pensam que sim.
Uma maioria clara (66%) entende que é possível fazer publicidade e jornalismo. A mesma maioria já considera que o jornalismo e a assessoria de imprensa são incompatíveis.
A maioria dos estagiários (51 %) olha para o jornalismo como um negócio. Os estudantes estão mais divididos mas ainda assim a ideia de «jornalismo igual a serviço público» ganha – 49% contra 45%.
Uma ideia final deste trabalho: 81 % entrevistava uma criança acusada de um crime de sangue.
B. Do trabalho do I.S.C. T.E. é possível apurar algumas conclusões a partir de dados objectivos fornecidos pelo Sindicato de Jornalistas e pela Comissão da Carteira Profissional.
Nos últimos dez anos triplicou o número de profissionais, sendo que este universo se «feminizou» (mais 23% que há dez anos) e se «juvenilizou» (66% tem menos de 40 anos).
As respostas ao inquérito levaram às seguintes conclusões:
A maioria é licenciada, tem formação específica em Jornalismo, ganha entre 150 e 250 contos e tem um contrato de trabalho por tempo indeterminado – cerca de 23% estão numa situação de precaridade.
Nove em cada dez afirma ter sofrido pressões no exercício da sua actividade, sendo estas tanto internas como externas.
Quando se pergunta sobre atropelos à ética jornalística as duas principais causas são a concorrência entre órgãos de informação e a competição entre jornalistas (85% e 61% respectivamente).
Questionados sobre o modelo de controlo deontológico, a maioria defende o actual Conselho Deontológico, embora funcionando de forma independente (43%). Um C.D. totalmente independente é a solução para 28% enquanto 16,4% prefere uma ordem.
PAINEL: QUESTÕES TÉCNICO-PROFISSIONAIS
Relativamente ao Ensino e ao Acesso, foi:
– sublinhada a importância da definição de uma política de formação de jornalistas que tenha em conta a evolução da situação do sector e as respectivas e reais necessidades;
– apontada a necessidade de os currículos concederem mais atenção a matérias com que os jornalistas lidam na profissão e à componente prática, dando maior importância ao «saber fazer»;
– feito um apelo no sentido de nas universidades e nos institutos se fornecer aos alunos uma ideia realista do que é a profissão, nomeadamente das suas exigências e sacrifícios de vária ordem, incluindo de natureza pessoal;
– sublinhada a urgência de criar mecanismos reguladores do mercado de trabalho, de modo a que diminua a grande diferença entre o excesso de oferta de licenciados em Comunicação Social e Jornalismo e a escassez de lugares vagos nas redacções;
– apontada a regulamentação dos estágios como etapa fundamental para uma efectiva profissionalização;
– denunciada a prática de exploração do trabalho dos estagiários utilizados por muitas
empresas como autênticas «galinhas dos ovos de ouro»: não têm encargos financeiros com eles e ao fim de três meses já sabem que têm novos candidatos;
– chamada a atenção para a necessidade de as empresas investirem na formação, no quadro de uma política a longo prazo dirigida para a valorização dos recursos humanos e não apenas obcecada pelos lucros imediatos;
– posta em causa a inclusão no ensino universitário da ética profissional enquanto disciplina sujeita a avaliação, tendo em conta, por um lado, a natureza e finalidade das universidades e, por outro, a natureza da ética, enquanto prática profissional sujeita à juridificação académica – defendida a manutenção da abertura do acesso profissional não apenas a licenciados em Comunicação Social e/ou Jornalismo, mas também a pessoas com outras proveniências, preferentemente com formação universitária;
– apontada a necessidade de esclarecer e regulamentar, por um lado, a formação ou habilitação para o acesso ao estatuto profissional e, por outro, a competência para conferir esse estatuto e o consequente exercício profissional.
No que se refere às Novas Tecnologias; foi
– manifestada a preocupação pelo desafio lançado pelas Novas Tecnologias à sobrevivência do jornalismo tal como até hoje tem sido entendido e praticado;
– defendida a necessidade de que o novo jornalismo nascido da aplicação das N. T. não o transforme em mera comunicação, ou num jornalismo desumanizado, perigosamente distanciado das pessoas que são o seu público.
– defendida a tese de que as N.T. não devem ser encaradas como uma sentença de morte imediata para as formas tradicionais de jornalismo e para os seus princípios essenciais, como a procura da verdade e o rigor, mas sim como uma maneira diferente de fazer jornalismo, tão legítima como as outras desde que igualmente sujeita a esses princípios;
– lançado o alerta para o perigo, já hoje real, de serem os próprios jornalistas a deixarem-se fascinar pelas novas possibilidades tecnológicas, como a Internet, recorrendo acriticamente aos elementos aí recolhidos e realimentando os media tradicionais com o que de negativo pulula no mercado on-line;
– afirmada a necessidade de, sem rejeições apriorísticas nem entusiasmos fáceis, os jornalistas encararem os novos meios (como a Internet) enquanto uma possível e futura forma específica de jornalismo, tão legítima como as que, no início, também foram uma temida novidade;
– chamada a atenção para a necessidade da defesa dos direitos de autor do jornalista que vê o seu trabalho num determinado suporte ser utilizado pela entidade patronal para edição noutro suporte, sem que do facto lhe advenha qualquer remuneração.
Quanto às Novas Tendências no Jornalismo, foi
– afirmada a necessidade dos jornalistas se analisarem a si próprios, com rigor e sem contemplações, no novo quadro criado pela evolução recente dos media e do jornalismo;
– destacado o esforço a desenvolver pelos jornalistas no sentido a evitar, por um lado, que a luta pelas audiências desvirtue os princípios básicos da profissão e, por outro lado, que o aumento da circulação das notícias e da capacidade das fontes externas produzir informação ponha em causa ou elimine as funções específicas dos jornalistas;
– defendida a tese de que o jornalismo se deve tornar mais interpretativo e analítico, desde que a autoria das interpretações e das análises seja conhecida de todos, de modo quer a fazer com que o subjectivismo que, inapelavelmente, caracteriza as notícias, seja claramente assumido, quer a ajudar o público a orientar-se perante uma avalanche de factos e a hierarquizar a informação;
– defendida a tese de que o jornalista se deve preocupar menos com a quantidade e a rapidez e mais com a qualidade e ponderação da informação;
– defendida a tese de que, no jornalismo radiofónico, se tem vindo a perder profundidade, perspectivas, criatividade, vibração e qualidade, situação esta que terá de ser combatida com melhor formação e maior competência da rádio perante as estratégias da televisão e melhor aproveitamento das potencialidades próprias;
– valorizado o fotojornalismo como componente essencial e cada vez mais importante dos jornais, com exigências e problemas específicos, mas cujo futuro e sobrevivência estão indissoluvelmente ligados aos da imprensa escrita.
PAINEL: ÉTICA E DEONTOLOGIA
1. AGÊNCIAS DE COMUNICAÇÃO E ASSESSORIAS/INCOMPATIBILIDADES
– As relações entre os jornalistas, os assessores e empresas de comunicação e imagem foram abordadas no discurso do presidente da Comissão Organizadora na sessão de abertura, que o apresentou como tema que tem vindo a ser adiado desde o primeiro Congresso. Afirmou esperar que este 3.º Congresso «encontre um conjunto de regras clarificadoras das relações entre jornalistas e assessores. E normas que regulem a questão tão delicada do regresso do assessor à actividade jornalística.»
– Um consenso atravessou todas as intervenções: o da incompatibilidade da assessoria e da actividade jornalística em simultâneo.
– Tal incompatibilidade também fazia parte de uma proposta que previa a integração do assessor na carreira jornalística como «jornalista assessor» e dos que se dedicam à redacção de jornais institucionais como «jornalista-divulgador».
– Pelo menos duas intervenções se opuseram àquela proposta, considerando que assessor e jornalista devem manter-se como profissões distintas e defendendo que seja debatida concomitantemente com aquela proposta a atribuição, ou não, de carteira a profissionais que exercem a actividade em jornais partidários e a militantes políticos ou outros.
– Assessores convidados esclareceram que existe um código de ética para as empresas de comunicação e acentuaram que as informações que divulgam devem ser olhadas como fontes e tratadas com o carinho e/ou a desconfiança que todas as outras merecem.
– Diferentes congressistas defenderam propostas várias no sentido de definir um novo regulamento de atribuição da carteira profissional; uma regulamentação mais exacta para as assessorias; e a criação de coimas para quem viole normas sobre incompatibilidades.
– Foi igualmente proposto que o período mínimo de suspensão do título profissional seja de seis meses e que seja respeitado um «período de nojo» por parte daqueles que depois de terem passado pelas assessorias regressam às redacções.
– Foi recomendado que num forum a organizar pelo Sindicato esta e outras questões relacionadas com a atribuição da carteira profissional sejam debatidas e aprofundadas.
Propostas e reservas ao jornalismo económico:
– Foi sugerida a criação de um Observatório Sistemático, capaz de detectar falsas notícias, com o envolvimento das Universidades, Fundações ou mesmo da própria CMVM.
– Foi defendido que aos profissionais que lidam com o sector bolsista deve estar interdita a gestão de carteiras de títulos, próprias ou alheias.
2. AUTONOMIA, IDENTIDADES E PRÁTICAS JORNALÍSTICAS
a) DA IDENTIDADE
– Foram postas em relevo as profundas alterações no panorama da Comunicação Social – e nas condições de exercício do jornalismo – nos 12 anos que nos separam do último: congresso, acarretando, para o bem e para o mal, novos desafios e novos problemas aos profissionais. Palavras-chave como «audiências», «concorrência», «mercado», balizam hoje a nossa actividade, levantando questões complexas no que respeita, por exemplo, à autonomia profissional e à responsabilidade social dos jornalistas, tanto em termos individuais como no contexto das empresas a que estão vinculados.
– Considerou-se que a velocidade a que circula a informação é, hoje, muito mais exigente para o jornalista (tanto na sua preparação de base como na sua capacidade de resposta pronta e analítica), mas que isso não pode servir de alibi para investigar pouco ou mal, para não testar a veracidade das fontes, para atropelar regras básicas de rigor ou de respeito pelas partes envolvidas.
– Alertou-se para o facto de os jornalistas estarem agora mais conscientes do seu efectivo poder e, em consequência, poderem cair no pecado da arrogância e da soberba, recusando a crítica e desprezando a autocrítica. A este propósito, foram referidas e elogiadas algumas iniciativas recentes no sentido de melhorar a capacidade de autocrítica e a transparência no interior dos “”. É o caso do Provedor do Leitor, não obstante se tenha reconhecido que a instituição dessa figura também serviu, por vezes, para tornar ainda mais patente a pouca receptividade dos jornalistas a reparos ou chamadas de atenção.
b) DAS PRÁTICAS JORNALÍSTICAS
– Alertou-se para a necessidade de que o jornalismo continue a ser um exercício permanente de ética e de rigor, e não o somatório de pressões e cumplicidades, oriundas das mais diversas fontes e insuficientemente cruzadas pelos profissionais de informação.
– Constatou-se a importância específica da informação televisiva no nosso País, quer pelo impacto que sempre tem, quer pelas características particulares que vem adquirindo por força da pressão das audiências. Como contraponto, alertou-se também para o facto de as críticas do foro ético e deontológico estarem, entre nós, muito voltadas para a televisão, dando menor relevância a situações igualmente controversas na imprensa escrita e nas rádios.
– Para além dos nossos erros e fragilidades, houve também quem se perguntasse como vai o nosso melhor jornalismo e que impacto tem junto do público, mesmo quando é irrepreensível. Referiu-se que as notícias por nós publicadas são predominantemente negativas (sobretudo nas primeiras páginas) e que o nosso jornalismo não estará, portanto, a retratar adequadamente tudo o que se passa à nossa volta. Teremos propensão para ceder mais à audiência do que à decência?
– Diversas vozes reclamaram uma maior exigência e rigor no tratamento de áreas especializadas (jornalismo desportivo, económico, religioso), tanto do ponto de vista da linguagem específica desses domínios como de um conhecimento mais aprofundado dessas áreas, sob pena de se dizer muito disparate e se causar, eventualmente, muito prejuízo.
Complementarmente, ouviram-se apelos para que os jornalistas, dadas as suas responsabilidades culturais, não se esqueçam de divulgar as artes das minorias nem as desvalorizem sistematicamente em favor dos grandes auditórios de gosto mais popular.
PAINEL: ENQUADRAMENTO LEGAL E LABORAL/ORGANIZAÇÕES JORNALÍSTICAS
DO SINDICATO
– Foi posto em relevo o trabalho intenso (mesmo que, por vezes, pouco conhecido da classe) do Sindicato dos Jornalistas (S.J.), quer como interlocutor dos poderes públicos e associações sectoriais, quer junto das empresas, pugnando pelos direitos dos profissionais e procurando corrigir situações de injustiça ou de desrespeito pelas lei em vigor. Lamentou-se que muitos jornalistas só se lembrem do S.J. quando necessitam de aconselhamento jurídico. E, embora se reconheça que as condições para o trabalho sindical e a capacidade de mobilização não atravessem dias fáceis, insistiu-se na necessidade de contribuirmos para que haja um Sindicato forte, prestigiado, eficaz, capaz de representar os jornalistas e de se bater pelos seus direitos nas diversas áreas em que tal seja necessário.
DO TRABALHO PRECÁRIO
– Insistiu-se na absoluta necessidade de os jornalistas terem uma ligação contratual digna com as empresas para que trabalham, sendo essa uma condição fundamental para que se exerça a profissão com independência, dignidade e dedicação. A generalização dos vínculos laborais precários, com recurso frequentíssimo aos chamados «recibos verdes», cria situações de insegurança, de abuso e de dependência que pervertem as regras básicas de funcionamento da nossa profissão, tornando também mais difícil o rigor ético e deontológico a que nos obrigamos. Insistiu-se em que as empresas devem ser compelidas a cumprir a legislação em vigor, que impede a contratação de jornalistas sem carteira profissional e não permite o recurso ao «recibo verde» como expediente para tomar apenas mais baratas, e mais precárias, relações de trabalho efectivas e permanentes.
DO DESEMPREGO
– Chamou-se a atenção para a expressão crescente do desemprego na classe, e também para a particular dificuldade de os jornalistas acederem a subsídios de desemprego em condições razoáveis, dadas as características próprias desta profissão. Foi proposto que se insista junto da Secretaria de Estado da Segurança Social no sentido de alterar o quadro vigente, designadamente criando condições que facilitem a retoma da actividade para os jornalistas desempregados, fazendo uma espécie de «discriminação positiva» que permita restabelecer a igualdade e a justiça relativa numa profissão sujeita a condicionalismos particulares.
OS CARTOONISTAS
– Foi chamada a atenção para o caso particular dos cartoonistas, que já hoje são jornalistas por direito próprio, titulares de carteira profissional, sócios do Sindicato (quando o desejam) mas, em contrapartida, não são considerados como tais em sede de contrato colectivo de trabalho – o que os exclui, desde logo, dos benefícios sociais existentes para a classe. Uma situação que deve ser resolvida rapidamente.
DO SEGREDO DE JUSTIÇA
– Alertou-se para a importância da alteração do quadro legal que rege o segredo de justiça, designadamente ao ser-lhe conferida dignidade constitucional, num plano semelhante ao dos direitos fundamentais – e, entre estes, o direito de informar. Considera-se que é no domínio ético e deontológico, e não no plano normativo, que se devem procurar as soluções para a maior parte dos problemas suscitados pela actividade jornalística, mormente os que se possam traduzir em restrições ou limitações à liberdade de informar. Neste contexto, foi proposto que o segredo de justiça vincule apenas quem, por força da sua profissão, toma contacto com o processo, e não o jornalista que, por imperativo legal e profissional, notícia factos do interesse público contidos nesse processo.
DO CÓDIGO DEONTOLÓGICO
– Foi apresentada uma sugestão para que o actual Código Deontológico dos Jornalistas passasse a chamar-se Código de Ética, tomando mais clara a sua natureza como um conjunto de princípios cuja violação é apenas passível de reprovação colectiva mas não sancionável administrativa ou judicialmente. Esta delimitação, a ser aceite, acarretaria a modificação de alguns artigos do actual Código.
DO ESTATUTO DO JORNALISTA
– O facto de o actual Estatuto do Jornalista estar em processo de revisão foi considerado um momento especialmente oportuno para a discussão e alteração de um conjunto de preceitos que enquadram legalmente o exercício desta profissão. Alguns exemplos: acesso à profissão, definição de jornalista, título profissional, incompatibilidades, direitos de autor, sigilo profissional, papel dos Conselhos de Redacção, deveres fundamentais.
Especificamente sobre o acesso à profissão e sobre a carreira profissional de jornalista, foi proposto que se separem os estágios curriculares dos estágios profissionais e, em consonância, sejam separadas a certificação de que se está apto (para a profissão) da atribuição de um título profissional (para o exercício efectivo dessa profissão). Considerou-se que a importância deste assunto requer, com brevidade, um debate mais aprofundado na classe, de modo a que as novas ideias e propostas possam ser contempladas no futuro enquadramento legal dos jornalistas.
– Foram apresentadas algumas denúncias muito violentas sobre a situação que se vive no jornal A Capital, com queixas de actos de censura, de desrespeito de direitos dos jornalistas, de infracções deontológicas, de actos de prepotência por parte da Direcção e das chefias. Numa resposta dirigida à presidente do Sindicato dos Jornalistas, mas também lida no Congresso, a directora do jornal refutou essas acusações, considerando tratar-se de calúnias sem provas.
Finalmente, apelou-se a que os jornalistas, dada a sua responsabilidade social, não contemporizem com a mediocridade e usem os meios de que dispõem para a recusar quando lha queiram impor. O jornalista tem o direito legal de resistência às ordens e orientações que violem a sua ética, embora se saiba que as condições laborais em que muitas vezes são obrigados a funcionar tornam especialmente difícil – para não dizer heróica – essa atitude.
DAS ORGANIZAÇÕES JORNALÍSTICAS
– A questão das Organizações Jornalísticas motivou vivo debate e um conjunto de propostas que reflectem com nitidez, como os problemas relacionados com a identidade profissional, a ética, a Deontologia e a regulação profissional atravessam as preocupações primordiais da classe.
Nesse sentido, emergiram várias posições que reflectindo legítimas inquietações, apontam caminhos diversos.
Assim, foram apresentadas quatro propostas que defendiam, em substância, o seguinte:
1. Criação de um Conselho de Conduta Profissional dos Jornalistas, a funcionar no âmbito da Comissão da Carteira, cuja composição e competências deverão ser reformuladas.
2. Criação de um organismo de jornalistas para jornalistas, a que todos os jornalistas sejam obrigados a pertencer para exercer a profissão, que seja interlocutor válido em matéria de legislação e tenha, entre outras competências, capacidade fiscalizadora e disciplinar.
3. Aprofundamento da autonomia do Conselho Deontológico, em articulação com o Sindicato, em que se ausculte, por via de referendo, o conjunto da classe sobre a abertura de tal eleição a todos os portadores de título profissional e acerca da composição, competências e personalidade jurídica daquele Órgão.
4. Criação de um organismo auto-regulador, um Conselho de Ética, que exceda a dimensão do Sindicato, sem dele prescindir.
Tendo em conta a controversidade e complexidade das matérias em apreço, os subscritores das propostas, num exemplar esforço de diálogo e consenso, concordaram na exigência de prosseguir e alargar o debate sobre estas questões, cometendo ao Sindicato essa tarefa.
Elevado número de intervenções referiu as condições de insegurança laboral, que condicionam gravemente o exercício da profissão e a independência dos jornalistas. Nesse contexto, foi sublinhado que a qualidade apenas se pode conquistar com plena liberdade.
Considerou-se, também, a oposição à Alta Autoridade para a Comunicação Social e a quaisquer tentativas de regulamentação do sector impostas do exterior.
Nesse sentido, voltou a defender-se a criação do Conselho de Imprensa, ou de um Conselho de Comunicação Social, como estrutura que viabilize a aprovação e fiscalização de um Código de Conduta das empresas de comunicação social portuguesas.
PAINEL: QUESTÕES TÉCNICO – PROFISSIONAIS
a) JORNALISMO FORA DO EIXO LISBOA /PORTO
Os correspondentes dos meios nacionais de Imprensa e os jornalistas da imprensa regional expuseram as deficiências com que trabalham, da falta de apoios das suas direcções e chefias no plano local, até à subalternização dos seus trabalhos pelas redacções centrais.
No caso da Madeira, disse-se que a própria direcção regional do Sindicato dos Jornalistas por vezes se manteve calada e sujeita à ordem estabelecida no arquipélago.
Entre as pressões a que os jornalistas estão sujeitos incluem-se as ameaças de processo por alegado abuso de liberdade de imprensa, a proibição da sua entrada em sedes partidários ou mesmo ataques pessoais.
Foi denunciada a utilização da profissão para benefício de candidatura própria a cargo político.
Foi criticada a influência da televisão na informação escrita, com recurso ao jornalismo de entretenimento e o mau dimensionamento da imprensa regional, propriedade de empresas investindo no sector por razões estratégicas ou de entidades desconhecedoras do sector.
Foi lembrado que, na imprensa regional, há problemas na organização e métodos de funcionamento das diferentes empresas, com acumulação da propriedade e direcção do órgão de comunicação, falta de actualização profissional e de democracia interna nas empresas, além de precaridade de emprego e baixos salários, ausência de título profissional ou de órgãos representativos, como conselhos de redacção e delegados sindicais.
Foi sugerida a organização de jornalistas em espaços descentralizados de debate para, entre outros objectivos, revalorizarem questões deontológicas.
Foi apontado o menosprezo atribuído aos acontecimentos políticos fora de Lisboa ou Porto que, a despeito dos seus méritos, passam automaticamente a segundo plano ou são considerados de estrito âmbito regional.
Foi apontado um eventual défice de objectividade informativa na imprensa regional, por menor distanciamento em relação às fontes, e que o autoritarismo é superior ao da imprensa nacional, com tendência a agravamento da repressão, favoritismo ou mesmo perseguição.
Os constrangimentos da imprensa regional, foi salientado, passam também pelas relações pessoais e interesses a elas associados, com infracção do dever de denúncia de situações que, não obstante, poderão acabar por ser noticiadas pelos meios de alcance nacional.
Foi denunciada a concentração de meios de comunicação, como a rádio, por falta de legislação que regule a aquisição dos meios, e o livre arbítrio dos proprietários no afastamento de jornalistas profissionais, críticos dos seus objectivos e métodos.
Foi feito um alerta para a participação de uma representação de somente dois por cento dos jornalistas da imprensa regional na preparação do próprio Congresso, quando estes representam 20 por cento dos profissionais sindicalizados.
Para melhor exercício da sua missão, foi proposto, por exemplo, que os jornalistas da imprensa regional tenham presença permanente nas assembleias municipais ou questionem os membros do poder a nível central sobre os compromissos assumidos de âmbito local.
Foi proposto que, no plano das incompatibilidades temporárias, a consagrar no Estatuto do Jornalista, fique claramente estabelecido que directores e chefes de redacção dos órgãos de comunicação social devem suspender a sua actividade quando candidatos a qualquer cargo político, no período entre a apresentação da candidatura e a publicação dos resultados eleitorais.
b) CORRESPONDENTES E IMPRENSA PORTUGUESA NO MUNDO
Os correspondentes dos órgãos de comunicação social portugueses no estrangeiro manifestaram a sua preocupação pelas condições em que estão a exercer a profissão. Consideram estes jornalistas que o quadro actual conduz a uma imagem insuficientemente digna do correspondente no estrangeiro.
Alguns exemplos apontados:
– A redacção central é pouco sensível a diversas matérias editoriais, impossibilitando por vezes o diálogo.
– Acontecem pressões, por parte da redacção central, no sentido do correspondente reproduzir matérias difundidas pelas grandes agências e pelas cadeias de televisão. Foi, de resto, denunciado um caso em que este tipo de pressões levou a que o correspondente se sentisse a falsear a verdade, por não terem sido levadas em conta as suas próprias fontes.
– É visível o decréscimo da aposta na investigação e na análise.
– Há uma preocupação, por parte dos correspondentes que trabalham para órgãos de comunicação social públicos, quanto à instabilidade que possa advir de alterações no quadro político.
– Existem situações de arbitrariedade quanto à manutenção da carteira profissional. Sugeriu-se a necessidade de uma maior vigilância.
Deste painel de correspondentes de órgãos de comunicação social portugueses no estrangeiro saíram algumas propostas concretas, nomeadamente:
– Tendo em conta as limitações financeiras dos media portugueses seria interessante conseguir uma cooperação jornalística entre órgãos não concorrentes e, eventualmente, com órgãos de outros países de língua portuguesa.
– Um correspondente que trabalha de perto as questões referentes a Timor-Leste, propôs ao Sindicato dos Jornalistas portugueses um intercâmbio com uma organização sindical independente de jornalistas indonésios.
Os jornalistas portugueses em Macau manifestaram grande preocupação com o futuro da língua portuguesa no território, depois da passagem à administração chinesa.
Estes jornalistas sentem-se profundamente apreensivos com o futuro da liberdade de expressão no território de Macau, após 1999.
Lisboa, 1 de Março de 1998