Reinventar o sindicalismo

Texto da presidente da Direcção do Sindicato dos Jornalistas, Sofia Branco, para a centésima edição em português do Le Monde Diplomatique.

Não é raro que a palavra sindicalismo provoque desinteresse, rejeição ou mesmo aversão, entre os trabalhadores mais novos, jornalistas incluídos.
À semelhança dos partidos políticos, a nova geração vê nos sindicatos uma relíquia do passado, uma estrutura antiquada e desfasada da realidade, que não consegue dar resposta às suas preocupações ou ambições.
Tem havido uma tendência para a reação condescendente de justificar essa postura com a alegada falta de interesse ou eventuais preconceitos sobre o sindicalismo, mas tal explicação é manifestamente insuficiente, até porque esses mesmos jovens estão envolvidos, muitas vezes, em movimentos sociais ou projetos cívicos.
Mas, tal como desprezam o sistema partidário, no que ele tem de opaco e seguidista, também não se sentem representados pelo convencionalismo e pela burocracia instalada dos sindicatos.
Porém, a desestruturação da organização do trabalho tem obrigado os sindicatos a reposicionarem-se ou, pelo menos, a terem de pensar nessa hipótese.
Podendo e devendo manter-se como referenciais, os sindicatos têm de se adaptar, agir por prevenção e não apenas por reação, passar da defesa ao ataque.
O problema é que os sindicatos congelaram a forma como olham para as relações de trabalho, numa visão tradicionalista que não representa uma parte significativa dos trabalhadores de hoje, cada vez mais freelance, independentes por opção ou precários por obrigação. No caso dos jornalistas, muitos estão afastados das redações e das suas dinâmicas sociais e coletivas, enredando-se num processo de trabalho muito mais individualista.
Sendo absolutamente fundamental continuar a defender os poucos contratos coletivos que ainda restam, contrariando essa tendência para a individualização das relação de trabalho, importa também dar resposta às novas realidades laborais, intensas, fragmentadas, flexíveis, e mudar o esquema legislativo em vigor, no sentido de as incluir sob a sua proteção.
Por que não hão de os jornalistas freelance ser considerados trabalhadores por conta não de apenas um outrem, mas de vários, e serem defendidos, também eles, em negociações coletivas, por exemplo de tabelas salariais mínimas?
Defender apenas os direitos já consagrados de determinados trabalhadores é hoje apenas uma parte das funções de um sindicato, sendo necessário conquistar direitos para os que, pela atipicidade das suas relações de trabalho, não os têm ainda.
Ao longo da História, a vida das sociedades humanas foi sendo melhorada com as lutas dos movimentos operários e laborais. Por isso, dizer que o sindicalismo é inútil é mais ou menos o mesmo do que dizer que a igualdade entre mulheres e homens, hoje uma bandeira política e uma reivindicação socialmente aceite, nada tem a ver com os combates feministas do passado, sem os quais, definitivamente, não estaríamos onde estamos agora.
Em lugar de serem propulsoras da ação, as divergências e quezílias do passado têm paralisado a capacidade de resposta sindical aos desafios de hoje. Ora, a força do movimento sindical está na unidade, mas numa unidade saída da maior diversidade possível.
Um sindicato é tanto mais forte e influente quanto mais profissionais conseguir atrair para as suas fileiras, convencendo-os da sua importância na representação e defesa dos trabalhadores. Mas importa também que esses profissionais sejam diversos entre si, para que o sindicato possa ser considerado representativo.
Apenas uma centena de sócios do Sindicato dos Jornalistas, o equivalente a menos de um décimo do total, tem atualmente entre 20 e 30 anos. Ora, se os mais novos entram na profissão em cada vez piores condições, com salários mais baixos e geralmente vínculos precários, esta baixa taxa de sindicalização é um sinal de alerta de que algo não está a ser bem feito.
Os sindicatos precisam de democratizar os seus métodos de organização interna e de se abrirem ao exterior, assumindo o debate ideológico e uma voz própria nos acontecimentos políticos e sociais.
As formas tradicionais de associação, entre as quais os sindicatos, não estão necessariamente fora de prazo e continuam a ser fundamentais em tempos de mudanças bruscas e abruptas.
Também o Sindicato dos Jornalistas precisa de se reinventar, no discurso e na forma.
Aproximando-se das bases e dialogando com elas. Dando eficácia à mensagem, que se quer curta, direta, dinâmica, interativa, envolvente, transparente, prática. Contribuindo para reabilitar e credibilizar a imagem dos jornalistas, atualmente deturpada por alguns maus exemplos, é certo, mas sobretudo por ideias feitas de uma sociedade que desconhece, verdadeiramente, as condições em que é produzida a informação que lhe chega e se esquece, vezes demais, da importância que um jornalismo de qualidade tem para a democracia.
Perante o envelhecimento das estruturas sindicais, a Federação Europeia de Jornalistas aconselha, num estudo recente sobre austeridade e jornalismo, que os sindicatos promovam a diversidade entre os seus membros, no sentido de incluir mais mulheres e jovens jornalistas nos processos de decisão. Se não o fizermos, quem vamos sindicalizar no futuro?

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