Queixa do Conselho Diretivo do HAJC contra publicação do jornal Boa Nova por alegada violação de regras deontológicas

Conselho Deontológico
Queixa nº 14/Q/2023

Assunto
Queixa do Conselho Diretivo do Hospital Arcebispo João Crisóstomo (Leiria) contra o jornal Boa Nova, publicado no Facebook, por violação de regras deontológicas relativas à publicação “Afinal, parece que ainda há Ditadura em pleno ano 2023!”, de 21 de abril de 2023.

Queixa
1) O Conselho Diretivo do Hospital Arcebispo João Crisóstomo (HAJC) remeteu ao Sindicato dos Jornalistas a 27/4/23 uma queixa contra o diretor do jornal Boa Hora (JBN), João Pedro Silva (CP: TE-508A). A queixa diz respeito a uma notícia intitulada “Afinal, parece que ainda há Ditadura em pleno ano 2023!”, publicada a 21/04/23.
2) A queixa visa essencialmente estes pontos:
a) “São atribuídas afirmações à Presidente do Conselho Diretivo do HAJC, neste artigo de opinião não assinado que nunca, em tempo algum foram proferidas”:
b) Quanto ao título e conclusão do texto, visando a presidente do Conselho Diretivo do HAJC são “ofensivos da sua honra e consideração, facto especialmente grave por terem lugar num órgão de comunicação social”.
c) Violação do Estatuto Editorial do Boa Nova;
d) Violação da lei e dos deveres deontológicos, enunciando a queixa os seguintes pontos: “Respeitar escrupulosamente a verdade, o rigor e objetividade da informação”, “Respeitar a orientação e os objetivos definidos no estatuto editorial da publicação em que trabalhem” e “Observar os limites ao exercício da liberdade de imprensa nos termos da lei”. “Consideramos ainda que foram violados vários deveres deontológicos do jornalista como ‘relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público’ – ponto 1 do Código Deontológico dos Jornalistas bem como do seu ponto 2: ‘O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais’,” diz o documento enviado ao CD.

Procedimentos
3) Uma vez que a queixa era inicialmente dirigida à direção do Sindicato e não especificamente ao Conselho Deontológico (CD), foi o HAJC contactado para confirmar o destinatário, sendo igualmente questionado, porque não ficava claro desse primeiro contacto, quem era a parte queixosa. Foi ainda solicitado o link da publicação em causa.
4) O HAJC respondeu de imediato, esclarecendo as dúvidas do CD, que se encontram já vertidas neste texto.
5) A 4/5/23 o CD dirigiu uma série de questões ao diretor do JBN. É importante notar que a queixa recebida tem diversas implicações e ângulos de abordagem (a divergência de posições remonta a fevereiro de 2022), alguns dos quais escapam ao âmbito de intervenção do CD, como o cumprimento ou não do Estatuto Editorial do JBN, uma vez que este órgão se baliza essencialmente pelo cumprimento dos deveres prescritos no Código Deontológico.
6) As questões enviadas foram as seguintes: a) O Padre João Pedro Silva, assistente espiritual do referido hospital, e o diretor do JBN são a mesma pessoa? Em caso afirmativo, vê algum tipo de conflito de interesses resultante da acumulação, refletida na notícia em causa? b) O Padre João Pedro Silva foi o autor da notícia em causa? c) A referida publicação está estruturada como uma notícia (pelo menos assim parece), mas mistura factos com opinião (de que é primeiro exemplo o próprio título). Como o justifica? d) Em que factos é suportada esta afirmação “A comunidade paroquial de Cantanhede, bem como os utentes do próprio HAJC estão indignados perante esta posição da atual Administração do HAJC”? e) A que título foi obtida a informação de que “esta posição da atual Administração do HAJC” se “escudeia” [SIC] com a «já confirmada unificação do HAJC com o CHUC e consequente necessidade de implementação de diretivas externas», segundo a Dra. Diana Breda”? e f)Por que é que não é referida na notícia que (tanto quanto é da nossa compreensão) se trata de uma transferência de um espaço para o outro?
7) O diretor do JBN respondeu a 12 de maio, também através de uma extensa missiva, que aborda novamente diversas questões, algumas das quais este CD não poderá apreciar por falta de competência. Entende, por exemplo, o diretor do JBN que “a publicação apresentada na queixa formulada pelo Conselho Diretivo do Hospital Arcebispo João Crisóstomo ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas é parcial, na medida em que ela não pode ser separada da evolução dos acontecimentos e consequente tomada de conhecimento e publicação dos desenvolvimentos no tema e das posições das entidades em causa.”
8) Relativamente às perguntas enviadas pelo CD, foi respondido o seguinte: a) “Entre outras responsabilidades, sou pároco de Cantanhede, assistente espiritual e membro da Comissão de Ética para a Saúde do Hospital Arcebispo João Crisóstomo (desde 4 de novembro de 2015) e Diretor do JBN (por inerência de cargo enquanto pároco de Cantanhede, desde 20 de setembro de 2015), à data do assunto em questão, continuando atualmente com essas funções, nas quais não identifico qualquer conflito de interesses em geral ou no assunto em particular. Se, à partida ou em consequência das publicações referidas, existisse essa suspeita ou constatação, eu nem sequer teria sido nomeado para os cargos que ocupo, já teria sido demitido pelas entidades que me nomearam, ou eu próprio teria renunciado às funções”; b) “Confirmo que fui eu o autor da publicação (a qual se trata de uma crónica) em causa, bem como das restantes publicações referidas no n.º 2, quando indico “em nome do JBN”. A ausência de assinatura é um lapso, mas que é facilmente atenuado pelo facto de, em última instância, enquanto Diretor do JBN, ser
sempre o último responsável por tudo aquilo que é publicado em nome do JBN”; c) “A referida publicação não deverá ser entendida enquanto notícia, nem enquanto opinião, mas sim compreendida sob o género de “crónica”, que tem as suas especificidades. Aliás, realça este caráter quer o título dado à publicação, quer a questão com que a mesma se encerra”; d) “a afirmação referida na pergunta é suportada no procedimento de Diana Breda, (por duas vezes levado a cabo de forma semelhante) que, em momento algum, me disse que a Diocese de Coimbra apoiava a sua decisão ou lhe tinha dado indicações para que eu devesse proceder segundo me impunha. A afirmação é ainda suportada na opinião das pessoas com quem falei no seguimento da chamada telefónica no dia 21 de abril de 2023, mas também das pessoas com quem já havia falado em fevereiro de 2022”; e e) “Em todo o caso, cabe-me salvaguardar que a afirmação não se trata de uma transcrição de uma reprodução telefónica, nem de “ipsissima verba”. As aspas funcionam, neste caso, como uma forma de evidenciar uma mensagem que precisa de destaque, bem como de ser comunicada o mais fielmente possível, conforme percebida por mim.”
9) O diretor do JBN conclui afirmando que “Os factos estão, a meu ver, devidamente descritos nas publicações do JBN” e que “Não reconheço ter violado a lei nem faltado para com nenhum dos meus deveres deontológicos, pelo que, se gravidade nos factos há que ser relatada e denunciada, que deverá ser relevado e merecedor de censura é a forma de proceder de Diana Breda e sua queixa (em análise) ao Sindicato dos Jornalistas.”

Análise
10) Como tem sido repetidamente afirmado, o CD entende que não se deve pronunciar sobre textos de opinião. No caso em apreço, a dúvida existiu desde o princípio: trata-se de uma notícia ou de um texto de opinião? Na queixa, os autores referem nomeadamente: “Esta publicação caluniosa e enviesada foi publicada e reproduzindo as ofensas à honra, inicialmente feitas pela pessoa que escreve a publicação do Jornal Boa Nova, ainda que não o assinando, não sendo claro se se trata de uma notícia ou artigo de opinião” e noutras passagens o texto é mesmo referido como sendo “de opinião”. Já o diretor do JBN responde que “A referida publicação não deverá ser entendida enquanto notícia, nem enquanto opinião, mas sim compreendida sob o género de ‘crónica’, que tem as suas especificidades. Aliás, realça este caráter quer o título dado à publicação, quer a questão com que a mesma se encerra”.
11) Como se entende, a questão é fulcral, pelo que motivou uma análise muito ponderada por parte do CD. É nosso entendimento que pela forma como o texto está redigido, apesar de existir uma evidente mistura de factos com opinião, se trata de uma notícia. O texto começa com uma formulação difícil de entender num artigo de opinião: “O assistente religioso do Hospital Arcebispo D. João Crisóstomo (HAJC) deu nota ao Jornal Boa Nova que a atual Presidente do Conselho Diretivo-CEO do mesmo Hospital o contactou telefonicamente…”; por outro lado, um artigo de opinião é por natureza assinado (no limite, como editorial da publicação), o que não acontece, nem está redigido na primeira pessoa; por outro lado, a inserção de citações (em discurso direto, portanto) citando quer a presidente do HAJC quer o assistente religioso, reforça essa ideia. Outras expressões, como “Ora, o Jornal Boa Nova tem conhecimento que há décadas que o HAJC tem uma Capela para serviço dos utentes…” são típicas do estilo noticioso e não de textos de opinião.
12) Fica por outro lado claro que não só o assistente espiritual do HAJC e o diretor do JBN são a mesma pessoa, como foi essa pessoa, o Padre João Pedro Silva, o autor da notícia.
13) Quanto ao facto da comunidade paroquial e os utentes do HAJC estarem “indignados”, como é referido na notícia, o autor apenas refere que “a afirmação é ainda suportada na opinião das pessoas com quem falei no seguimento da chamada telefónica”;
14) Finalmente, as afirmações da presidente do HAJC, que são colocadas entre aspas, não são uma “transcrição de uma reprodução telefónica, nem de ‘ipsissima verba’. As aspas funcionam, neste caso, como uma forma de evidenciar uma mensagem que precisa de destaque,” segundo o autor da notícia.

Deliberação
15) Mais uma vez: quer a queixa quer a resposta abordam diversos aspetos que, no entender do CD e podendo ser relevantes para a comunidade local e mesmo para a compreensão global do caso, escapam à área de intervenção deste órgão. Nesse sentido, as seguintes deliberações prendem-se exclusivamente com o cumprimento dos deveres deontológicos a partir da notícia que nos foi enviada (e que não inclui nem comentários nem desenvolvimentos);
16) É patente uma evidente confusão entre notícia e opinião (entendendo aqui a ‘crónica’ também como um espaço de opinião). Essa confusão viola claramente o enunciado no ponto 1 do Código Deontológico: “A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.” Mesmo que, no limite, o entendimento do CD tivesse sido o que de se trata de um artigo de opinião, a violação do pressuposto estaria sempre presente. A identificação dos registo dos conteúdos publicados, feita de forma clara, é um dever ético perante os leitores;
17) Neste contexto, parece-nos oportuno deixar claro que o CD faz e continuará a fazer uma avaliação do género jornalístico em questão, sempre que tal se revele justificado, e apresentando os necessários argumentos. No limite, e em abstrato, seria possível uma das partes catalogar qualquer texto como opinião, só para, assim, evitar a sua apreciação pelo CD;
18) Diz ainda o artigo 1º do Código Deontológico: “O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso.” Ao CD parece óbvio que tal não aconteceu, até pela forma como o HAJC foi tratado na notícia em causa;
19) O CD encontra também problemas no cumprimento do artigo 2º do Código Deontológico (“O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais), nomeadamente na parte do título e da conclusão da notícia em causa;
20) No artigo 11º do Código Deontológico afirma-se: “O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional. O jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse”. No caso em apreço foi exatamente o que não aconteceu, a partir do momento em que assistente espiritual, diretor do JBN e autor da notícia são a mesma pessoa. Aliás, recorrendo ao ponto 4º (“O jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja. A identificação como jornalista é a regra”) é possível especular que os interlocutores do Padre João Pedro Silva poderão ter dificuldade em saber se estão a falar com o assistente espiritual, com o pároco ou com o jornalista;
21) Finalmente, como o próprio reconheceu, a notícia não está assinada, o que pode entrar em contradição com o ponto 5º do Código Deontológico: “O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e atos profissionais (…)”.
22) Em conclusão, o CD do Sindicato dos Jornalistas encontra diversas violações dos preceitos deontológicos na publicação em causa, recomendando ao diretor do JBN que se abstenha de noticiar assuntos em que é parte interessada e, quando tiver que o fazer, que o faça no mais escrupuloso cumprimento da deontologia, através de uma notícia que relate “os factos com rigor e exatidão e [interpretando-os] com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público” ou então através de um texto de opinião devidamente assinado e formulado.

Lisboa, 17 de maio de 2023
O Conselho Deontológico

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