Queixa de Licínia Girão contra Pedro Almeida Vieira, diretor do jornal online “Página Um”

Queixa de Licínia Girão contra Pedro Almeida Vieira, diretor do jornal online “Página Um”

Conselho Deontológico

Queixa nº 16/Q/2023

  1. Natureza da Queixa

O Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas recebeu, a 8 de maio de 2023, uma queixa da jornalista Licínia Girão contra o jornalista Pedro Almeida Vieira, por “conduta reiterada de violação das regras, princípios e deveres elencados no Código Deontológico dos Jornalistas”. A queixosa afirma que “o denunciado tem vindo a revelar uma clara atitude persecutória e a formular, não só juízos de valor desonrosos, com uma narrativa sensacionalista, por vezes dissimulada e ou fantasiosa a partir de dados falsos, ou a partir de factos verdadeiros interpretados sem a devida honestidade”, construindo um “relato discriminatório, humilhante, insultuoso e ofensivo” e colocando “em causa a honra e bom nome da denunciante”.

A queixosa considera que foram violados os pontos 1, 2, 3, 8, 9 e 11 do Código Deontológico dos Jornalistas e elenca os artigos onde identifica fundamentos para a sua argumentação. Resumimos, em seguida, os principais pontos apresentados na queixa.

  1. Artigo publicado a 24 de fevereiro de 2023: “Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público” (https://paginaum.pt/2023/02/24/presidente-da-comissao-da-carteira-profissional-de-jornalista-decidiu-aumentar-taxas-mas-recusa-dizer-quanto-ganha-em-cargo-publico/)
    1. A denunciante questiona a afirmação constante no título de que a própria “decidiu aumentar taxas”, argumentando que o denunciado “não faz, nem nunca comprova que esta decisão foi tomada pela denunciante”, até porque, afirma, “a presidente deste organismo (…) não detém essa competência.”
    1. Questiona também a afirmação de que a denunciante “recusa dizer quanto ganha”, sustentando que foi o secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), e não a presidente do organismo, que, “ao abrigo de um instituto legal, comunicou ao denunciado que prorrogava o prazo para dar resposta a um vasto número de pedidos efetuados por si.”
    1. Aponta a seguinte passagem: “Licínia Girão, que assumiu o cargo em Maio do ano passado como ‘jurista de mérito’, mesmo se foi incapaz de concluir o estágio de advocacia, que iniciara em finais de 2020”. Considera a denunciante que é passada ao leitor “uma opinião” e que há um “teor depreciativo” não sustentado em factos.

Acrescenta a denunciante que:

  • “É mestre e licenciada em Direito, possui três pós-graduações também na área do Direito, sendo uma delas em Direito da Comunicação, e ainda mestre em Jornalismo e Comunicação”;
  • Que “nunca em nenhum momento foi apresentada pelos membros do Plenário da CCPJ como jurista de reconhecido mérito, mas antes como jornalista (ainda que, jurista) de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”;
  • E que os atuais membros da CCPJ expressaram no programa que foi sufragado pelos pares a intenção “de seguirem o que já assumiram no anterior Plenário de colocar à frente dos destinos da CCPJ um jornalista e não apenas um jurista.”

 

  1. Artigo publicado a 18 de agosto de 2022: “Advogada-estagiária ‘fantasma’ com cargo que por lei exige ‘jurista de reconhecido mérito’” (https://paginaum.pt/2022/08/18/advogada-estagiaria-fantasma-com-cargo-que-por-lei-exige-jurista-de-reconhecido-merito/)
    1. A notícia dá conta de que a denunciante se encontrava a realizar “um estágio de advocacia num escritório de Santo Tirso, Rodrigues Braga & Associados, apesar de viver em Coimbra.” Pedro Almeida Vieira esclarece ainda como obteve essa informação: “O PÁGINA UM contactou esta tarde, por telefone, a sociedade Rodrigues Braga & Associados – cujos contactos correspondem ao local de estágio de Licínia Girão no registo da Ordem dos Advogados –, perguntando como poderia contactar com a advogada-estagiária, tendo sido informado por uma secretária que não era do seu conhecimento estar lá a trabalhar alguém com o nome da actual presidente da CCPJ.”

A denunciante afirma que “nunca foi estagiária da sociedade de advogados mencionada na publicação” e que se trata de uma “coincidência nos contactos no que respeita à morada dos escritórios” resultante do facto de “diversos advogados ou sociedades de advogados” partilharem espaços. Acrescenta que “facilmente o denunciado tinha acesso à prova do efetivo estágio da denunciante, que por acaso teve início em Coimbra e aí decorreu durante toda a primeira fase, uma vez que esta participou, por exemplo, em diversas diligências nos tribunais de toda a região Norte, praticamente todas elas de acesso público.”

    1. Licínia Girão considera ainda que o denunciante revela “falta de rigor e isenção” ao levantar “uma perturbante e preocupante possibilidade de também existirem irregularidades com contornos éticos pelo facto de um advogado estagiário não poder ter residência fiscal ou não poder residir fora da comarca onde realiza o estágio”.
    1. Neste mesmo artigo, Pedro Almeida Vieira justifica o facto de não se ter identificado como jornalista por “se estar perante um incontestável interesse público, estando convicto de que a sua identificação prévia como jornalista resultaria num eventual enviesamento da verdade.” Licínia Girão defende que “o recurso à não identificação e gravação de chamada sem autorização” é um “artifício” que “não poderá ser considerado” aceitável, uma vez que, argumenta, “o denunciado não fez prova de que existiu uma impossibilidade de obtenção de informação relevante pelos ‘processos normais’.”
    1. A denunciante questiona ainda o facto de Pedro Almeida Vieira sublinhar regularmente, neste e noutros artigos, que a denunciante trabalhou “sobretudo” na imprensa regional e como freelancer. Licínia Girão contrapõe que assumiu “diversos cargos em diversas redações de órgãos de comunicação regional e local” e que colaborou “durante mais de duas décadas e meia” com órgãos de comunicação nacionais como o Jornal de Notícias, a Agência Lusa e o Jornal de Letras.
    1. Noutra passagem da notícia, Pedro Almeida Vieira refere o seguinte: “No Registo Nacional de Teses e Dissertações constam agora dois mestrados concluídos em Outubro de 2019 e em Março de 2021: o primeiro em Jornalismo e Comunicação; e o segundo em Ciências Jurídico-Forenses. Além destas duas recentes provas académicas de nível intermédio, não consta outro qualquer registo consultável de obra académica ou de natureza relevante do ponto de vista profissional que possa atribuir a Licínia Girão um estatuto de “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”. Licínia Girão questiona a qualificação de “nível intermédio” das provas, argumentando que “o grau de mestre corresponde ao nível 7 do quadro de qualificações europeu que vai de 1 a 8.” Sustenta ainda que “deliberadamente o denunciado ocultou o vasto currículo académico e profissional da denunciante, facilmente consultado, em parte, por exemplo, nas redes sociais na época públicas e que escrutinou.”
    1. O artigo adianta ainda que Licínia Girão “também se candidatou a mediadora de conflitos dos julgados da paz do agrupamento de concelhos da Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós, e do agrupamento de concelhos de Alvaiázere, Ansião, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e Porto de Mós, não se conhecendo também os resultados.” A denunciante salienta que esses resultados finais do concurso já eram públicos desde 2 de setembro de 2021, “há quase um ano, na data de publicação do conteúdo do denunciado”, e apresenta como prova um link para a ata da terceira reunião do júri do concurso (https://dgpj.justica.gov.pt/Portals/31/GRAL_Media%C3%A7%C3%A3o/Homologa%C3%A7%C3%A3o%20e%20Ata%203.pdf?ver=OAutShKpkS3xtKfIfs8c5Q%3d%3d).
    1. Licínia Girão afirma que o denunciado lhe enviou um conjunto de perguntas, a que respondeu uma vez (como é relatado na própria notícia assinada por Pedro Almeida Vieira), mas que o teor da comunicação a deixou “perplexa e cautelosa”, nomeadamente pelo facto de o denunciado sublinhar a sua “garantia de rigor”, dando conta de exercer jornalismo desde 1995, de ter passado pelo Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas e de não ter “qualquer ‘condenação’ por infringir” as regras deontológicas. Essa “cautela e perplexidade só se agudizou”, afirma a queixosa, quando num segundo contacto o denunciado refere que se congratula com a ocupação “de mulheres em cargos de prestígio e responsabilidade” e que “não é obviamente uma questão de género que está aqui em causa, mas sim se a legislação foi aplicada com rigor na escolha em concreto”.
  1. Artigo publicado a 27 de agosto de 2022: “Oito jornalistas protegem com silêncio escolha de advogada-estagiária em cargo de exigia mérito” (https://paginaum.pt/2022/08/27/oito-jornalistas-protegem-com-silencio-escolha-de-advogada-estagiaria-para-cargo-que-exigia-merito/)
    1. Pedro Almeida Vieira afirma que “o currículo desta jornalista freelancer, sobretudo associada à imprensa regional, mostra-se paupérrimo para a exigência da lei: tem dois mestrados, mas o de Ciências Jurídicas terá demorado pelo menos 11 anos a concluir. E nas provas do concurso para a magistratura foi excluída logo na primeira fase com um comprometedor “chumbo”, tendo ficado quase na cauda da tabela.” Acrescenta que, “o seu percurso académico tem pouco de distinto, mesmo se esforçado: terá demorado pelo menos 11 anos a concluir um mestrado em Ciências Jurídicas pela Universidade de Coimbra, uma vez que já aí era aluna em 2011 e apresentou a tese no ano passado.”

Licínia Girão nota que o documento para o qual a notícia remete como prova de que a denunciante era aluna na Universidade de Coimbra desde 2011 é de uma lista de cadernos eleitorais de estudantes da Faculdade de Letras — “quando ali se encontrava inscrita num outro curso e não, obviamente, no Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses que sempre foi e é ministrado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra”. A queixosa entende que é “claro o propósito de justificar a narrativa falsa que criara com base também em factos falsos”.

    1. A propósito ainda desta passagem da notícia, Licínia Girão considera que há um “tratamento discriminatório pelo facto de a denunciante ser uma jornalista freelancer”, por “trabalhar, segundo o denunciado, sobretudo na imprensa regional” e por ter, “também segundo o denunciado, um fraco currículo académico e profissional”.
    1. A queixosa defende que, “também no que respeita à referência das distinções atribuídas à requerente, o denunciado o faz de forma jocosa”, uma vez que “realça os prémios literários ‘menos relevantes’ com que esta foi distinguida, mesmo, como é notório, tendo analisado as redes sociais da denunciante onde facilmente daria conta de outras distinções na área da literatura, fotografia e do jornalismo”.
  1. Artigo publicado a 22 de agosto de 2022: “Chumbada: presidente do regulador dos jornalistas teve das piores notas no concurso para a magistratura”

(https://paginaum.pt/2022/08/22/chumbada-presidente-do-regulador-dos-jornalistas-teve-das-piores-notas-no-concurso-para-a-magistratura/)

    1. Licínia Girão considera que o denunciado analisou de “forma desonesta, perturbadora e inquietante” a avaliação da mesma nos exames de ingresso à formação de magistrados, argumentando que “quem escrutina, como escrutinou o denunciado as páginas das redes sociais da denunciante ao ponto de retirar informação, fotografias, etc. que usou e usa recorrentemente nas publicações” teria lido também “na página do Facebook da requerente”, a 23 de maio de 2022, uma mensagem que dava conta do falecimento da mãe. Considera a queixosa que “o rigor e a isenção poderiam não lhe exigir que não noticiasse que a denunciante chumbou nos exames, mas a honestidade e a ética profissional certamente lhe exigia, no mínimo, que esclarecesse os leitores de que os exames de acesso à magistratura, que tiveram lugar entre os dias 21 de maio e 4 de junho de 2022, foram realizados num contexto em que a denunciante acompanhou a mãe nas últimas semanas de vida e ainda esteve presente nas cerimónias fúnebres que decorreram nas mesmas datas que os exames do 39º Curso de Formação de Magistrados”.
  1. Artigo publicado a 5 de janeiro de 2023: “Licínia Girão: a ‘jurista de reconhecido mérito’ sem mérito para concluir estágio”

(https://paginaum.pt/2023/01/05/licinia-girao-a-jurista-de-reconhecido-merito-sem-merito-para-concluir-estagio/)

    1. Pedro Almeida Vieira afirma que “Licínia Girão cancelou a sua inscrição como estagiária na Ordem dos Advogados depois de se mostrar incapaz de concluir o estágio de advocacia iniciado em finais de 2020, e que duraria 18 meses.” Noutra passagem, escreve que “a presidente da CCPJ nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para conclusão do estágio da Ordem dos Advogados, que começara em finais de 2020.” Licínia Girão contrapõe que “nunca prestou qualquer prova pública ou outra à ordem dos Advogados”, que “o seu estágio estava a decorrer nos termos exigidos pela Ordem dos Advogados” e que “foi exclusivamente a seu pedido que foi cancelado sem que em nenhum momento se tenha apresentado a provas públicas ou outras”. A queixosa adianta que o denunciado foi informado pelos serviços administrativos da CCPJ de que “a denunciante cancelou o estágio por motivos profissionais”.
    1. Essa informação transmitida pelos serviços administrativos da CCPJ está vertida na notícia de Pedro Almeida Vieira. No mesmo artigo, lê-se: “Independentemente da veracidade desta declaração, não comprovada por qualquer documento, certo é que a opção pelo cancelamento – em vez de uma suspensão (que implicaria que, a qualquer momento, pudesse reatar a inscrição –, não esconde mais um insucesso de Licínia Girão no ‘mundo das leis’, sobretudo para quem chegou à liderança da CCPJ rotulada de ‘jurista de reconhecido mérito’.” Licínia Girão contrapõe que “só haveria possibilidade legal de regresso ao estágio logo no mês de novembro desse mesmo ano e, inclusive, para as situações de quem já não tivesse recorrido a uma suspensão anteriormente”.
    1. Noutra passagem da notícia, Pedro Almeida Vieira escreve que “os dois revezes de Licínia Girão – nos mundos da Magistratura e na Advocacia em apenas um ano – não a impedem de continuar a sua profissão de jurista (embora limitada em termos de actividade profissional), nem de ser considerada pelos seus pares (oito jornalistas) que a cooptaram para a CCPJ, como alguém de “mérito reconhecido”. A queixosa considera que está em causa a criação de “narrativas dúbias e sensacionalistas”, por não se demonstrar “efetivamente o insucesso” e passando “para a opinião pública a informação errónea de que um jurista fica limitado na sua ação se não for advogado ou magistrado”.
    1. Licínia Girão termina a queixa notando que o denunciado escreve, no artigo publicado a 27 de agosto de 2022 e analisado no ponto 3., que “quem ataca a imprensa livre merece ser mais escrutinado” — o que, na sua interpretação, significa que “considera que a requerente o atacou”. Por este motivo, nota a queixosa que pode haver uma violação do ponto 11 do Código Deontológico.
  1. Procedimentos
  1. A 18 de maio, o CD enviou questões a Pedro Almeida Vieira, por email, listando os pontos da queixa que levantavam mais dúvidas sobre os procedimentos jornalísticos adotados e pedindo comentários a acusações concretas da denunciante. O teor das perguntas foi o seguinte:
  1. Em relação ao artigo publicado a 24 de fevereiro de 2023, “Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público”, pedimos uma fundamentação para as afirmações “decidiu aumentar taxas”, “recusa dizer quanto ganha” e “Licínia Girão, que assumiu o cargo em Maio do ano passado como ‘jurista de mérito’, mesmo se foi incapaz de concluir o estágio de advocacia, que iniciara em finais de 2020”.
  1. Em relação ao artigo publicado a 18 de agosto de 2022, “Advogada-estagiária ‘fantasma’ com cargo que por lei exige ‘jurista de reconhecido mérito’”, pedimos um enquadramento ao facto de sublinhar regularmente, neste e noutros artigos, que a denunciante trabalhou “sobretudo” na imprensa regional e como freelancer, questionando o que pretendia demonstrar com essa afirmação. Pedimos ainda que explicasse os motivos que o levaram a optar por não fazer referência a cargos assumidos em redações de órgãos regionais e locais e à colaboração ao longo de anos com órgãos de comunicação nacionais como o Jornal de Notícias, a Agência Lusa e o Jornal de Letras.
  1. Sobre a afirmação de que a denunciante se encontrava a realizar “um estágio de advocacia num escritório de Santo Tirso, Rodrigues Braga & Associados, apesar de viver em Coimbra” e sobre a explicação dos métodos usados para obter essa informação, questionamos como respondia às correções feitas pela denunciante, se tinha provas irrefutáveis que permitissem afirmar que se tratava de um “estágio-fantasma” e se encontrava, factualmente, alguma irregularidade no facto de um estagiário residir fora da comarca onde realiza o estágio. Questionamos ainda se reformularia o enquadramento do método usado para obtenção da informação à luz da correção feita pela denunciante.
  1. Pedimos uma justificação para a opção pela expressão “nível intermédio” para descrever as qualificações da queixosa e uma resposta à acusação de que “deliberadamente o denunciado ocultou o vasto currículo académico e profissional da denunciante”.
  1. Sobre a candidatura para mediação de conflitos dos julgados da paz, pedimos um comentário à correção adiantada pela denunciante na queixa.
  1. Em relação ao artigo publicado a 27 de agosto de 2022, “Oito jornalistas protegem com silêncio escolha de advogada-estagiária em cargo de exigia mérito”, pedimos uma fundamentação da afirmação de que a denunciante demorou 11 anos a concluir o mestrado em causa.
  1. Em relação ao artigo publicado a 22 de agosto de 2022, intitulado “Chumbada: presidente do regulador dos jornalistas teve das piores notas no concurso para a magistratura”, pedimos um comentário ao seguinte excerto: “certo ficou que não lhe bastará ser considerada, entre alguns dos seus pares, uma ‘jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social’ para ser aceite nos cursos de formação de juízes e delegados do Ministério Público. Vai ter muito que estudar.” Quisemos saber, nomeadamente, se considerava a forma como expõe este raciocínio própria de um texto noticioso e como justificava, em particular, a opção pela expressão “vai ter muito que estudar”. Questionamos ainda se sabia ou procurou saber se existiria algum contexto que explicasse o desempenho da denunciante nos referidos exames.
  1. Em relação ao artigo publicado a 5 de janeiro de 2023, Licínia Girão: a ‘jurista de reconhecido mérito’ sem mérito para concluir estágio”, perguntámos em que factos se baseava para afirmar que a denunciante se mostrou “incapaz” e se dispunha de provas de que a denunciante tenha feito alguma prova pública ou outra à Ordem dos Advogados. Quisemos saber ainda se dava como certa a informação de que, caso a denunciante pedisse a suspensão do estágio, poderia reatar a inscrição “a qualquer momento”.

 

  1. Pedimos-lhe que atentasse neste excerto da notícia: “Os dois revezes de Licínia Girão – nos mundos da Magistratura e na Advocacia em apenas um ano – não a impedem de continuar a sua profissão de jurista (embora limitada em termos de actividade profissional), nem de ser considerada pelos seus pares (oito jornalistas) que a cooptaram para a CCPJ, como alguém de “mérito reconhecido”. E perguntámos como sustentava a afirmação “embora limitada em termos de actividade profissional”.
  1. Por fim, e de forma mais geral, pedimos esta última resposta: o Código Deontológico é claro na necessidade de separar factos e opiniões, o que nem sempre acontece nos seus textos. Como o justifica?

 

  1. O diretor do “Página Um” respondeu no próprio dia, comunicando que solicitava uma audiência presencial gravada para prestar os esclarecimentos solicitados.
  1. A 23 de maio, o CD informou o visado que apenas consideraria respostas enviadas por escrito, ficando a aguardar as mesmas nos prazos definidos pelo Regulamento do Conselho Deontológico. Nesse mesmo dia, Pedro Almeida Vieira respondeu por email, requerendo que lhe fosse comunicada “formalmente a abertura de um procedimento para a elaboração de um parecer, com os quesitos assinados pelo relator”, devendo ser essa comunicação enviada por correio postal, e reafirmando que pretendia fazer uma “defesa oral (e gravada)”, acrescentando que a mesma decorreria “na presença de um advogado”. Um novo email de 4 de junho reiterava as mesmas exigências.
  1. A 7 de junho, o CD enviou novo email a Pedro Almeida Vieira, reafirmando que só aceitaria respostas por escrito e que, apesar de os prazos do Regulamento já terem sido ultrapassados e de a queixa já estar a ser analisada, aguardaria as mesmas caso chegassem nos dias seguintes. Acrescentou o CD nessa comunicação que adotaria os mesmos procedimentos que tem seguido com todas as outras queixas. Prontamente, Pedro Almeida Vieira informou o CD de que sem uma carta registada e assinada não se considerava notificado nem responderia.
  1. O CD — que logo a 23 de maio tinha solicitado ao gabinete jurídico do Sindicato dos Jornalistas um parecer sobre as questões processuais levantadas por Pedro Almeida Vieira — entendeu que deveria manter o que tem sido o modo de funcionamento adotado em todas as queixas analisadas no presente mandato: comunicação por email com todos os envolvidos, respostas por escrito e não identificação do relator.
  1. Deu-se, então, seguimento à análise da queixa. No decorrer da mesma, entendeu o CD ser necessário solicitar esclarecimentos suplementares à queixosa, Licínia Girão, nomeadamente:
    1. Mais informação sobre o estágio de advocacia iniciado em finais de 2020, incluindo o nome da sociedade de advogados onde estagiou.
    2. Sobre o cancelamento do estágio de advocacia, pedimos uma explicação mais detalhada sobre esta afirmação: “só haveria possibilidade legal de regresso ao estágio logo no mês de novembro desse mesmo ano e, inclusive, para as situações de quem já não tivesse recorrido a uma suspensão anteriormente”. Isto porque o Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários não é claro sobre este ponto (https://portal.oa.pt/media/114699/regulamento-de-inscricao-de-advogados-e-advogados-estagiarios.pdf).
    3. Datas de início e fim do mestrado em Ciências Jurídicas pela Universidade de Coimbra.
    4. Sobre o concurso para julgados de paz, questionamos se a expressão “candidatos admitidos” que aparece na ata apresentada na queixa seria equivalente a “mediadores selecionados”, ou seja, se a partir da data dessa ata ficou automaticamente a integrar a lista de julgados de paz do agrupamento em causa.

As questões foram enviadas a 23 de junho e as respostas chegaram a 29 de junho. Sintetizamos o teor das mesmas nas páginas que se seguem, ao longo da análise.

  1. A 12 de junho, Pedro Almeida Vieira fez chegar à direção do Sindicato dos Jornalistas (SJ) um pedido de intervenção do Gabinete Jurídico sobre os procedimentos adotados neste caso, visando nomeadamente o Regulamento interno e a conduta do CD. Essa análise foi enviada ao denunciado a 14 de julho, dando conta que:
  • O procedimento adotado de apenas aceitar respostas por escrito respeitava o Regulamento do CD e os direitos de defesa do visado;
  • O regulamento do CD não prevê a obrigação de qualquer formalidade para notificar o “visado” pela queixa, estando apenas o CD obrigado a retificar-se que o sujeito interessado tomou conhecimento dos documentos enviados, de forma a poder exercer os seus direitos regulamentares;
  • O visado teria razão ao reclamar o direito a que lhe fosse comunicado o nome do relator da análise à queixa.
  1. A 14 de julho, Pedro Almeida Vieira enviou um email ao SJ, com conhecimento para o email do CD, dando conta de que, apesar de discordar da forma como lhe estava a ser permitida a defesa, cumpriria o que ali constava quando lhe fosse “indicado o relator do parecer”. No mesmo dia, o CD comunicou a Pedro Almeida Vieira que discordava do entendimento do advogado do SJ relativamente à necessidade de identificar o relator, “não apenas porque ela não está fundamentada em qualquer argumento mas também porque, ao longo deste mandato, e, já agora, também dos mais recentes, o relador nunca é identificado, não vendo o CD razão para, também aqui, criar aquilo que seria uma exceção”. Mais informou o CD que, apesar da proposta de parecer estar numa fase adiantada, seriam consideradas as suas respostas caso elas chegassem nos dias seguintes.
  1. A 18 de julho, Pedro Almeida Vieira comunicou ao CD que tinha decidido responder aos “quesitos” através de um artigo publicado no “Página Um”, três dias antes, a 15 de julho, que pode ser encontrado através do seguinte link: https://paginaum.pt/2023/07/15/enquanto-tudo-arde-o-conselho-deontologico-do-sindicato-dos-jornalistas/.

O CD não considera esta publicação uma resposta formal às questões colocadas a Pedro Almeida Vieira. Entende mesmo que admitir esta forma de comunicação com visados e queixosos, através de publicações em órgãos de comunicação social, no decorrer da análise a uma queixa, não contribuiria para o regular funcionamento do processo de análise, que se pretende rigoroso e tão célere quanto possível.

  1. Os prazos previstos no Regulamento do CD para execução de diligências iniciais, obtenção de respostas por parte dos envolvidos, elaboração do projeto de parecer e aprovação final do mesmo foram largamente ultrapassados na presente queixa devido aos desenvolvimentos aqui elencados. A partir do momento em que Pedro Almeida Vieira solicitou um parecer jurídico ao SJ, decidiu o CD que deveria aguardar o desfecho desse processo, uma vez que este teria influência direta na sua atuação.

III. Análise

Em função da queixa apresentada por Licínia Girão e perante a ausência de respostas formais de Pedro Almeida Vieira, o Conselho Deontológico procedeu à seguinte análise, detendo-se apenas nos pontos que considera que se enquadram no âmbito da sua atuação (ou seja, naqueles onde considera que podem estar em causa procedimentos jornalísticos e deontológicos):

  1. Artigo publicado a 24 de fevereiro de 2023: “Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público” (https://paginaum.pt/2023/02/24/presidente-da-comissao-da-carteira-profissional-de-jornalista-decidiu-aumentar-taxas-mas-recusa-dizer-quanto-ganha-em-cargo-publico/)

 

    1. Não é à CCPJ que compete estabelecer o valor a pagar pelo documento que dá acesso à profissão de jornalista. Segundo o Regime de Organização e Funcionamento da CCPJ e da Acreditação Profissional dos Jornalistas (Decreto-Lei n.º 70/2008 de 15 de Abril, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 32-B/2008, de 12 de Junho), o montante dos emolumentos a cobrar “é fixado por despacho do membro do Governo responsável pela área da comunicação social”. Até fevereiro deste ano, o valor anual a pagar deveria corresponder a 5% do salário mínimo nacional do ano anterior. A CCPJ decidiu cobrar esse mesmo valor com periodicidade bienal — ou seja, 10% de dois em dois anos, tendo como referência o salário mínimo do ano de renovação. Depois da contestação que se gerou no setor e que levou à criação de um abaixo-assinado, a CCPJ decidiu congelar o aumento do emolumento no ano de 2023, até que fosse publicado novo despacho do Governo. Ou seja, a CCPJ teve poderes para congelar a subida do valor a pagar até que fosse publicado o despacho, mas não poderia decidir por si mesma qual o valor a cobrar. A informação constante no título da notícia induz, por isso, em erro.
    1. Licínia Girão faz parte do secretariado da CCPJ. Apesar de redutor, seria admissível personalizar na figura da também presidente do organismo uma recusa de prestação de informação sobre remunerações dos membros da CCPJ, caso tenha sido esse o procedimento adotado. A queixosa afirma que o secretariado da CCPJ, “ao abrigo de um instituto legal, comunicou ao denunciado que prorrogava o prazo para dar resposta a um vasto número de pedidos efetuados por si”.

Também na própria notícia em análise se informa que “o Secretariado da CCPJ invocou uma norma da LADA para prorrogar uma resposta por dois meses” aos pedidos por si feitos, “avisando que desse adiamento ‘não resulta qualquer assunção expressa ou tácita de que é devido o acesso requerido’.”

Entende o CD que:

      1. Uma prorrogação do prazo para dar acesso a documentos não é necessariamente uma recusa, pelo que se pode concluir que, à data da notícia, a 24 de fevereiro de 2023, a informação veiculada não era rigorosa.
      2. Contudo, entende também o CD que uma entidade de direito público tem o dever de proporcionar o acesso a documentos que sejam de acesso livre, quando solicitados por um jornalista. Ora, um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) de 19 de abril de 2023 (https://www.cada.pt/files/pareceres/2023/110.pdf), sobre o assunto em apreço, dá conta de que, “na pendência da presente queixa, não obstante a comunicação inicial da necessidade de prorrogação do prazo de resposta, a CCPJ recusou o acesso à documentação solicitada.” E, sobre este ponto em concreto (“que concerne aos ‘pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data’”), delibera a CADA o seguinte, no parágrafo 32 da sua Apreciação Jurídica: “um conhecimento dia a dia, mês a mês, sobre o que foi efetivamente pago poderá colocar em equação não a atividade administrativa e de poderes públicos, mas o conhecimento a partir dela da vida dos que receberam o abono. Mas deverá haver uma disponibilização de elementos de despesa efetuada de modo global. Não há lugar, assim, a uma recusa em bloco do acesso solicitado.” Considera a CADA que o facto de a generalidade do financiamento da CCPJ “se poder reportar a receitas próprias (emolumentos pagos pelos jornalistas e outros detentores de títulos emitidos pela CCPJ)” não a isenta de prestar informação relativa a despesas de funcionamento, dada a sua “natureza pública” e dado o facto de “o montante da senha de presença” pago aos elementos da CCPJ ser “fixado por decisão governamental”. Conclui a CADA que “a entidade requerida, se ainda o não tiver feito, deverá facultar a documentação solicitada que seja de acesso livre, e justificar concretamente a recusa de acesso quanto à matéria que exija reserva.”
    1. Há na afirmação “Licínia Girão, que assumiu o cargo em Maio do ano passado como ‘jurista de mérito’, mesmo se foi incapaz de concluir o estágio de advocacia, que iniciara em finais de 2020” uma dedução que parte de uma premissa enganadora: a de que o mérito de um jurista depende de ser também advogado. São duas funções não necessariamente cumulativas — um jurista não precisa de ser advogado para cumprir as funções próprias dessa profissão. Acresce que o enquadramento legal que regula atualmente o funcionamento da CCPJ determina que o organismo seja presidido por um jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social — como bem nota Pedro Almeida Vieira — e não por um advogado. A moldura legal de 1997 obrigava a que a presidência da CCPJ fosse assumida por “um magistrado judicial, designado pelo Conselho Superior da Magistratura”. Desde 2008, o organismo passou a poder ser presidido por jornalistas, desde que com formação em Direito, o que sucedeu já com a última presidência, exercida por Leonete Botelho (2018-2021). A informação veiculada na notícia induz em erro.
  1. Artigo publicado a 18 de agosto de 2022: “Advogada-estagiária ‘fantasma’ com cargo que por lei exige ‘jurista de reconhecido mérito’” (https://paginaum.pt/2022/08/18/advogada-estagiaria-fantasma-com-cargo-que-por-lei-exige-jurista-de-reconhecido-merito/)
    1. A afirmação de que Licínia Girão fez um “estágio fantasma” carece de prova cabal. É compreensível que, seguindo os contactos disponíveis no registo de Licínia Girão na Ordem dos Advogados (OA) enquanto estagiária, e obtendo a informação de uma secretária de que “não era do seu conhecimento estar lá a trabalhar alguém com o nome da actual presidente da CCPJ”, Pedro Almeida Vieira tenha deduzido que alguma informação teria de estar errada ou em falta. O rigor informativo aconselhava, contudo, mais cautela e investigação antes de concluir onde Licínia Girão estaria a estagiar e, sobretudo, antes de publicar a informação de que o estágio era falso.

Nas respostas complementares enviadas ao CD a 29 de junho, Licínia Girão explica que a primeira fase do seu estágio decorreu no Conselho Regional de Coimbra e a segunda no Conselho Regional do Porto — afirmando que a mudança para o Norte do país se deveu a “questões pessoais e familiares”, que foram “devidamente justificadas e aceites pela Comissão Nacional de Estágio e Formação da Ordem dos Advogados e, ainda, com a concordância, compreensão e incentivo” do seu “então Patrono, bem como aceitação do novo Patrono”, motivo pelo qual solicitou “a mudança de patrono e alteração do Centro de Estágio.” A queixosa indica que “o patrocínio do Estágio passou então a ser acompanhado por um outro ilustre Advogado, e não por uma sociedade de advogados, que exerce a prática forense a partir de escritório sediado em Santo Tirso”, acrescentando: “também este prestigiado Patrono me reservo de identificar por se tratar de um terceiro alheio a esta queixa.”

    1. Pedro Almeida Vieira sublinha a distância entre a morada de Licínia Girão (Coimbra) e o local do estágio (Santo Tirso), dando a entender que é um facto insólito que suporta a tese do “estágio fantasma”. Pelo exposto no ponto anterior, falta rigor na informação veiculada.
    1. Como nota Pedro Almeida Vieira na notícia, o ponto 4 do Código Deontológico dos Jornalistas determina que se deve utilizar meios legais para obter informações e que a regra deve ser a identificação como jornalista. Considera o autor da notícia que “resultaria num eventual enviesamento da verdade” a sua identificação como jornalista e que essa omissão se justifica “por se estar perante um incontestável interesse público”. Sendo a CCPJ um organismo independente de direito público, dada a sua relevância no regulamento do acesso à profissão de jornalista e dada a importância social da profissão para o regular funcionamento da sociedade, é legítimo considerar que há interesse público na total transparência em torno dos seus assuntos, nomeadamente dos membros que a compõem e representam. E se um jornalista entende que tem indícios que justificam uma investigação, é legítimo que procure obter toda a informação sobre a matéria em questão — esgotando todos os meios antes de recorrer a “outros processos”, como recomenda o Código Deontológico. Não é claro, contudo, que Pedro Almeida Vieira tenha esgotado outros meios de recolha de informação antes de recorrer à não identificação como jornalista e a uma gravação sem autorização.
    1. Selecionar os dados do currículo da pessoa retratada com base no que o jornalista considera mais relevante é legítimo, desde que o faça com rigor e honestidade. No entanto, por mais que se questione o rigor da recolha da informação do currículo, o CD não está em condições de avaliar esse trabalho tendo por base o argumento de que os dados se encontram disponíveis nas redes sociais, conforme parece sugerir Licínia Girão. No caso em apreço seria recomendável que os representantes da CCPJ disponibilizassem, por uma questão de transparência, os seus dados curriculares para serem consultáveis publicamente.

Já quanto à afirmação de que era exigido, à frente da CCPJ, “um jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação” e que “a recém eleita presidente é, porém, uma jornalista freelancer com currículo na imprensa regional” (sublinhado nosso), Pedro Almeida Vieira parece associar uma ideia de desprestígio a um percurso feito sobretudo no jornalismo local. Entende o CD que, havendo margem para subjetividade na apreciação feita por Pedro Almeida Vieira, a mesma assenta num preconceito, utilizado com o objetivo de desqualificar a presidente da CCPJ.

    1. A classificação do grau de mestre como “nível intermédio” de formação académica pode ser interpretada como nível imediatamente anterior ao máximo, que seria o doutoramento. Trata-se de matéria passível de variadas interpretações, consoante a escala e contexto de análise. O CD não pode, no entanto, deixar de notar que o grau de mestre em nada desmerece o mérito do perfil de um representante para um cargo público, nem tão-pouco o facto de estarmos a falar de alguém que tem dois cursos neste nível de formação.
    1. É falsa a afirmação de Pedro Almeida Vieira de que, à data da notícia, não eram conhecidos os resultados da candidatura de Licínia Girão para mediação de conflitos nos julgados da paz dos conselhos referidos, como comprova o documento apresentado pela queixosa (e facilmente pesquisável no site da Direção-Geral da Política de Justiça). Essa ata da terceira reunião do júri do procedimento deixa claro que a queixosa foi incluída na “lista final definitiva dos candidatos admitidos” a 2 de setembro de 2021. A designação “candidatos admitidos” significa que superaram com sucesso o processo de seleção e passam a integrar as listas a que se candidataram. O procedimento do concurso e o significado destas designações podem ser facilmente consultados nos seguintes links, de acesso público: https://dgpj.justica.gov.pt/Resolucao-de-Litigios/Mediacao/Selecao-de-Mediadores-de-Conflitos-desde-2019 e https://dgpj.justica.gov.pt/Portals/31/GRAL_Media%C3%A7%C3%A3o/Aviso_concurso_mediadores%20conflitos%20pdf.pdf?ver=39DbxZvhxwu47QAqocyeqA%3d%3d.
    1. A pedido do CD, Licínia Girão enviou explicações mais detalhadas sobre o seu percurso enquanto estagiária na OA e os motivos que a levaram a cancelar a inscrição naquele organismo, bem como outros dados solicitados. Algumas destas questões tinham-lhe sido também dirigidas por Pedro Almeida Vieira. A queixosa entendeu não abordar esta e outras questões na resposta ao denunciado. Recomenda o CD que a prática deve ser, sempre que possível, a de responder às questões colocadas por jornalistas, de maneira a contribuir para que o resultado final do trabalho jornalístico seja o mais claro, detalhado e rigoroso possível.
  1. Artigo publicado a 27 de agosto de 2022: “Oito jornalistas protegem com silêncio escolha de advogada-estagiária em cargo de exigia mérito” (https://paginaum.pt/2022/08/27/oito-jornalistas-protegem-com-silencio-escolha-de-advogada-estagiaria-para-cargo-que-exigia-merito/)
    1. Pedro Almeida Vieira remete para dois links para sustentar a informação de que Licínia Girão terá demorado 11 anos a concluir o mestrado em Ciências Jurídicas: um que pretende provar que “já aí era aluna desde 2011” e outro para a tese apresentada em 2021. O primeiro documento é da Faculdade de Letras de Coimbra, não da Faculdade de Direito, onde é ministrado o mestrado em causa. A referência induz o leitor em erro e a informação veiculada é falsa. Além disso, o tempo que alguém demora a concluir um curso não é, por si, razão para avaliar os seus méritos ou deméritos em relação à área em causa.

Nas respostas complementares que enviou ao CD, a queixosa explica que o mestrado em Ciências Jurídico-Forenses foi realizado no ano de 2020/21, uma vez que tinha já completado as unidades curriculares “em paralelo com a frequência dos últimos dois anos da licenciatura em Direito”, iniciada “no ano letivo de 2015/2016”, na mesma faculdade onde obteve “a licenciatura e o grau de mestre, a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e, também em paralelo com a frequência e conclusão do Curso de Jurisprudência, ministrado pela mesma Faculdade, e do Mestrado em Jornalismo e Comunicação realizado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.” Licínia Girão anexa à resposta ao CD documentos que comprovam estas afirmações.

    1. O CD considera que estão em causa questões de interpretação e entende que não se deve pronunciar.
    1. O CD entende que não dispõe dos dados necessários para se pronunciar sobre a matéria.
  1. Artigo publicado a 22 de agosto de 2022: “Chumbada: presidente do regulador dos jornalistas teve das piores notas no concurso para a magistratura”

(https://paginaum.pt/2022/08/22/chumbada-presidente-do-regulador-dos-jornalistas-teve-das-piores-notas-no-concurso-para-a-magistratura/)

    1. À semelhança do exposto no ponto 2.d., o CD entende que não dispõe dos dados necessários para se pronunciar sobre a matéria, tendo por base o argumento de que as circunstâncias a que se refere a queixosa estariam disponíveis nas suas redes sociais.
  1. Artigo publicado a 5 de janeiro de 2023: “Licínia Girão: a ‘jurista de reconhecido mérito’ sem mérito para concluir estágio”

(https://paginaum.pt/2023/01/05/licinia-girao-a-jurista-de-reconhecido-merito-sem-merito-para-concluir-estagio/)

    1. A pedido do CD, Licínia Girão enviou explicações mais detalhadas sobre as circunstâncias que a levaram a tomar a decisão de cancelar a inscrição como estagiária na Ordem dos Advogados. Afirma que a situação pandémica vivida na altura (“e que implicou também alterações profundas na atividade regular dos tribunais e prática forense”), afetou o normal decorrer do estágio e a levou a pedir uma prorrogação por seis meses da segunda fase do mesmo. Já no decorrer dessa segunda fase, a sua “situação pessoal, profissional e social alterou-se”, o que acabou por levá-la a tomar a decisão de interromper o Estágio. “Decisão que foi também analisada com o meu ilustre Patrono que manifestou toda a solidariedade e me incentivou a cancelar a inscrição na Ordem dos Advogados”, acrescenta a queixosa.

Considera o CD que, mesmo não estando Pedro Almeida Vieira na posse destas explicações (não por ter deixado de as pedir à queixosa, mas porque esta decidiu não as facultar), carece de contexto a conclusão vertida na notícia de que Licínia Girão se mostrou “incapaz de concluir o estágio”. Considera ainda não factual a afirmação de que “a presidente da CCPJ nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para conclusão do estágio da Ordem dos Advogados, que começara em finais de 2020”. Se Licínia Girão nunca se inscreveu em provas, induz o leitor em erro a afirmação de que “nem sequer conseguiu ultrapassar” as mesmas.

    1. Pedro Almeida Vieira afirma ainda que “a opção pelo cancelamento – em vez de uma suspensão (que implicaria que, a qualquer momento, pudesse reatar a inscrição –, não esconde mais um insucesso de Licínia Girão no ‘mundo das leis’.” No caso em apreço, defende a queixosa que tal afirmação não corresponde à verdade, uma vez que tinha já pedido anteriormente uma prorrogação do estágio por seis meses.

O Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários não é claro sobre este ponto (https://portal.oa.pt/media/114699/regulamento-

de-inscricao-de-advogados-e-advogados-estagiarios.pdf), mas este não é o único regulamento que estabelece as regras “de prorrogação, suspensão e ou cancelamento da inscrição na Ordem dos Advogados por parte dos advogados e advogados estagiários”, esclarece Licínia Girão nas respostas enviadas ao CD a 29 de junho. “Há ainda que observar, no caso dos advogados estagiários, o Regulamento n.o 913-A/2015, de 28 de dezembro de 2015, com as alterações introduzidas pela Deliberação n.o 1096-A/2017, homologada por Despacho da Senhora Ministra da Justiça de 5 de Dezembro de 2017 (DR 236/17, 1.o Suplemento, Série II de 11/12/2017) –

(https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/regulamento/913-a-2015-72963316 e https://portal.oa.pt/media/123417/regulamento-nacional-

de-estagio-aprovado-ag-30-11-2017-06-dezembro-2017-rne-

11dez.pdf).”

Da consulta dos documentos elencados resulta claro que, encontrando-se em período de prorrogação, não seria uma opção para a queixosa simplesmente suspender o estágio, como afirma Pedro Almeida Vieira, e que não poderia “a qualquer momento (…) reatar a inscrição”.

Licínia Girão acrescenta as seguintes explicações: “Por outro lado, sucede que para que um advogado estagiário que solicitou a suspensão possa ficar dispensado de ‘repetir a primeira fase do estágio, se a tiver completado’ e poder ‘aproveitar as intervenções orais, escritas e assistências já realizadas no curso anterior’, terá de se inscrever ‘no curso de estágio imediatamente seguinte’ (vd. Artigo 12.o, n.o 5 do Regulamento supra citado).” Algo que não era possível, afirma, nas circunstâncias em que se encontrava na altura: “o facto de não se vislumbrar um regresso ao exercício da prática forense no mês seguinte (mês de abertura do curso seguinte) ou mesmo nos seis meses seguintes, a única possibilidade que a Ordem concede é a de cancelamento da inscrição nos termos do artigo 51.o, no 1, alínea a) do Regulamento n.o 913-C/2015 (Série II), de 23 de Dezembro.”

O caso em apreço é um pouco mais complexo do que poderia deduzir-se a partir da leitura, apenas, do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, devido às circunstâncias específicas que Licínia Girão explica que reunia à data do pedido de cancelamento do estágio. Também neste ponto, considera o CD que, mesmo não estando na posse destas explicações detalhadas por parte da queixosa, não pode um jornalista tirar uma conclusão e apresentá-la como rigorosa e factual, numa notícia, sem ter feito as devidas diligências e investigações que garantam a certeza das suas afirmações. A informação veiculada por Pedro Almeida Vieira na passagem em apreço é errada e denuncia falta de rigor no tratamento da informação.

    1. Como analisado no ponto 1.c., um jurista não fica limitado na sua atividade profissional por não ser advogado ou magistrado, ao contrário do que afirma Pedro Almeida Vieira. São funções não necessariamente cumulativas — um jurista não precisa de ser advogado ou magistrado para cumprir as funções próprias dessa profissão. A informação veiculada induz em erro.
    1. Na nota constante no final da notícia analisada no ponto 3., o diretor do “Página um” defende que a existência de “discórdias” ou “processos que a CCPJ ou outras entidades venham a colocar ao director ou a jornalistas e colaboradores” do jornal não poderão condicionar a liberdade editorial, concluindo o seguinte: “mal seria se se usasse a regra de ‘não noticiar’ sobre entidades com quem existam conflitos, porquanto abriria porta para uma solução simples: qualquer entidade incomodada por um jornal independente apresentaria uma queixa-crime e, desse modo, accionaria uma espécie de ‘protecção’. Ora, o PÁGINA UM não acolhe essa lógica. Pelo contrário: quem ataca a imprensa livre merece ser ainda mais escrutinado.” A interpretação do alcance desta última frase é ampla e não resulta daqui uma dedução inequívoca de que Pedro Almeida Vieira se referia especificamente a Licínia Girão ou que considere “que a requerente o atacou”, como expõe a queixosa.

 

  1. Deliberação

 

Nos cinco artigos em análise, conclui o CD que Pedro Almeida Vieira publicou informação que induz os leitores em erro em cinco situações (analisadas no capítulo III, nas alíneas a. e c. do ponto 1. — quando afirma que a queixosa “decidiu aumentar taxas” relacionadas com a Carteira de Jornalista e quando dá a entender que o mérito de um jurista está dependente de ser também advogado — e nas alíneas a., b. e c. do ponto 5. — quando afirma que a queixosa se mostrou “incapaz de concluir o estágio” e “nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para conclusão do estágio da Ordem dos Advogados”, quando diz que poderia ter optado pela suspensão do estágio e quando, mais uma vez, afirma que um jurista fica limitado na sua atividade profissional por não ser advogado ou magistrado).

Em quatro situações, Pedro Almeida Vieira veiculou informação sem o necessário rigor na recolha e tratamento dos dados (capítulo III, na alínea a. e b. do ponto 2. — ao afirmar que Licínia Girão fez um “estágio fantasma” sem prova cabal e ao sublinhar a distância entre Coimbra e Santo Tirso como sustentação da tese do estágio falso — e nas alíneas a. e b. do ponto 5. — quando afirma que a queixosa se mostrou “incapaz de concluir o estágio” e que “nem sequer conseguiu ultrapassar as provas” para conclusão do mesmo e quando afirma que poderia ter optado pela suspensão do estágio).

Conclui-se ainda que o denunciado publicou informação falsa em dois dos casos analisados (capítulo III, na alínea f. do ponto 2. — ao afirmar que não eram conhecidos os resultados da candidatura de Licínia Girão para mediação de conflitos nos julgados da paz dos conselhos referidos — e na alínea a. do ponto 3. — ao apresentar dois links sem relação entre si para sustentar a informação de que Licínia Girão teria demorado 11 anos a concluir o mestrado em Ciências Jurídicas).

Face ao exposto, considera o CD que Pedro Almeida Vieira violou o artigo 1. do Código Deontológico, que determina que “o jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade” e que “os factos devem ser comprovados”, o que não se verificou nas situações apontadas.

Este mesmo ponto 1. define que o jornalista deve ouvir “as partes com interesses atendíveis no caso”, o que Pedro Almeida Vieira procurou, de facto, fazer, não obtendo respostas a várias das questões colocadas à queixosa. Esse dever de ouvir não representa uma obrigação de resposta dessas partes, ficando sob responsabilidade do jornalista a verificação de todos os factos noticiados — ou seja, a não obtenção dessas respostas não justifica, em momento algum, a publicação de conclusões não sustentadas devidamente em factos e em provas. Por outro lado, no caso de instituições públicas e de pessoas a ela ligadas, existe um dever de esclarecimento, acrescido pelo facto de, no caso em apreço, tratar-se de uma instituição representativa da profissão, com especiais responsabilidades neste domínio, tendo em conta que as restrições à informação por parte de entidades públicas são uma queixa recorrente dos jornalistas. Nesse sentido, considera-se que Licínia Girão e/ou a CCPJ deveriam ser mais expeditos nas respostas solicitadas.

Diz ainda este ponto primeiro do Código Deontológico que “a distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público”, o que nem sempre é verificável nos artigos analisados, nomeadamente quando o denunciado faz interpretações a partir de factos não comprovados, resultantes de investigação superficial (quando afirma taxativamente, por exemplo, que a queixosa fez um “estágio fantasma”, sem prova cabal que sustente essa conclusão; ou quando afirma que a queixosa “decidiu aumentar taxas” relacionadas com a Carteira Profissional de Jornalista, apesar de não ser à CCPJ que compete determinar os emolumentos a pagar) ou quando deliberadamente apresenta argumentação que induz em erro (por exemplo, quando afirma, reiteradamente, que a queixosa assumiu um cargo que deve ser ocupado por um jurista de mérito, “mesmo se foi incapaz de concluir o estágio em advocacia” e que “nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para conclusão do estágio da Ordem dos Advogados” — além de serem afirmações não rigorosas, traduzem uma opinião do autor: a de que o mérito de um jurista está dependente de ser também advogado). Como se demonstrou ao longo da análise, há vários exemplos de deduções feitas a partir de indícios que acabam por não ser devidamente comprovados pelo autor — o que até poderia ser admissível num texto de opinião, mas não numa notícia, onde essas interpretações são apresentadas como factos.

A distinção entre o rigor desejável num texto noticioso e linguagem mais própria de um artigo de opinião fica também prejudicada quando Pedro Almeida Vieira faz comentários como nesta passagem, que retirámos do artigo publicado a 22 de agosto de 2022, intitulado “Chumbada: presidente do regulador dos jornalistas teve das piores notas no concurso para a magistratura”: “certo ficou que não lhe bastará ser considerada, entre alguns dos seus pares, uma ‘jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social’ para ser aceite nos cursos de formação de juízes e delegados do Ministério Público. Vai ter muito que estudar.” A forma como expõe o raciocínio e a opção pela expressão “vai ter muito que estudar” denotam um tom irónico e depreciativo que, somado ao tratamento menos rigoroso da informação verificado em vários pontos da análise, prejudicam a clareza que deve existir, para o leitor, sobre se estamos perante uma notícia ou um texto de opinião.

O presente parecer foi aprovado com os votos de todos os membros em efetividade de funções, com exceção de Carlos Camponez, que pediu escusa.

Lisboa, 20 de julho de 2023

O Conselho Deontológico

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