Queixa assinada por vários responsáveis dos Bombeiros Voluntários de Santana sobre um artigo publicado no JM-Madeira

Conselho Deontológico

Queixa nº 5/Q/2022

 

 

Em carta datada de 27 de outubro, o Conselho Deontológico recebeu uma queixa assinada pelo presidente, o comandante, o segundo-comandante e o adjunto de comando da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Santana (AHBVS), na Madeira, sobre um artigo publicado no JM-Madeira a 5 de outubro desse mesmo mês, com o título “Promoções geram alvoroço nos bombeiros”.

No artigo do JM-Madeira, comandante, segundo-comandante e adjunto de comando da AHBVS são acusados de falta de “lealdade”, de falta de “imparcialidade” e de favorecimento de alguns bombeiros em detrimento de outros, num concurso interno para progressão na carreira. A notícia do JM-Madeira é elaborada tendo por base uma “fonte da corporação”.

Em linhas gerais, os comandantes da AHBVS são ainda acusados de abrirem um concurso que impede outros operacionais da corporação, com a categoria de 2.ª classe, de poderem concorrer, uma vez que só estariam em condições de o fazer, meses mais tarde, em dezembro. Nestas circunstâncias, o concurso beneficiaria apenas dois operacionais, “um dos quais esteve 15 anos fora” e que, após o seu regresso, viu ser “aberto logo concurso de promoção à 1.ª classe”.

A situação, considerada já por si “estranha”, parece causar ainda maior perplexidade quando os operacionais dispuseram de apenas “sete dias consecutivos para poder efetuar a sua inscrição, incluindo o fim de semana”. O jornal cita uma fonte anónima, segundo a qual “é caso para dizer que já vem encomenda” [sic] e que na AHBVS “uns são filhos e outros enteados”.

Como elementos explicativos para o que estaria a suceder na corporação, o JM-Madeira cita ainda a fonte de informação para dizer que o comandante, José Leme, não se importa com a situação, por estar de saída, adiantando-se ainda que o segundo-comandante, Paulo Leme, “é um ditador puro e vingativo” e o adjunto de comando, Ricardo Rosa, costuma “jogar verdes para colher maduras” [sic].

O artigo refere ainda a tentativa infrutífera de contacto com o comandante e o segundo-comandante da corporação, acrescentando que “não logrou obter resposta”. Não são referidas tentativas de contacto por parte do JM-Madeira com o adjunto de comando, Ricardo Rosa.

 

Objeto da queixa

 

Na queixa enviada ao Conselho Deontológico, o presidente, o comandante, o segundo-comandante e o adjunto do comando da AHBVS referem ter seguido, escrupulosamente, os critérios objetivos previstos no Despacho 5080/1999, publicado em Diário da República, II série de 22 de maio, onde:

  • se regula o regime de promoções das carreiras de oficial bombeiro, bombeiro voluntário e bombeiro especialista (artigo 13.º e seguintes);
  • se define o prazo de 5 a 7 dias para apresentação das candidaturas;
  • se estabelecem os requisitos de admissibilidade de candidatos a concurso (art.º 15º);
  • e se definem (no preâmbulo) os meses de abril e outubro como os períodos de abertura dos concursos, como uma forma de evitar a proliferação de vários concursos com poucos candidatos e permitir uma melhor gestão e planificação da formação a realizar.

 

Na queixa, a AHBVS refere ainda que o concurso foi aberto por opção do comandante, conforme oportunidade por ele definida “pela discricionariedade que lhe é atribuída, enquanto comandante do corpo de bombeiros e pela legitimidade que lhe confere o artigo 42.º, n. º2 do Despacho”.

Os membros diretivos da AHBVS rebatem ainda o argumento publicado na notícia de que alguns membros do corpo de bombeiros de 2.ª classe poderiam estar em condições de se apresentar ao referido concurso, meses mais tarde. Segundo as suas afirmações, nenhum dos outros operacionais estaria em condições de concorrer, em dezembro, ao referido concurso, uma vez que não reuniam nenhuma de duas condições possíveis: ou terem três anos de serviço com uma classificação de muito bom; ou terem cinco anos de serviço com a classificação de bom.

Consideram, por isso, os subscritores da carta, que a “queixa formulada e publicitada na notícia” não tem fundamento, acusando o jornal de sensacionalismo e a jornalista Bruna Nóbrega de não ter aferido as alegações feitas pela fonte de informação nem ter procurado confirmar a veracidade dos factos. Acrescenta ainda a queixa que não é possível, “sob qualquer pretexto”, alegar-se o contacto sem sucesso junto do comando da AHBVS, uma vez que o jornal poderia ter-se esclarecido com a consulta do Despacho 5080/1999.

A queixa vem sustentada com o referido despacho, bem como com os documentos da AHBVS referentes ao processo de abertura do concurso.

 

Procedimentos

 

Em face desta exposição, o Conselho Deontológico decidiu pedir os seguintes esclarecimentos ao JM-Madeira, à jornalista Bruna Nóbrega e também à AHBVS:

 

  1. Junto da AHBVS, o Conselho Deontológico procurou perceber se houve alguma razão para não ter respondido aos pedidos de esclarecimentos do JM-Madeira.

 

  1. Junto do JM-Madeira, o Conselho Deontológico procurou obter os seguintes esclarecimentos.

2.1. Por que razão a notícia não tomou em linha de conta os elementos constantes no Despacho 5080/1999, publicado em Diário da República, II série de 22 de maio, nomeadamente:

2.1.1. quanto ao prazo de 5 a 7 dias para apresentação das candidaturas;

2.1.2. quanto aos requisitos de admissibilidade de candidatos a concurso (art.º 5º alínea a e seguintes);

2.1.3.. quanto aos períodos de abertura dos concursos em abril e outubro, referidos no preâmbulo do referido despacho.

2.2. Da leitura dos elementos constantes na queixa, o Conselho Deontológico procurou também esclarecer junto do JM-Madeira a razão da tentativa infrutífera de contacto com o comandante e o segundo-comandante da corporação de bombeiros, bem como o facto de não se referirem quaisquer tentativas de contacto com o adjunto de comando, Ricardo Rosa.

2.3. Perguntou ainda o Conselho Deontológico se poderia o JM-Madeira corroborar as afirmações da sua fonte de informação segundo a qual:

2.2.1. o comandante da corporação, José Leme, não se importa com a situação por estar de saída;

2.2.2. o segundo comandante, Paulo Leme, “é um ditador puro e vingativo”;

2.2.3. e o adjunto de comando, Ricardo Rosa, costuma “jogar verdes para colher maduras” [sic].

  1. À pergunta do Conselho Deontológico, a AHBVS respondeu no dia 26 de novembro, afirmando:

3.1. que o adjunto de comando, Ricardo Rosa, nunca foi contactado ou, pelo menos, desconhece que o jornalista e/ou o órgão de comunicação o tenha feito e de que forma, razão pela qual não se concebe, nem se encontra justificação, para a referência a este elemento na notícia veiculada.

3.2. que no caso do segundo comandante, não obstante as tentativas de contacto, no dia 04.10.2021, quer por parte da jornalista quer, “eventualmente”, por parte do órgão de comunicação social, o segundo comandante, Manuel Paulo Leme, não pôde dar-lhes sequência porque se encontrava numa ação de formação no Serviço Regional de Proteção Civil e, simultaneamente, estava a ser solicitado com questões decorrentes de uma explosão verificada num edifício habitacional e de restauração, no concelho de Santana, que foi objeto de uma ampla cobertura pelos meios de comunicação social, regionais e nacionais.

3.3. Refere ainda a AHBVS que o comandante, José António Freitas, foi também contactado pela jornalista em causa e pelo órgão de comunicação social, no dia 04.10.2021, tendo em vista eventuais esclarecimentos ou atualizações relativas ao incidente ocorrido no referido restaurante, tendo sido, igualmente, questionado quanto ao concurso. Sobre este último caso, o comandante da AHBVS considerou, devido às operações em curso, do conhecimento do jornal e da jornalista, não ser adequado nem justificado prestar “esclarecimentos imediatos”. Na sua resposta enviada ao Conselho Deontológico, o comandante e o adjunto de comando reafirmam que se encontravam “empenhados no teatro de operações, razão pela qual, neste contexto, não se mostrava oportuno qualquer esclarecimento sobre outros acontecimentos que não o da ocorrência referenciada”. E acrescentam: “Revela-se-nos ainda injustificada a urgência na publicação da notícia do concurso quando (…) o mesmo cumpre com as regras legalmente previstas, logo no dia seguinte ao incidente ocorrido neste concelho, o que impediu, terminantemente, qualquer esclarecimento sobre o assunto em apreço”.

  1. Por seu lado, o JM-Madeira respondeu à solicitação do Conselho Deontológico, no dia 7 de dezembro, através do seu diretor, Agostinho Silva, num texto que Bruna Nóbrega afirmou também subscrever, em mensagem enviada a 31 de dezembro de 2021.  A resposta de Agostinho Silva esclarece o seguinte:

4.1. A expressão “não logrou obter resposta” referida no final do artigo “pretende tão só dar nota ao Leitor da ausência de comentário por parte dos visados em tempo útil, apesar do esforço feito nesse sentido através de contactos por telefone”. Acrescenta Agostinho Silva que o JM-Madeira “procurou atempadamente obter explicações” para as críticas formuladas pela fonte do jornal. Nesse sentido, o comandante José Freitas chegou a atender a chamada e, não tendo querido comentar o caso, optou por remeter o assunto para o segundo-comandante, Paulo Leme, recusando-se, no entanto, a disponibilizar o contacto telefónico. Não obstante isso, e “fruto da insistência da jornalista junto de outras fontes, foi possível obter esse contacto”, tendo-se tentado “entre as 15h00 e as 20h00 do dia 4 de outubro, por chamada e por mensagem, obter uma explicação, reação, comentário”. Esses esforços desenvolveram-se para além do horário de trabalho da jornalista e no dia, nas semanas e nos meses seguintes, acrescenta o jornal.

4.2. A ausência de contacto do jornal e da jornalista com o adjunto de comando, Ricardo Rosa, resulta, segundo o diretor do JM-Madeira, da orientação dada pelo comandante da AHBVS para se contactar o segundo-comandante: “Se tivesse sugerido o adjunto, seria esse o procedimento seguido”, acrescenta Agostinho Silva.

4.3. Referindo-se aos esclarecimentos legais apresentados ao Conselho Deontológico pela AHBVS e que provariam a incorreção da notícia publicada pelo JM-Madeira, Agostinho da Silva lamenta que os mesmos não tenham “sido facultados em tempo útil” ao jornal, quando foi questionado o comandante, “que remeteu para o segundo–comandante”, que, por sua vez, também não respondeu. E acrescenta: “O JM-Madeira apenas deu voz ao protesto vindo de fontes da corporação. Todas as críticas e reparos poderiam ter sido respondidos pelo comandante e pelo segundo-comandante”.

Apreciação

Considera o Conselho Deontológico que, explicações e pormenores à parte, as versões do JM-Madeira e da AHBVS coincidem no facto de ambos reconhecerem que houve tentativas de obter esclarecimentos sobre o assunto e de elas não terem, por diversas situações, chegado a bom porto.

Tomando por bons todos os esclarecimentos dados, considera o Conselho Deontológico que a situação que acaba de descrever deveria levar a algumas reflexões e conclusões:

  • A não auscultação das partes com interesses na notícia publicada pelo JM-Madeira não beneficiou ninguém: nem o público, que poderá ter ficado mal informado, nem o JM-Madeira, que divulgou uma eventual informação incorreta, nem a direção da AHBVS que se viu visada em informações que considera não terem sentido, nem a fonte anónima citada na notícia, cuja credibilidade pode ter ficado seriamente comprometida junto da redação do JM-Madeira.
  • A situação que se acaba de descrever comprova a importância de os jornalistas verificarem todas as informações recebidas e de as partes visadas nas notícias, especialmente entidades com responsabilidades públicas, procurarem esclarecer as informações colocadas pelos jornalistas, em nome do público que, quer o jornalismo quer as instituições, servem.
  • Considera o Conselho Deontológico que quer o JM-Madeira quer a AHBVS têm o dever de esclarecer, através dos meios ao seu dispor, todos os equívocos que possam existir na opinião acerca do tema em causa.
  • Das respostas do JM-Madeira e da AHBVS, o Conselho Deontológico formou a convicção da existência de uma tentativa clara da jornalista Bruna Nóbrega e do seu jornal em contactar a direção da corporação de bombeiros, não obstante haver um desacerto de temporalidades entre as duas entidades para o esclarecimento das acusações feitas na notícia. Ainda assim, e dadas as circunstâncias descritas, o Conselho Deontológico não recolheu qualquer elemento que indiciasse existirem razões urgentes e de interesse público impeditivas do adiamento da publicação da notícia, de modo a dar tempo para que se clarificasse: se i) a AHBVS apenas não pôde ii), ou se também não queria atender à solicitação do JM-Madeira.
  • Não obstante o que disse em 2), considera o Conselho Deontológico que a audição das partes com interesses atendíveis nos assuntos objeto de notícia se deve fazer no mesmo espaço do texto noticioso e que a possibilidade de resposta no dia, nas semanas ou nos meses seguintes, tal como refere o diretor do JM-Madeira, só deve acontecer em situações verdadeiramente ponderosas, excecionais e justificáveis.
  • O facto de um membro hierárquico delegar em outras pessoas uma resposta aos esclarecimentos solicitados não desobriga os jornalistas a que seja dada a oportunidade a todas as partes, especialmente quando visadas direta e pessoalmente na notícia, de se pronunciarem sobre o assunto em causa, como deveria ter sucedido com o adjunto de comando Ricardo Rosa.
  • O Conselho Deontológico reitera o princípio de que as fontes de informação são um elemento essencial para o exercício do jornalismo, que a regra preponderante é a sua identificação e só razões de interesse público justificam o seu anonimato. E, se for esse caso, os jornalistas têm uma responsabilidade acrescida de verificar a informação que lhes foi cedida anonimamente, de procurar confirmar a informação junto de outras fontes independentes, de pedir às fontes elementos complementares de prova, sendo que o anonimato deve ser utilizado para divulgar factos, não para emitir opiniões.
  • Decorre do ponto anterior que as afirmações da fonte anónima segundo as quais o comandante da corporação, José Leme, não se importa com a situação por estar de saída; o segundo-comandante, Paulo Leme, “é um ditador puro e vingativo”; e o adjunto de comando, Ricardo Rosa, costuma jogar verde para colher maduro são de factualidade muito duvidosa e nada adiantam ao esclarecimento da situação, acabando o JM-Madeira por assumir como suas opiniões alheias.
  • Também decorre do ponto 6) e das informações disponibilizadas pela AHBVS que o JM-Madeira não procurou outros meios, nomeadamente através da lei, para verificar se as acusações feitas pela fonte anónima faziam sentido, limitando-se a confiar no esclarecimento da direção da corporação de bombeiros, que não chegou, ou que não chegou de acordo com a sua definição de “tempo útil”.
  • Ao lamentar que os membros da direção da corporação da AHBVS tenham cedido ao Conselho Deontológico elementos que não foram “facultados em tempo útil” à redação, e que ajudariam a esclarecer a razoabilidade das acusações da fonte citada, o JM-Madeira dá a entender que desconhecia a existência do Despacho 5080/1999, publicado em Diário da República, II série, de 22 de maio. No entender do Conselho Deontológico, o JM-Madeira fica, por isso, agora obrigado deontologicamente, caso ainda não o tenha feito, a retificar as informações erradas publicadas, como prevê o ponto 5 do Código Deontológico.

Deliberação

Em face do exposto, o Conselho Deontológico insta a jornalista Bruna Nóbrega e a direção do JM-Madeira a atender, em casos semelhantes, ao espírito e à letra do Código Deontológico, nomeadamente nos seus pontos: 1) sobre a comprovação dos factos e a audição das partes com interesses atendíveis; 2) sobre a gravidade da acusação sem provas; 5) sobre a promoção da pronta retificação das informações que se revelem inexatas ou falsas; e 7) sobre a atribuição das opiniões; assim como os princípios deontológicos inscritos no próprio Estatuto Editorial do JM-Madeira.

Lisboa, 04 de janeiro de 2022

 

Pelo Conselho Deontológico

do Sindicato dos Jornalistas

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