Práticas publicitárias nos média

Num artigo de opinião que a seguir se transcreve, o Presidente do Sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia, analisa as recentes práticas publicitárias em publicações periódicas, defendendo a necessidade de as empresas adoptarem códigos de conduta que impeçam a publicidade invasiva.

Alertando para que cabe à publicidade ser o suporte económico da actividade informativa e não o inverso, Alfredo Maia lembra que os jornalistas já têm o seu Código Deontológico e que cabe às empresas definirem um código de conduta para a indústria que estabeleça compromissos concretos em relação a esta e a outras matérias.

Publicidade invasiva e opções editoriais

O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social acaba de tornar pública (6/2/08) uma deliberação sobre práticas publicitárias em publicações periódicas (Deliberação 1/PUB-I/2008, de 31/1/08), chamando a atenção para a inserção invasiva de publicidade nomeadamente nos jornais.

A iniciativa é de saudar e corresponde a uma das preocupações do Sindicato dos Jornalistas, justamente transmitida ao Regulador na reunião com a Direcção do SJ realizada na véspera da aprovação da referida deliberação. Porém, agora que o tema da auto-regulação está tanto na ordem do dia, seria bom que os regulados encontrassem formas de resistir à pressão da publicidade e mostrassem ser capazes de inverter práticas desreguladas por sua iniciativa, sem necessidade de reprimendas do Regulador.

A utilização de sobrecapas de jornais envolvendo total ou parcialmente a primeira e a última páginas tornaram-se cada vez mais frequentes, levantando problemas de natureza editorial – jornalística – bem sérios.

O primeiro tem a ver com a relação do jornal com o leitor, com o facto de o invólucro publicitário ocultar e porventura desvalorizar uma das tarefas editoriais mais nobres – a concepção da primeira página – e com o risco de alimentar a ideia de que os jornais são cada vez mais meros suportes publicitários.

O segundo tem a ver com o condicionamento das opções editoriais na concepção da primeira página, quando esta é envolvida por uma sobrecapa parcial (geralmente ocupando cerca de um terço da área correspondente à da primeira página), na medida em que a mancha de ocultação subordina a paginação das matérias destacadas para a primeira página.

Pior do que as sobrecapas são os anúncios inseridos a meio das páginas de noticiário (e não nas margens ou abaixo deste), gerando uma intrusão no espaço editorial, perturbando o exercício de selecção das notícias pelo leitor, impondo-lhe a mensagem publicitária e forçando ilegitimamente opções editoriais (dimensionamento dos textos, rejeição de imagens, etc.).

Pior ainda são os anúncios inseridos nas próprias notícias, interrompendo-as, criando uma disrupção deliberada na leitura do seu conteúdo, impondo ao leitor uma mensagem publicitária que ele não pretendera captar, desrespeitando o direito do leitor a guiar-se por si próprio na fruição das informações que o jornal lhe disponibiliza.

Tais questões pertencem, desde logo, ao domínio das preocupações editoriais. Por conseguinte, aos jornalistas e, entre estes, primordialmente aos directores e, coadjuvando-os, os conselhos de redacção. Elas oferecem um campo muito vasto de reflexão e debate interno, com vista à salvaguarda da independência face ao poder económico e à afirmação, junto do público, do primado do jornalismo e não da pressão comercial.

Claro que os jornais não sobrevivem sem publicidade. Mas os anúncios servem apenas para reforçar o suporte económico da actividade informativa. Aceitar uma opção inversa, isto é, servir ao público informação jornalística para viabilizar o veículo publicitário, é renunciar ao jornalismo. Se isso acontecer um dia, será outra coisa e não deverá chamar-se jornalismo. E, nessa altura, seremos outra coisa e não jornalistas e não restará a menor legitimidade para reclamar direitos (acesso à informação, sigilo profissional, etc.).

No actual contexto de forte concorrência no sector, não apenas no domínio das vendas e das audiências, mas também de captação de investimentos publicitários, e tendo em conta as condições de trabalho dos profissionais, seria injusto deixar os jornalistas isolados nesta reflexão e no esforço de delimitação de fronteiras entre áreas (editorial e comercial) por vezes tão conflituantes.

Pelo contrário, o tema deve ser seriamente tratado pelas empresas e pelas suas associações. Estando em voga a ideia da auto-regulação da Imprensa, seria importante que as empresas adoptassem previamente códigos de conduta através dos quais se proibissem práticas como a publicidade invasiva. E que, num código de conduta da indústria (os jornalistas já têm o seu Código Deontológico!) estabelecessem compromissos concretos em relação a esta e a outras matérias.

Alfredo Maia

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