Posição do Conselho Deontológico sobre o envolvimento de jornalistas em acordos de cariz comercial
A Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) emitiu recentemente uma deliberação (Deliberação ERC/2023/229 OUT) em que analisa uma série de textos jornalísticos que têm subjacentes contratos comerciais.
A ERC fala de “conteúdos publicitários, independentemente do seu enquadramento conceptual” e que “os mesmos não observaram de forma adequada os princípios da identificabilidade e veracidade”.
O texto da ERC lembra também que “a participação de jornalistas em conteúdos que resultam do pagamento de contrapartidas por entidades externas compromete não só o seu direito à autonomia e independência, como também o seu dever correspondente, tal como determinado na alínea a), n.º 1, artigo 3.º do Estatuto do Jornalista”.
Sendo esta uma prática que parece cada vez mais comum em muitas redações, o Conselho Deontológico lembra que o Código Deontológico (artigo 11º) estabelece que “o jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional”.
Quando os temas das notícias são definidos em primeiro lugar por critérios comerciais, o estatuto de independência do jornalista já está comprometido. Se a isto se juntar, como tem sido noticiado, a definição prévia de perguntas e de entrevistados, poderemos perguntar se ainda estamos a falar de jornalismo. O Código Deontológico (artigo 1º) diz que “O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade”, mas isso pode ficar comprometido quando há contratos comerciais assinados.
Tal como a ERC diz no seu texto, também o CD tem bem presente “os constrangimentos estruturais financeiros que enfrentam atualmente as empresas de comunicação social, bem como acompanha a necessidade de diversificação de fontes de receitas”, mas quando os jornalistas deixam de fazer jornalismo é a sua credibilidade junto do público que fica em causa. Haverá valor mais importante no jornalismo?
O Conselho Deontológico repudia a tendência crescente de as empresas jornalísticas transformarem os jornalistas em produtores de conteúdos, num processo que compromete um modelo de negócio que tem por base a credibilidade dos seus profissionais e da informação que divulgam.
Para além de incentivar os jornalistas, em cada redação, a lutar pela separação (e respetiva identificação) entre jornalismo e publicidade, o CD lembra que (artigo 6º do Código Deontológico) “o jornalista deve recusar as práticas jornalísticas que violentem a sua consciência”.
Não obstante o que fica dito, e tendo em conta o contexto de crescente precariedade com que os jornalistas estão a exercer o seu trabalho, o Conselho Deontológico sublinha o papel de diretores e editores de informação, cabendo-lhes em primeira instância a responsabilidade de não permitir que este tipo de solicitações sejam feitas dentro das redações que dirigem.
Lisboa, 18 de Julho de 2023
O Conselho Deontológico