«O Sindicato corporativo»

Em editorial com o título em epígrafe, saído em 29 de Março de 2001, José Manuel Fernandes, director do Público, insurgiu-se contra a posição assumida num comunicado do Sindicato dos Jornalistas sobre os chamados «estágios curriculares» de estudantes de jornalismo nas redacções dos órgãos de comunicação social.

O corporativismo é um dos reflexos mais reaccionários de uma classe profissional. É o reflexo que a leva a fechar-se numa redoma de cristal e a defender os seus adquiridos – que apresenta como a sua «competência própria e intransmissível» -, contra os que querem aceder ao mesmo espaço profissional. Foi nesse pecado que caiu o Sindicato dos Jornalistas no ofício-circular que elaborou sobre os estágios curriculares dos estudantes de Jornalismo.

Nesse texto, em lugar de se ocupar de um problema verdadeiro – o facto de algumas empresas utilizarem, sem pagamento, o trabalho de candidatos a jornalistas por períodos que nada têm a ver com os seus estágios curriculares -, o sindicato teoriza sobre a impossibilidade de os estudantes que estão a terminar os seus cursos se integrarem numa redacção e aí desempenharem as normais funções dos jornalistas. Porquê? Não porque não possam fazê-lo, não porque não tenham estudado para tal, mas porque «o exercício da actividade jornalística está subordinado à habilitação com titulo profissional». Falta-lhe o «cartão».

Na verdade, os estágios curriculares que muitos cursos universitários prevêem não são apenas períodos «de contacto curricular com redacções de um órgão de comunicação social», como hipocritamente refere o sindicato. São a melhor fase desses cursos, aquela por que os estudantes mais anseiam, o momento em que estes podem mergulhar no mundo real da sua profissão, contactarem fontes, obterem notícias, terem de cumprir horas de fecho, respeitarem o tamanho das peças, integrarem-se no espírito e na cultura de um órgão de informação, aprendendo a sua forma particular de fazer jornalismo. É o período em que os estudantes aprendem fazendo – e fazendo sob a orientação de colegas mais velhos e de editores.

O sindicato não quer que isto aconteça. Sugere que os estudantes sejam apenas uma espécie de «paus de cabeleira» dos seus colegas, ou futuros colegas. Não quer que tenham acesso às fontes de informação porque esta «está subordinada à exigência de título profissional». Não quer que acedam, por exemplo, a documentos da Administração Pública, porque isso é só para «jornalistas que gozam de protecção específica».

O sindicato não entende que, para os candidatos à profissão, a possibilidade de, bem enquadrados, poderem realizar trabalhos verdadeiros e de poderem assiná-los é crucial para ganharem a visibilidade e fazerem o currículo que lhes há-de abrir as portas do mundo profissional. O sindicato é, por isso, egoísta.

O sindicato devia preocupar-se com o trabalho negro que degrada a profissão, não devia dificultar a vida aos que empenhadamente procuram aprender; evoluir e encontrar o seu lugar neste mundo difícil e competivo. Mas isso seria se o sindicato ainda fosse representativo, coisa de que se duvida olhando para a quase nula participação da classe na eleição dos seus órgãos.

Texto reproduzido com a autorização do autor

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