O (mau) exemplo do “Telegraph” e nós

Um exemplo que patrões dos média portugueses poderão seguir é o da fusão das redacções como a que fez o grupo “Daily Telegraph”. Um dos resultados deste modelo inspirador das estratégias multimédia foi o despedimento imediato de 150 pessoas. Uma realidade próxima de nós se o novo Estatuto do Jornalista mantiver as normas sobre direito de autor que o Sindicato dos Jornalistas contesta.

O jornal dos irmãos Barclays, que curiosamente fizeram fortuna no ramo imobiliário, juntou recentemente as redacções do “Telegraph” electrónico, do “Daily” e do “Sunday Telegraph”, numa única «bolha de notícias» ( News Hub ) comandada por uma única “mesa central”.

A mega-redacção, recém-instalada num moderno edifício envidraçado, num openspace que serve de paisagem aos departamentos comerciais, instalados um ou dois andares mais acima (“O Zoo”, como lhe chamam à boca pequena), trabalha num esquema de quatro touchpoints (Pontos de contacto) deadlines diárias para outras tantas plataformas, que vão desde os textos escritos para a Web (manhã) aos Podcasts e Videocasts (pelo almoço)e aos PDF’s das versões impressas do jornal (final do dia).

“Mesa” única

A “bolha” funciona com uma única mesa central de edição, na qual os normais editores (directores editoriais) se juntam com outros quadros mais técnicos, digamos, cada um responsável pela divulgação dos “conteúdos” nas diferentes “plataformas”. A figura do editor, ou do sub-editor, passa à de “journalist producer” – ou seja, o editor passa, neste esquema, a ser um mero produtor de informação, responsável por garantir as condições para que as notícias apareçam e por as transformar para as diferentes “plataformas” do mesmo título.

Para que este esquema pudesse funcionar, os jornalistas britânicos da “bolha” tiveram um exaustivo “treino” de cinco dias. Parte dos editores do “velho jornalismo” foram mandados embora.

Despedidos: 150

Cerca de 150 funcionários, num total de mil, do grupo “Telegraph” foram despedidos. Destes, 54 eram jornalistas “inadaptados”. Conseguiu-se assim o milagre da multiplicação dos lucros e do trabalho jornalístico. Menos gente, a produzir para muito mais “plataformas”, trabalhando (ainda) mais horas por dia.

Aplicado aos grandes grupos empresariais portugueses, este esquema anularia as diferentes perspectivas editoriais de cada um dos órgãos de comunicação, sujeitos que passariam a estar a um único controlo – a mesa central de edição. Ou seja, embora convencidos de que estavam a receber informação de vários títulos diferentes, os leitores, os telespectadores ou os ouvintes de rádio passariam, na prática, a ouvir uma só voz, disfarçada como “plural” por meras diferenças semânticas. Para não dizer que poderia tornar redundantes dezenas de postos de trabalho.

Externalizar a edição

Um passo à frente foi dado pelo “New Zealand Herald”, o maior diário do país, inserido num grupo com cerca de 175 publicações, que resolveu externalizar parte da sua edição e produção fotográfica, numa “jogada” para reduzir cerca de 30 postos de trabalhos. Este outsourcing implica o desaparecimento dos cargos de subeditores. A edição passa a seguir orientações pré-definidas, em vez de os textos serem vistos caso a caso. “Trata-se de uma medida de pânico, para poupar dinheiro, mas no fim é de uma economia da loucura – pois vêm reduzir ainda mais a qualidade do jornalismo e acentuar o declínio da circulação”, disse o secretário da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), Aidan White.

“Os sub-editores são a segunda linha de defesa do código de ética dos jornalistas”, comentou, por seu lado, Simom Collins, delegado sindical do jornal. “Os repórteres, os sub-editores, os fotógrafos devem defender intransigentemente o jornalismo como o ‘diálogo da democracia'”, disse a conhecida jornalista neozelandesa Judy McGregor.

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