O anúncio recente de que o “Público” vai reforçar a redacção da edição online e alargar o seu horário de funcionamento sem prejudicar a versão em papel contraria a redução das equipas das publicações, que tem sido comum nos últimos anos sob a capa do investimento nas plataformas digitais.
De acordo com o Público Online, a grande aposta para 2011 é ter “uma redacção maior e produzir notícias num horário mais alargado, aumentar a interactividade com os leitores, produzir mais histórias exclusivas, criar novos canais e desenvolver projectos especiais”, crescendo online sem lesar a qualidade do jornal impresso.
A revelação surpreende pela positiva num momento em que tanto se fala de uma crise na imprensa escrita e perante o facto de a alegada convergência de redacções tradicionais e online encapotar, frequentemente, uma redução dos postos de trabalho.
Em declarações à Agência Lusa em Setembro, o jornalista António Granado, ex-editor do Público Online, lamentava que, quando se fala em convergência de plataformas, as pessoas que gerem os órgãos de comunicação social estejam normalmente a perguntar-se “Como é que eu vou poupar dinheiro?”
Para o jornalista e docente universitário na Universidade Nova de Lisboa, aqui reside “o erro fatal”, já que “a ideia de que multimédia e integração equivalem a trabalhar com menos pessoas está errada”, pois “produzir para plataformas distintas exige uma ampliação das equipas”.
O declínio da imprensa norte-americana
A tendência geral, nomeadamente internacional, está também marcada pela redução dos títulos impressos, com diversos jornais e revistas a migrarem do papel para o online. Uma das recentes publicações a optar por este caminho foi a “U.S. News & World Report”.
Brian Kelly, editor da revista mensal, anunciou no início de Novembro que, depois de no último ano a circulação ter caído quase meio milhão de exemplares, a publicação fica apenas disponível na Internet.
Em Dezembro estará nas bancas a última edição impressa e, a partir de 2011, só sairão em papel os rankings sobre universidades, hospitais, economia pessoal e outros temas de interesse geral que a revista publica anualmente.
A notícia chega dois anos depois de o norte-americano “The Christian Science Monitor” – fundado em 1908 e com sete prémios Pulitzer no currículo –, ter tornado público que mudaria de suporte daí a seis meses devido ao declínio de vendas (a sua circulação estava nos 52 mil, a larga distância dos mais de 220 mil de 1970) e à crescente procura dos seus serviços electrónicos.
Em Abril de 2009, o jornal de expansão nacional ficava exclusivamente acessível em www.csmonitor.com, informando que esperava ver aumentar os seus cerca de três milhões de visitantes mensais para 20 a 30 milhões nos cinco anos seguintes.
Além da quebra de vendas e da alegada maior apetência dos públicos jovens pelo digital em detrimento do papel, há que ter em conta o desinvestimento publicitário, inseparável da perda de leitores.
No caso do “Christian Science Monitor”, o jornal fazia nove milhões de dólares (cerca de 6,7 milhões de euros, de acordo com o câmbio de então) em subscrições quando revelou que ia mudar de suporte, enquanto os anúncios impressos não chegavam a render um milhão de dólares. À data, a receita da web atingia os 1,3 milhões de dólares (perto de 978 mil euros).
Note-se que, desde 1950, a quota dos jornais no mercado publicitário norte-americano caiu para um terço, representando agora pouco mais de 12%, cerca de metade dos 26% ocupados pela televisão.
O crescente número de publicações norte-americanas a abandonar o suporte tradicional pode ser acompanhado no site Newspaper Death Watch, que o ex-jornalista Paul Gillin criou em Março de 2007 e onde lista os 12 diários citadinos que fecharam nos EUA, bem como oito que optaram apenas pelo online ou por iniciativas híbridas que lhes permitiram reduzir a periodicidade em papel.
Postos de trabalho suprimidos às centenas
Um estudo do Centro para a Excelência no Jornalismo publicado em Março de 2009 – meses depois de o grupo Tribune Co, proprietário do “Chicago Tribune” e do “Los Angeles Times”, ter declarado falência – revela que quase um terço dos postos de trabalho na imprensa norte-americana foi extinto desde 2001.
O livro “Google – O fim do mundo como o conhecemos”, do crítico de média Ken Auletta, assinala que os cortes de pessoal se tornaram mais visíveis a partir de 2008.
Segundo o autor, “a ‘Newsweek’ eliminou 200 postos de trabalho, a Time Inc, 600, o ‘San Jose Mercury News’ eliminou 200 empregados da redacção. O número de empregados no dito “melhor jornal do mundo”, o ‘New York Times’, caiu quase 4% num único ano, e a cadeia McClatchy, que historicamente se orgulhava da sua política de não despedimento, começou a despedir empregados em Setembro e, na Primavera de 2009, tinha reduzido a sua força de trabalho em 25%”.
A situação da imprensa no país atingiu proporções tais que o Senado tem debatido a possibilidade de o Governo intervir para assegurar a viabilidade da imprensa tradicional.
O fim do centenário “Jornal do Brasil”
Esta é, contudo, uma realidade muito mais generalizada, como o demonstra o facto de também o “Jornal do Brasil” – cuja antiguidade superava a do “Christian Science Monitor”, pois foi fundado em Abril de 1891 – ter tido a sua última edição impressa a 31 de Agosto passado.
Nelson Tanure, director do “Jornal do Brasil”, referiu preocupações ambientais, já que o fim da edição impressa pouparia milhares de árvores por mês, mas os verdadeiros motivos para a decisão do director, que controlava o jornal desde 2001, terão sido a quebra de vendas de quase 80% e as dívidas do diário, que ascendiam a 800 milhões de reais (cerca de 354 milhões de euros) em meados deste ano.
O “Jornal do Brasil”, cuja tiragem chegou a atingir os 230 mil exemplares nos anos 60, tirava agora 22 mil cópias, na sequência de uma crise que se agravou na década de 90. Para trás ficava o período áureo em que teve a colaboração de escritores como Eça de Queirós, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, assim como um histórico de resistência à ditadura militar brasileira.
Nelson Tanure fora antes responsável pela “Gazeta Mercantil”, jornal de economia que deixou de circular em Maio de 2009 devido a problemas financeiros.
Na apresentação do “Jornal do Brasil Digital”, o ministro da Comunicação Social do Brasil, Franklin Martins, afirmou acreditar que todos os jornais se vão transferir do papel para o online até 2035.
Audiências decrescem em papel mas aumentam na Net
O já referido estudo do Centro para a Excelência no Jornalismo realçou, por outro lado, o aumento da leitura online, tendo por indicativo o tráfego dos 50 sites informativos mais relevantes nos Estados Unidos. Também no que concerne a este aspecto a tendência é mais alargada.
No primeiro semestre deste ano, os diários portugueses venderam menos cerca de oito milhões de exemplares do que em igual período de 2009, segundo a Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), enquanto as estatísticas de consulta online estão num crescendo.
Ainda de acordo com a APCT, os diários generalistas foram os mais afectados, com uma perda que rondou os 30 mil clientes por dia, ou seja, menos nove por cento face ao semestre homólogo de 2009.
Entre Janeiro e Junho passados, o “Diário de Notícias” registou uma quebra de 19,5%, o “Público” de 15,8% e o “Jornal de Notícias” de 11,8%, enquanto as visitas aos respectivos sites aumentaram, como mostra o medidor de tráfego Netscope, resultante de uma parceria entre a Weborama e a Marktest, para aquele período.
Uma tendência que se mantém, a avaliar pelos dados mais recentes, relativos a Outubro: o “Jornal de Notícias” aumentou o número de visitantes únicos em 36% por comparação com Outubro de 2009, o “Correio da Manhã” assistiu a um aumento de 19,8%, o “Diário de Notícias” viu o número de visitantes subir em 17,2% e o “Público” em 15,6%.
O “Correio da Manhã”, além de ter registado a segunda maior subida do grupo, foi o único dos quatro a registar também uma subida das vendas em papel no primeiro semestre deste ano face ao período homólogo – um aumento de 6,6%, segundo a APCT.
De assinalar que, com base na informação do Netscope, as páginas digitais da imprensa escrita são, globalmente, mais visitadas online do que os sites dos canais televisivos ou da rádio.
A aposta nas plataformas móveis
Um pouco por todo o mundo, o declínio dos formatos impressos tem sido acompanhado de um investimento nos designados suportes móveis, dos e-book readers aos telemóveis.
Nos Estados Unidos, o leitor de livros e jornais em formato electrónico Kindle, da Amazon, passou a enfrentar a concorrência de outros artigos, nomeadamente com chancela da Apple e da Sony, à medida que cada vez mais publicações se adaptavam aos novos dispositivos de leitura.
A Amazon propõe a leitura de várias dezenas de jornais aos utilizadores do Kindle, embora em 2009 o número de assinantes de jornais para este suporte fosse ainda uma ínfima parcela das assinaturas das edições em papel.
Em Portugal, o grupo Controlinveste entrou em cena nos conteúdos para dispositivos móveis no final de Setembro, reforçando a presença dos órgãos portugueses num sector que começa a constituir uma fatia significativa do negócio da informação.
Enquanto a Controlinveste deu a conhecer as novas plataformas “mobile” para o “Diário de Notícias”, o “Jornal de Notícias” e a TSF, a revista “Visão”, da Impresa, apresentou conteúdos optimizados para o iPad e o semanário “Sol” assinalou o quarto aniversário com um site renovado e aplicações criadas de raiz para o iPad e iPhone.
Um cenário hipotético em Portugal
Em entrevista à Lusa em Setembro, Helder Bastos, antigo jornalista e actual docente na área da comunicação na Universidade do Porto considerou que a transição de jornais do papel para o online em Portugal não assume particular relevância.
Há “um ou outro caso na imprensa regional ou local, mas sem escala para se analisar este fenómeno”, afirmou, revelando uma visão pouco optimista perante tais cenários.
“Quando um jornal em papel acaba e fica tudo online, o que geralmente acontece não é integração mas desintegração das redacções” e “não se pode falar de fusão mas de perda de jornalistas”, aumentando o índice de desemprego na classe, disse.
O investigador colocou mesmo um cenário hipotético: “Imagine-se que um grande diário português com 80 ou 100 jornalistas na redacção tradicional decide acabar com a edição impressa. Não vai mover todos os jornalistas para o online, porque não há retorno financeiro que sustente um projecto desses, nem nada que se pareça”.
Remando contra a maré
Quem partilha desta opinião é o director do jornal alemão “Die Zeit”. O jornalismo digital “faz de tudo menos dinheiro”, declarou Giovanni Di Lorenzo, justificando que os dois últimos anos do periódico que dirige foram “os melhores da sua história”, apesar das propaladas crises da economia mundial e do jornalismo impresso.
Em entrevista ao “El País”, o responsável explicou que o truque foi estudar em detalhe as necessidades dos leitores e ignorar todos os conselhos dos consultores de meios, continuando a apostar em artigos extensos, documentados, sérios e até com linguagem considerada difícil.
Para Giovanni Di Lorenzo, o futuro dos jornais em papel reside “na orientação e no aprofundamento” dos temas, bem como no combate à falta de credibilidade e à perda de qualidade, pois a Internet é apenas uma – e não a única – causa da crise na imprensa escrita.