Divulgação de conversas entre cidadãos

A publicação de afirmações polémicas atribuídas ao ex-ministro das Finanças, António de Sousa Franco, por este alegadamente proferidas em voz alta num restaurante lisboeta frequentado por jornalistas, assumiu foros de escândalo e justicou um comunicado a propósito do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.

A recente publicação em, pelo menos, dois órgãos de informação, de transcrições de palavras alegadamente proferidas por um ex-ministro no decorrer de uma conversa num restaurante, desencadeou alguma controvérsia nos meios jornalístico e político e suscitou a seguinte reflexão genérica e abstracta do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas:

1. Uma simples conversa entre duas pessoas não é, em princípio, notícia, isto é, não deve ser escutada por terceiros, mesmo que jornalistas, e muito menos pode ser divulgada. Este princípio vale para qualquer pessoa e para qualquer lugar. Mesmo que se trate de uma personalidade de indiscutível visibilidade pública e mesmo que a conversa decorra no mais frequentado dos locais de acesso ao público, o dever de respeito pela intimidade e recato dos interlocutores é imperativo: uma personalidade pública, por o ser, não perde nenhum dos direitos à intimidade que são reconhecidos ao cidadão comum; e não é por ser público que o local legitima qualquer invasão do recato de personalidades que manifestamente não desejem que terceiras pessoas tenham conhecimento dos seus diálogos, mesmo que não produzidos em surdina ou em tom de confidência.

2. Pode, no entanto, ocorrer que alguém, num local de acesso público, se exprima num tom inequívoco de comício ou de bravata, de modo a que os circunstantes ouçam com clareza as afirmações produzidas, havendo vontade, por parte de quem as produz, de que elas cheguem ao conhecimento de outras pessoas para além dos interlocutores directos. Ou pode acontecer que o conteúdo das afirmações produzidas em voz anormalmente alta chame, pelo inesperado, a atenção dos presentes não directamente envolvidos no diálogo. Nestes casos, poderemos estar em presença de factos com dignidade noticiosa, sendo certo que a essência e a motivação da notícia hão-de fundar-se no tom e volume anormal das afirmações, mais do que no conteúdo das mesmas. Se se tratar de pessoa sem notoriedade, o facto noticioso resumir-se-á a uma simples perturbação da ordem ou da tranquilidade do local público, divulgável consoante a gravidade dessa perturbação. No caso de se tratar de uma personalidade de grande visibilidade pública, é possível que o próprio conteúdo das afirmações, se ouvidas involuntária mas irrecusavelmente por um conjunto de pessoas para lá do círculo de interlocutores, possa ser objecto de notícia.

3. Nesta hipótese, o jornalista tem de assegurar-se de que a personalidade usou o tom de voz com inequívoca intenção de ser ouvida ou que teve a percepção de que as afirmações podiam ser retransmitidas por meios diversos a terceiros ausentes. No entanto, mesmo após estar possuidor de uma razoável garantia quanto à evidência da vontade ou da consciência, da pessoa visada, quanto à repercussão das suas afirmações, o jornalista não pode autorizar-se a difundir noticiosamente o que presenciou sem primeiro a confrontar com o que ouviu, questionando-a, nomeadamente, sobre as intenções, o contexto e a seriedade com que as afirmações foram produzidas.

4. Adverte-se ainda para o facto de que se a divulgação jornalística das afirmações produzidas no âmbito de uma conversa atingir direitos de personalidade de terceiras pessoas, será pouco provável que o jornalista possa isentar-se de responsabilidades, nomeadamente no que diz respeito à prova do que foi tornado público. Na verdade, neste caso, não se crê que faça vencimento a invocação do preceito legal que desresponsabiliza o jornalista quando este se limite a transcrever correctamente declarações de pessoas identificadas e essas declarações não contenham incitamento à prática de crime.

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