Debates sobre o «Big Brother» em Lisboa e Porto

A instrumentalização da informação pelo marketing, levada ao extremo pela TVI com o programa «Big Brother», foi tema de dois debates organizados pelo SJ em Lisboa e no Porto. Aqui se dá notícia dos debates, começando pelo do Porto e terminando com a rememoração do que se realizou em Lisboa, este por iniciativa do Conselho Deontológico.

«A TVI tem violado a fronteira entre informação e entretenimento», ao inserir nos seus blocos noticiosos promoção do programa «Big Brother», mas «um elevado número de órgãos de informação também pasta diariamente num pântano de vacuidades», considerou o presidente da Direcção do Sindicato dos Jornalistas(SJ), Alfredo Maia.

Intervindo num debate organizado pelo SJ, em 23 de Novembro de 2000, na Escola Superior de Jornalismo do Porto, subordinado ao tema «As Fronteiras Entre a Informação e o Entretenimento», Alfredo Maia acrescentou «haver demasiada gente anestesiada dentro desse círculo vicioso que consiste na criação do facto por um dos media e a utilização sucessiva deste pelos restantes», traduzida no recorrente «noticiário» sobre os episódios do programa, aspectos da vida familiar dos intervenientes e outros detalhes sem relevante interesse.

«É necessário que os jornalistas não se esqueçam de que a realidade de que devem ocupar-se não se encontra dentro desse círculo, mas fora dele, onde estão as pessoas e os seus problemas», acrescentou, apontando o programa de maior êxtito no panorama televisivo português como exemplo que os jornalistas devem ter presente, para reflectirem sobre as técnicas de fabricação e manutenção de personagens, utilizadas pelo marketing instrumentalizando a informação.

Para Diogo Pires Aurélio, provedor dos leitores do «Diário de Notícias», a violação da fronteira entre informação e entretenimento tem antecentes e pode ser assinalada com «A Cadeira do Poder». Neste programa, emitido há quatro anos e em relação ao qual o Sindicato se pronunciou criticamente, foi ficcionado um noticiário durante o qual se fabricou um suposto acidente de trânsito envolvendo o secretário de Estado da Juventude.

Convidado pelo SJ para o debate, Diogo Pires Aurélio criticou o «laxismo» de jornalistas na deontologia profissional e defendeu o papel do Estado na «distinção clara» entre os domínios da informação e do entretenimento, para advertir que, no futuro, seremos confrontados com a imposição, pelo mercado, de um género misto a que poderemos chamar «infortainment». «Há uma realidade indiscutível», disse: «a comunicação social está hoje integrada no mercado».

O provedor dos leitores do «Jornal de Notícias», Fernando Martins, defendeu abertamente que o conteúdo dos programas do «Big Brother» constuitui «notícia», mas observou estar «em causa a forma como se faz a notícia» e chamou a atenção para as circunstâncias em que se produz hoje televisão.

«A comunicação social não é nem romântica nem filantrópica. É uma realidade que se chama dividendos. Os patrões (do sector) têm de ceder às audiências para ter acesso a uma maior fatia do bolo publicitário», disse, introduzindo a questão sobre as condições de trabalho, nomeadamente dos jornalistas, concordando com o presidente da Direcção do SJ relativamente às preocupações quanto aos efeitos da precariedade – de vícnulo laboral e dos próprios salários – em que se encontram muitos jornalistas.

O DEBATE EM LISBOA

Antes do debate no Porto, o mesmo tema foi discutido em Lisboa, em 9 de Novembro de 2000, na sede do Sindicato, cuja sala de actos foi pequena para conter o grande número de participantes. A iniciativa foi, neste caso, do Conselho Deontológico, cuja vice-presidente, Maria Flor Pedroso, que moderou as intervenções, rememorou o evento com o seguinte texto:

Estava este Conselho Deontológico (CD) nos seus primórdios quando o assunto do momento era o Big Brother. Todos falavam, todos discutiam, todos escreviam sobre. Mas enquanto o programa se mantinha numa violação, consentida por contrato, do direito à privacidade, a coisa passava-se no domínio da chamada Comunicação Social e não no da prática jornalística. Se bem que a TVI, estação emissora do programa, desse ‘notícias da casa mais famosa do país’ no seu telejornal. A gota de água foi ‘o pontapé do Marco’ abrir um noticiário no dia em que o Presidente da República anunciava a sua recandidatura.

A análise do tema por parte do CD tornou-se incontornável, apesar de não nos ter chegado qualquer queixa. Optámos por fazer um debate alargado. Não apenas entre nós, jornalistas, mas também com especialistas que pudessem enquadrar as várias implicações daquela realidade fictícia. A ideia do colóquio “Big Brother: onde está a notícia?” não era discutir o programa em si, mas antes avaliar os seus efeitos na informação e na sociedade. Convidámos Alexandre Castro Caldas, neurologista, Margarida Fornelos, pedo-psiquiatra, Germano Marques da Silva, professor de Direito e o padre Peter Stilwell, assistente da Rádio Renascença. Os responsáveis máximos da estação também foram convidados como José Eduardo Moniz, Manuela Moura Guedes (Director e Chefe de Redacção) e até a apresentadora do programa, Teresa Guilherme. Não fomos bem sucedidos nessa tarefa, a TVI optou por se fazer representar por Henrique Garcia, subdirector de Informação (acabado de chegar à TVI) e pela editora do “Jornal do BB”, a jornalista Paula Magalhães.

Quase centena e meia de pessoas acorreram a este debate na sede do SJ. O tom geral foi bastante crítico em relação ao programa, sobretudo à inclusão de «notícias BB» no telejornal e mesmo no noticiário geral. Também houve órgãos de informação de referência, até públicos, a dar conta do que se passava na casa.

Apesar de não ter sido um debate muito conclusivo, podem-se retirar duas ou três ideias fundamentais:

1. Talvez os jornalistas se tenham limitado à publicitação dos acontecimentos e não ao tratamento jornalístico dos mesmos e dos vários pontos de abordagem jornalística do programa/problema. Assim, o BB era um negócio que contentava a todos – aumentava as várias audiências dos diferentes meios de Comunicação Social. Constatou-se que muitas vezes os jornalistas estão presos a uma engrenagem que os impede de reflectir sobre o sentimento profundo das situações, além de, no caso dos profissionais da TVI, poder haver condicionamento à publicitação de produtos da empresa.

2. O BB, mesmo que não fosse tratado nos noticiários teria sempre impacto, porque se tratava de um programa com forte repercussão junto da sociedade, que o vê e o discute. Logo, justifica-se que se dê notícia dele.

3. Os médicos e psicólogos que coloboravam com o BB podem ser comparados aos clínicos que trabalhavam para o campo nazi de Auschwitz, pela situação de limite muito complexa que o programa proporciona. Programas deste género podem ter consequências muito mais graves, do que à partida se possa pensar, para a vida individual e social dos seus protagonistas.

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