A Greve Geral de 14 de março entrou para a História do Jornalismo português

Versão retificada e atualizada a 18 de março de 2024

A greve geral de jornalistas desta quinta-feira (14), a primeira em mais de 40 anos, foi um marco na história do jornalismo português. Jornalistas aderiram em massa ao protesto nacional por condições de trabalho dignas e em defesa da democracia. As redações de 64 órgãos de comunicação social locais, regionais e nacionais ficaram totalmente paralisadas e registaram-se sérios constrangimentos noutras dezenas. O Sindicato dos Jornalistas (SJ) espera que as direções e administrações tenham compreendido o descontentamento que grassa entre a classe, passando finalmente das palavras aos atos.

A paralisação total da comunicação social nacional foi muito significativa. A redação do Diário de Notícias parou por completo: o site não foi atualizado e a edição em papel não chegou na sexta-feira às bancas. Ficaram também totalmente paralisadas a Agência Lusa – que fechou a linha noticiosa – e a rádio pública – durante 24 horas não houve noticiários na Antena1, Antena3, RDP AFRICA e RDP Internacional. Desertas ficaram também as redações da TSF, O Jogo, TVI/CNN Algarve e SIC Évora.

Entre os órgãos de comunicação social nacionais generalistas que não pararam totalmente, vários registaram fortíssima adesão, com evidentes constrangimentos no seu fluxo noticioso. Foi o caso da Visão (adesão de 90%), Jornal de Notícias (83%), Público (83%), Expresso (75%), Observador (56%), Jornal de Negócios (50%) e Rádio Renascença (38%). A redação de Lisboa da RTP registou uma adesão de 85%. Na RTP Açores, o Jornal da Tarde e o Notícias do Atlântico foram cancelados; todos os blocos informativos da Antena 1 Açores foram suspensos. Em várias delegações da rádio e televisão públicas a greve foi total:  Coimbra, Castelo Branco, Guarda e Évora. Os correspondentes internacionais também se juntaram ao protesto: paragem em Madrid, Paris, Rio de Janeiro.

As concentrações desta quinta-feira por todo o país também contaram com uma forte presença de jornalistas, um claro sinal de fortalecimento da união e solidariedade entre a classe: Lisboa (cerca de 700 pessoas), Porto (200), Ponta Delgada (70), Coimbra (65) e Faro (30). Registaram-se ainda duas concentrações espontâneas, uma em Viseu e outra em Évora. A maioria das concentrações contou com uma presença importante de estudantes, jornalistas reformados e membros da sociedade civil que vieram demonstrar o seu apoio.

A multiplicação das concentrações foi resultado da dinâmica que se criou nas semanas de preparação da greve e da intensa participação dos jornalistas que trabalham fora de Lisboa e Porto.

A adesão massiva da imprensa regional foi, aliás, essencial para o enorme sucesso da greve. Os jornalistas da informação local apontam há anos para a degradação das suas condições de trabalho e dificuldades específicas de sustentabilidade financeira dos órgãos de comunicação social.  Pararam totalmente as redações do 7Montes, AlmadaOnline, Barlavento, Jornal do Algarve, Jornal do Ave, Jornal do Centro, Jornal do Fundão, Maré Viva, Médio Tejo, Notícias da Covilhã, Notícias do Sorraia, Porto Canal, Rádio Despertar Voz de Estremoz, Rádio Cova da Beira, Rádio M24, Rádio Paivense, Rádio SBSR, Região de Leiria, Reconquista, Rádio do Pico, Rádio Asas do Atlântico, Rostos, Seia Digital, O Setubalense, SulInformação, A Voz do Operário, entre tantas outras.

Nos Açores, onde a greve teve uma adesão global de 42%, o Diário da Lagoa, o Ilha Maior e o Baluarte suspenderam todo o trabalho editorial. A TSF Açores, o Rádio Clube Asas do Atlântico e a Rádio Pico suspenderam todos os blocos informativos. No Açoriano Oriental (do Grupo Global Media) e Diário Insular, a adesão à greve foi de 50%. Todos os correspondentes nas ilhas sem delegação dos canais públicos de rádio e televisão aderiram à greve.

Alguns órgãos de comunicação social não tradicionais também aderiram ao protesto, paralisando a 100%: Coimbra Coolectiva, Comunidade Cultura e Arte, Divergente, Fumaça, Lisboa para Pessoas, 7Margens, Setenta e Quatro e Shifter. Também houve rádios e jornais universitários a juntarem-se ao protesto, registando-se a adesão total do jornal A Cabra, da Rádio Universidade de Coimbra (RUC) e da Rádio Universitária do Minho (RUM), um sinal claro de que a luta de hoje é também a luta pelo futuro da classe.

34 jornalistas freelancers, um dos segmentos da classe mais vulneráveis, comunicaram ao Sindicato a sua adesão à greve.

A adesão em massa dos jornalistas à greve geral aconteceu num ambiente em que as hierarquias procederam a vários esquemas (ilegais e/ou antiéticos) para reduzir o impacto do protesto. Além de chefias terem perguntado aos jornalistas se iriam aderir à greve, o que é ilegal, o SJ tem conhecimento de ter existido aliciamento com horas extraordinárias ou dias de folga extra aos jornalistas que prolongassem as horas de trabalho para tapar os “buracos” deixados pelos grevistas. Também houve recurso a estagiários e a trabalhadores a recibos verdes substituindo jornalistas do quadro em greve, assim como reforço de turnos, entre outros.

O SJ considera que a classe se reviu no caderno reivindicativo da greve geral. As reivindicações dos jornalistas são claras e o Sindicato espera que as direções e administrações tenham finalmente compreendido o descontentamento que grassa entre a classe, passando das palavras aos atos. Por muito que amem a profissão e mantenham vivo o espírito de missão que os trouxe desde logo à profissão, os jornalistas demonstraram não estar mais dispostos a tolerar as desumanas condições laborais em que tantos desempenham as suas funções.

Aqui relembramos o caderno reivindicativo, porque nunca é demais fazê-lo:

Os jornalistas exigem:

– Aumentos salariais em 2024 superiores à inflação acumulada desde 2022 e a melhoria substancial da remuneração dos freelancers;

– A garantia de um salário digno à entrada na profissão e de progressão regular na carreira;

– O pagamento de complementos por penosidade, trabalho por turnos e isenção de horário;

– A remuneração por horas extraordinárias, trabalho noturno e em fins de semana e feriados;

– O fim da precariedade generalizada e fraudulenta no sector, pelo recurso abusivo a recibos verdes e contratos a termo;

– O cumprimento escrupuloso das leis do Código de Trabalho, incluindo a garantia do equipamento técnico necessário, em particular para a captação de imagem e som;

– O cumprimento escrupuloso do Contrato Coletivo de Trabalho da imprensa e a generalização da contratação coletiva para o setor audiovisual e da rádio;

– A justa remuneração de quem cumpre o estágio obrigatório para o acesso à profissão;

– Condições humanas e materiais para a produção noticiosa, cumprindo princípios éticos e deontológicos;

– A intervenção do Estado na garantia da sustentabilidade financeira do jornalismo;

– A revisão das estruturas regulatórias da comunicação social e do jornalismo, garantindo a sua atualização e capacidade para salvaguardar a qualidade da informação.

Solidariedade e união

Recorde-se que o V Congresso dos Jornalistas, realizado em janeiro, mandatou por unanimidade o Sindicato dos Jornalistas para convocar e mobilizar a classe para uma greve geral, depois de uma primeira paralisação de uma hora já ter acontecido em solidariedade com os jornalistas e trabalhadores do Global Media Group que estiveram em greve a 10 de janeiro.

Aliás, a greve desta semana aconteceu dias depois de a administração da GMG ter anunciado um novo despedimento coletivo de 24 profissionais, entre os quais oito jornalistas, no Diário de Notícias. O próprio processo de organização e mobilização da greve teve como alicerce a união entre a classe dos jornalistas, ao ser organizada por dirigentes do Sindicato e elementos não dirigentes. O caminho trilhado entre o V Congresso e o dia da greve demonstrou o sucesso e a necessidade de uma frente ampla na luta pelos direitos dos jornalistas.

Além disso, o SJ convocou esta greve em concertação com outros sindicatos do sector, demonstrando-se mais uma vez pela prática que a unidade sindical é essencial para a defesa dos direitos dos trabalhadores. O Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações, Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisuais e o Sindicato dos Meios Audiovisuais também emitiram pré-avisos de greve abrangendo todos os profissionais com carteira profissional de jornalista. As centrais sindicais CGTP-IN e UGT também expressam o seu apoio e solidariedade à luta dos jornalistas por condições de trabalho dignas e de defesa do jornalismo, pilar essencial da democracia.

O Sindicato dos Jornalistas reforça o seu compromisso com a defesa dos direitos de todos os jornalistas, entre os quais o inalienável direito à greve, a continuar a lutar por condições de trabalho dignas e a defender democracia. Porque não se escreve liberdade sem jornalismo.

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