Tribunal de recurso obriga jornalistas a revelar fontes

O Tribunal de Recurso de Washington D.C. deliberou, a 15 de Fevereiro, que os jornalistas Matthew Cooper, da “Time”, e Judith Miller, do “The New York Times”, têm de revelar as suas fontes perante o grande júri que investiga o caso de denúncia da identidade de Valerie Plame como agente da CIA.

A decisão baseou-se fortemente na jurisprudência do caso Branzburg vs Hayes, de 1972, no qual o Supremo Tribunal deliberou que a Primeira Emenda não dá qualquer privilégio especial aos jornalistas, que são obrigados a testemunhar independentemente de qualquer promessa de confidencialidade efectuada às suas fontes.

O juiz David Sentelle, que apreciou o recurso, decidiu que “se tal privilégio existir na lei comum, não é absoluto e, neste caso, é preterido”. Depois desta deliberação, o caso regressa às mãos do magistrado Thomas F. Hogan, que já tinha feito uma interpretação semelhante da lei.

O dono do “The New York Times”, Arthur Sulzburger Jr., alega que esta decisão pode ter, pela negativa, um grande impacto no futuro do jornalismo, pois põe em causa a protecção das fontes, que foi “determinante para apurar casos como Watergate”.

Os jornalistas enfrentam penas de até 18 meses de detenção, mas os seus advogados garantem que vão continuar a recorrer da decisão, levando, se tal for necessário, o caso até ao Supremo Tribunal. Todavia, isso não impede que entretanto seja dada ordem de prisão aos jornalistas.

Pressões, multas e revelação autorizada de fontes

Este caso teve início quando, a 9 de Agosto de 2004, Matthew Cooper foi condenado à prisão pelo crime de desobediência ao tribunal, uma vez que – à revelia de um Acórdão do Supremo Tribunal, datado de 20 de Julho – se recusou a revelar as suas fontes no caso da agente da CIA que fora identificada pela imprensa, o que constitui crime federal nos Estados Unidos.

Por seu lado, a “Time” foi sentenciada a uma coima de 1.000 dólares (aproximadamente 750 euros) por dia até entregar documentação sigilosa exigida pelo tribunal, tendo a condenação do repórter e a da publicação ficado suspensas a aguardar pela decisão do tribunal de apelo.

Cooper, que inicialmente se escusara a testemunhar, apresentando mesmo um recurso à convocatória judicial, aceitou depor após obter da fonte oculta autorização para a desvelar. Porém, a 14 de Setembro as autoridades judiciais voltaram a intimá-lo para que facultasse mais dados sobre outras fontes secretas, o que o jornalista recusou, incorrendo em novo crime de desobediência, que lhe granjeou – a 13 de Outubro – uma pena de prisão de 18 meses, também ela suspensa durante o recurso.

Os mesmos 18 meses foram, no dia 7 de Outubro de 2004, decretados à jornalista Judith Miller, que nunca escreveu sobre o caso e mantinha igual recusa em dar a conhecer as fontes, tendo sido acusada também de desrespeito ao tribunal.

O processo relativo à divulgação não autorizada do nome da agente Valerie Plame – divulgação que não partiu de Matthew Cooper ou de Judith Miller, convocados apenas no pressuposto de terem contactado com as fontes da revelação – chamou ainda a testemunhar os jornalistas Tim Russert, da NBC, e Glenn Kessler e Walter Pincus, ambos do “The Washington Post”.

Russert e Kessler viriam a beneficiar de autorização de quebra de sigilo por parte da mesma fonte de Cooper, enquanto Pincus obteve o consentimento de outra fonte.

Entretanto, o juiz Thomas F. Hogan, que decretou as sentenças a Miller e Cooper, reconheceu que os dois jornalistas “agiram profissionalmente de boa fé”, mas justificou a condenação por, na sua opinião, a insistência dos procuradores na quebra do sigilo das fontes ser apropriada em termos de equilíbrio da “liberdade de imprensa e da necessidade de procedimento criminal”.

Um entendimento distinto do mesmo dilema teve, à data, o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ), segundo o qual os EUA deram, com esta atitude, “um mau exemplo a um mundo em que muitos governos obrigam os jornalistas a colaborar com as investigações, comprometendo a sua independência”.

Outros jornalistas no banco dos réus

Dez jornalistas norte-americanos estão actualmente a ser processados pela protecção do sigilo profissional, e o repórter Jim Taricani foi já condenado a seis meses de prisão domiciliária no dia 9 de Dezembro.

Isto apesar de 31 estados norte-americanos e do Distrito de Columbia terem “leis-escudo” para defesa do sigilo jornalístico, havendo, em todo o país, apenas um estado que nunca reconheceu a situação específica dos jornalistas perante a obrigatoriedade de colaboração com o poder judicial.

Perante isto, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) insta o Congresso norte-americano a examinar de imediato as “leis escudo” que foram propostas recentemente por representantes republicanos e democratas e que insistem na necessidade dos tribunais envidarem todos os esforços para alcançarem a verdade antes de optarem pela quebra do sigilo jornalístico.

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