SJ solidário com jornalistas do “Noticias Magazine”

Na data em que se assinala o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) manifesta em comunicado a sua solidariedade com as jornalistas Isabel Stilwell e Célia Rosa, do “Notícias Magazine”, condenadas por alegada ofensa a um magistrado.

Para o SJ, a condenação é tanto mais preocupante quanto o tribunal que proferiu a sentença – 3.ª Vara Cível de Lisboa – reconhece que as duas jornalistas cumpriram o seu dever profissional no trabalho que esteve na origem do processo: as controversas decisões de um antigo juiz do Tribunal de Família de Menores de Braga.

Como sublinha o comunicado, “parece estar a formar-se na jurisprudência de que, apesar da comprovação da verdade dos factos relatados pelos jornalistas e do seu manifesto interesse público, a suposta desproporção e desadequação dos termos usados é condição suficiente para, por si só, tornar a conduta do jornalista ilícita, limitando-se assim o seu direito a informar”.

Embora respeitando as decisões dos tribunais, o Sindicato dos Jornalistas entende que a decisão em causa foi injusta e pode “introduzir fenómenos de auto censura em face da indeterminação daquilo que o tribunal venha considerar proporcional e adequado”.

É o seguinte o texto, na íntegra, do comunicado do SJ:

A condenação das jornalistas da “Notícias Magazine” e a liberdade de imprensa

1. O Sindicato dos Jornalistas torna público o seu apoio às jornalistas Isabel Stilwell e Célia Rosa, após ter analisado a sentença da 3.ª Vara Cível de Lisboa que condenou estas profissionais por serem autoras, respectivamente, de dois editorais e de duas reportagens sobre as controversas decisões de um antigo juiz do Tribunal de Família de Menores de Braga, publicados na revista “Notícias Magazine”.

2. Simultaneamente, o SJ expressa a sua preocupação com a tese que parece estar a formar-se na jurisprudência de que, apesar da comprovação da verdade dos factos relatados pelos jornalistas e do seu manifesto interesse público, a suposta desproporção e desadequação dos termos usados é condição suficiente para, por si só, tornar a conduta do jornalista ilícita, limitando-se assim o seu direito a informar.

3. A sentença deu como provado um conjunto de factos tratados nos textos em causa, afirmando-se que, nos publicados em 20 de Fevereiro de 2000, “não foi violada a regra da verdade no editorial e na reportagem”; e que a segunda reportagem, publicada em 1 de Abril de 2001, “não merece reparo na perspectiva estrita da verdade do que é afirmado”. O juiz reconhece também que o editorial “não faltou à verdade”, embora lhe aponte “algumas incorrecções e alguns exageros verbais”. Considerou ainda que o assunto abordado pelas jornalistas era, sem sombra de dúvida, matéria do interesse público.

4. Parecia, pois, que estavam inteiramente preenchidos os requisitos necessários para afastar a ilicitude e justificar a conduta das jornalistas em caso de eventual ofensa à pessoa do magistrado: a verdade dos factos e o interesse público, enquadrando essa conduta no legítimo exercício do direito a informar. O juiz vem, porém, questionar se as jornalistas, para além de reportarem com verdade factos de interesse público, o fizeram “com a necessária contenção, moderação e urbanidade”, concluindo que foi ultrapassado o limite da proporcionalidade e adequação no exercício do direito de liberdade de expressão e de informação”. Assim, entendeu que as jornalistas “fizeram mais do que informar”, acabando “por denegrir o magistrado, sem que tal se justificasse com a extensão com que o fizeram”. Desta forma, considerou que “o comportamento das rés é ilícito, por ter determinado a violação de direitos de personalidade do magistrado e não corresponder ao exercício legítimo de um direito, nomeadamente da liberdade de expressão e de informação, sendo que também não se verifica qualquer causa de justificação da ilicitude”.

5. Foi entendido que a forma como as jornalistas compuseram os seus textos revela o propósito de confrontar as ideias do visado com as opiniões esmagadoramente contrárias (no caso, de adoptantes, de representantes da Segurança Social e de especialistas auscultados), resultando daí o isolamento do visado e das suas posições sobre o instituto da adopção. Mas, ainda assim, na óptica do julgador, esse resultado não chega para se entender que a regra da proporcionalidade foi violada, admitindo o juiz que exista uma relativa unanimidade em torno das soluções destacadas nas reportagens, pelo que o visado tem de aceitar a existência de posições contrárias à sua. O que não se pode aceitar, acrescenta, é que ele seja diminuído perante a opinião pública de forma ostensiva e irrazoável.

6. Mas o que é que existe nos textos que diminua o visado dessa forma? Segundo se alega na sentença, é o destaque excessivo dado a várias críticas às concepções sobre adopção expressas pelo visado inclusivamente nas sentenças que proferiu. Críticas essas produzidas – e reiteradas ao testemunharem no processo – por reputados especialistas na matéria em causa (a decisão sobre adopção de menores em risco). Entendeu o juiz, porém, que “não havia necessidade de apoucar o visado para fazer valer as suas (das jornalistas) razões”.

7. Respeitando as decisões dos tribunais, o Sindicato dos Jornalistas entende que a decisão em causa foi injusta, na medida em que:

a) Desde logo, face ao contexto do caso e à própria actuação do magistrado visado, as expressões em causa não têm qualquer carga ofensiva que ponham em causa a honra deste, sendo plenamente justificadas em face das decisões que proferiu e dos argumentos e da linguagem nelas usados. Criticaram-se as ideias do magistrado e nunca a sua pessoa.

b) As jornalistas não tinham de fazer uma recensão critica de todas as opiniões sobre o instituto da adopção, a ponto de procurar saber se existiam ou não algumas próximas das defendidas pelo magistrado, para que este não se sentisse isolado ou apoucado. A sua obrigação era promover o direito ao contraditório, o que foi assegurado pela audição daquele em entrevista e reproduzindo a doutrina que ele explanou nas suas decisões.

c) Esta decisão adensa sobremaneira os requisitos justificativos de uma conduta ofensiva da honra ou consideração. No conceito do juiz que a proferiu, o direito à informação terá sempre por limite o direito à honra. Logo que o primeiro se exerça à custa do segundo haverá uma actuação ilícita que só não será punida se a mesma for justificada, mediante o preenchimento de três requisitos: o da verdade dos factos, o do interesse público e o da proporcionalidade e adequação. Ora, entendemos que só faz sentido invocar este terceiro critério para justificar uma conduta lesiva de um direito da personalidade quando haja, de facto, a utilização de termos ou linguagem claramente excessivos e usados de má fé.

d) Numa situação como esta, não há má fé nem condenáveis excessos de linguagem para poder alegar-se desadequação ou desproporção de meios. Aliás, impor um tal requisito de justificação na apreciação de um trabalho jornalístico feito com seriedade e no respeito pela verdade pode introduzir fenómenos de auto censura em face da indeterminação daquilo que o tribunal venha considerar proporcional e adequado. No presente caso, parece-nos claro que as jornalistas usaram termos e linguagem adequados à matéria que divulgaram.

Lisboa, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa 2007

A Direcção

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