SJ repudia afirmações de Arons de Carvalho

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) repudia as acusações de “desonestidade” e “manipulação” de jornalistas que lhe foram feitas pelo deputado Arons de Carvalho, do Partido Socialista, na audição sobre o Estatuto do Jornalista realizada a 20 de Setembro, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, e reafirma a justeza das suas críticas ao diploma aprovado pelo Governo.

Reagindo às acusações, que acabaram por relegar para segundo plano a exposição de motivos que justificam a crítica do SJ à Proposta de Lei que altera o Estatuto do Jornalista, a Direcção do sindicato, em comunicado divulgado a 22 de Setembro, considera que as palavras do deputado socialista traduzem “um atestado de menoridade intelectual aos jornalistas e outros criadores” que estão a apoiar o Apelo em Defesa da Liberdade de Criação e de Expressão dos Jornalistas lançado pelo SJ.

No cerne da polémica está o entendimento, por parte do PS e do Governo, de que a liberdade de criação dos jornalistas está salvaguardada na disposição que consagra o direito daqueles em se oporem a “modificação que desvirtue as suas obras ou possa afectar o seu bom nome ou reputação”, enquanto o SJ considera que tal “garantia” é esvaziada logo na disposição seguinte, que afasta o direito de oposição dos jornalistas a alterações feitas pela sua hierarquia.

É o seguinte o texto, na íntegra, do comunicado do SJ:

O SJ e as acusações do PS

O deputado Arons de Carvalho, do Partido Socialista, na audição do Sindicato dos Jornalistas (SJ) sobre o Estatuto do Jornalista, realizada em 20 de Setembro, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, acusou o SJ de “desonestidade”, por não referir no texto do Apelo em Defesa da Liberdade de Criação e de Expressão dos Jornalistas o que, no seu entender, constitui uma “garantia” da liberdade de criação consagrada na Proposta de Lei de revisão do Estatuto do Jornalista.

Face à gravidade da acusação, objecto de destaque na imprensa, a Direcção do SJ esclarece o seguinte:

1. O deputado Arons de Carvalho ataca a denúncia que o SJ faz sobre as consequências da disposição da Proposta de Lei que afasta o direito de oposição dos jornalistas a alterações feitas pela sua hierarquia (Art.º 7-A, n.º 4), argumentando que a disposição imediatamente anterior (n.º 3) consagra o direito de se opor a “modificação que desvirtue as suas obras ou possa afectar o seu bom nome ou reputação” e que a omissão deste número no referido “Apelo” constitui uma “desonestidade” e uma forma de “manipular” os jornalistas e outros subscritores. O SJ repudia veementemente tais acusações, que se traduzem, além do mais, num atestado de menoridade intelectual aos jornalistas e aos outros autores que estão aderir significativamente ao documento.

2. É um facto que a disposição invocada por Arons de Carvalho consta da Proposta de Lei, mas também é verdade que a mesma é de imediato esvaziada na disposição seguinte (Art.º 7-A, n.º 4). Por outro lado, é bom lembrar que, embora não tendo sido trazida à colação no “Apelo”, também essa norma aparentemente desculpabilizadora do ataque ao direito de criação e de expressão tem sido objecto de crítica por parte do SJ, como de resto o Governo, o PS e o deputado Arons de Carvalho muito bem sabem e não podem negar. É também um facto que, na posição do SJ sobre a Proposta de Lei enviada ao Parlamento e disponível na íntegra no sítio do SJ, a Direcção do Sindicato apresentou propostas de melhoria da redacção do mesmo número 3.

3. O Sindicato tem o entendimento claro de que, com a redacção que o Governo insistiu em dar ao n.º 4 em causa , fica aberta a porta a toda a sorte de alterações, inclusive deturpações e manipulações, anulando na prática a “garantia” prevista no número anterior. Por isso, na apreciação enviada em Julho a todos os grupos parlamentares, o SJ propôs a seguinte redacção:

“Os jornalistas que desempenhem funções hierárquicas na mesma estrutura de redacção podem proceder a alterações de obras jornalísticas produzidas por jornalistas seus subordinados, exclusivamente ditadas por razões de correcção linguística ou de necessidade urgente de dimensionamento, desde que os respectivos autores não se encontrem em condições de efectuá-las ou a elas não se oponham, sendo-lhes lícito recusar (…)”

4. A ênfase dada à alegada “desonestidade” do SJ visa escamotear outra vertente da oposição à Proposta de Lei do Governo – a denúncia da cedência em toda a linha aos interesses económicos das empresas, e em particular dos grandes grupos, ao criar um regime de excepção para os jornalistas assalariados, nos termos do qual os donos dos órgãos de informação passam a ser livres de utilizar em múltiplas publicações e suportes o trabalho pago pelo único salário inicial. O Governo e o PS argumentam que essa possibilidade “só” existe pelo período de 30 dias, mas não escondem que isso se destina a alimentar a custo zero os restantes órgãos da mesma empresa ou grupo.

5. Argumenta o PS – aliás com o coro do PSD – que isso decorre da alegada inevitabilidade das alterações tecnológicas e da necessidade de rentabilizar as plataformas multimédia. Este tipo de argumentação confirma a conclusão já evidenciada pelo Sindicato: indiferentes aos direitos fundamentais postos em causa, as cedências aos interesses particulares do patronato estão mesmo em marcha! Aliás, na mesma audição, o deputado Arons de Carvalho reconheceu que, em relação aos direitos de autor, a proposta do Governo “é menos avançada do que o Partido Socialista propôs há três anos” , e tentou justificar tal recuo com “alterações tecnológicas” que, na sua óptica, “seria uma cegueira total” não ter em conta. Os jornalistas já estão habituados ao argumentário tecnológico-industrial e sobretudo financeiro com que patrões e governos, a pretexto das incomensuráveis vantagens das “auto-estradas da informação”, justificam o saque dos seus direitos. Temos pois que lhes lembrar que as auto-estradas têm portagem! E lembrar-lhes também que é com o acto criativo que nasce o direito de autor, acto esse que é independente e antecede sempre a divulgação da obra criada, seja qual for o suporte e a velocidade da sua difusão.

6. O SJ não pode deixar de contestar também a tese dos representantes do PSD, que defendem que não se justifica a atribuição do direito de autor aos jornalistas assalariados, tanto mais que abre um precedente para outros profissionais criativos reivindicarem igual direito. A vingar tal tese, isso implicaria a alteração do Artigo 38º da Constituição, retirando ao jornalista a sua liberdade de criação e de expressão, aí consagradas como garantia da liberdade de imprensa, e representaria uma inequívoca subordinação da Assembleia da República ao poder económico dos grupos multimédia.

Lisboa, 22 de Setembro de 2006

A Direcção

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