SJ quer normas gravosas e inconstitucionais fora do Estatuto

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) entregou, no dia 11 de Setembro, na Assembleia da República, um apelo aos deputados para que reapreciem todas as disposições negativas do novo Estatuto do Jornalista e adverte que o diploma contém normas que podem estar feridas de inconstitucionalidade.

No documento, endereçado especialmente aos líderes dos grupos parlamentares e aos membros da Subcomissão de Direitos Fundamentais e Comunicação Social, o SJ pede que a reapreciação parlamentar do diploma, que regressa ao plenário no dia 20, não se circunscreva às matérias tratadas na mensagem do Presidente da República.

O texto retoma (disponível na íntegra através da ligação abaixo) o essencial das críticas e propostas apresentados pelo SJ ao longo de mais de dois anos de discussão com o Governo e com o Parlamento que não foram atendidas.

Além do sigilo profissional, que o SJ aceita poder ser quebrado apenas em situações muito excepcionais de prevenção de crimes contra a vida de pessoas, o documento retoma o tema do direito de autor, que ganhou especial actualidade com o lançamento de novos jornais gratuitos.

A forma como o Decreto N.º 130/X da Assembleia da República regulamenta os direitos de autor atinge a protecção constitucional conferida ao direito de criação e de integridade e autenticidade da obra.

No capítulo do direito de autor, o SJ insiste na eliminação das normas que autorizam alterações formais aos trabalhos dos jornalistas e permitem às empresas disporem das criações dos profissionais durante 30 dias e reutilizá-las em todos os órgãos de informação que possuam ou venham a possuir.

Por outro lado, uma vez que várias disposições da lei em causa têm também implicações nas relações de trabalho que deveriam ser objecto de consulta pública pela Assembleia, o SJ entende que o diploma pode ficar ferido de inconstitucionalidade formal.

Principais questões e propostas do SJ

Sigilo profissional e protecção das fontes (Art.º 11.º, n.º 3) – A Lei deve restringir expressamente a possibilidade de revelação de fontes aos casos em que esta seja comprovadamente imprescindível para a prevenção de crime futuro contra a vida. Propôs-se a seguinte redacção: “A revelação das fontes confidenciais de informação apenas pode ser ordenada pelo tribunal, nos termos dos números 1, 2 e 4 do Artigo 135.º do Código de Processo Penal, quando comprovadamente seja imprescindível à prevenção de crimes contra a vida ou a integridade física de pessoas”.

Liberdade de criação, de expressão e de divulgação (Art.º 7.º) – A Lei deve garantir efectivamente a liberdade de criação, expressão e divulgação e proteger os profissionais dos riscos de condicionalismo. O SJ retoma a sua proposta de redacção para este artigo, cuja epígrafe deverá ser “Liberdade de criação, de expressão e de divulgação”: “A liberdade de criação, de expressão e de divulgação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações nem subordinada a qualquer tipo ou forma de censura, nem a quaisquer condicionalismos económicos, designadamente face ao poder dos accionistas, da empresa ou dos anunciantes”.

Direitos de autor (Artigos 7.º-A e 7.º-B) – A Lei não deve permitir alterações aos trabalhos sem a participação ou o consentimento dos seus autores, bem como a reutilização das obras noutros órgãos de informação sem o seu consentimento expresso e caso a caso. As alegadas necessidades de dimensionamento podem conduzir a omissões graves, afectando o jornalista em termos da sua deontologia profissional e de responsabilização civil e criminal e disciplinar. O SJ aceita apenas alterações “exclusivamente ditadas por razões de correcção linguística ou de necessidade urgente de redimensionamento, por redução do espaço que estava destinado à sua inserção no órgão de informação a cujo quadro redactorial os autores pertencem e desde que estes não se encontrem em condições de efectuá-las ou a elas não se oponham”. A livre utilização da obra jornalística, pelo prazo de 30 dias em todos os órgãos de comunicação social da empresa ou do grupo levaria a uma redução drástica da diversidade de fontes e de análises, à diminuição do pluralismo informativo e à dispensa de jornalistas. Dois direitos fundamentais (direito de autor e liberdade de imprensa) ficam seriamente atingidos por uma norma de muito duvidosa constitucionalidade. Como a norma sobre o direito de autor dos jornalistas assalariados tem implicações na relação de trabalho, o diploma deve ser apreciado em sede da Comissão de Trabalho da AR e até objecto de consulta pública, sob pena de inconstitucionalidade formal. As autorizações para reutilização de obras devem ser estabelecidas mediante contrato expressamente celebrado para esse efeito, ou através de convenção colectiva de trabalho, sendo nulas quaisquer cláusulas de cedência de obras constante de contrato individual de trabalho. Deve ser encontrada uma solução para a remuneração dos direitos de autor devidos pela reprodução de cópias dos trabalhos dos jornalistas (clipping).

Independência dos jornalistas e cláusula de consciência (Art.º 12.º) – As ordens e instruções com incidência em matéria editorial devem provir apenas de pessoa que exerça funções de direcção ou chefia na redacção a que os jornalistas estejam afectos. Assim, o SJ apresentou a seguinte proposta: “Os jornalistas devem recusar quaisquer ordens ou instruções de serviço com incidência em matéria editorial emanadas de pessoa que não exerça funções de direcção ou chefia na redacção do órgão de informação a que estejam afectos”. O SJ discorda da fórmula que pretende regular o direito dos jornalistas de opor-se à publicação de trabalhos em órgãos da mesma empresa ou grupo de cuja orientação discordam, pois transfere para eles o ónus da recusa e de enfrentar o poder (desproporcionado!) da empresa. O valor da indemnização devida em caso de denúncia do contrato por alteração unilateral da orientação editorial deve traduzir uma adequada compensação para quem se vê forçado, por indeclináveis princípios éticos, a romper uma relação de trabalho e enfrentar a incerteza de um mercado de trabalho pouco menos que inexistente. Assim, não deve ser inferior ao equivalente a três retribuições mensais por cada ano de serviço ou fracção.

Regime sancionatório (Art.º 21.º) – O SJ continua a concordar com o sistema de graduação das sanções. O jornalismo é uma actividade demasiado complexa, sofrendo a intervenção e a influência de um conjunto muito amplo e diversificado de factores e de condições objectivas e subjectivas sobre os quais é muito difícil o controlo directo e pessoal dos jornalistas, vinculados a uma dependência hierárquica e funcional muito fortes, ou seja, com baixo nível de autonomia profissional e frequentemente num quadro de precariedade e exposto ao risco de compressão de direitos e de deveres. Continua a discordar do período máximo de suspensão (12 meses), opondo-lhe metade. Adverte que a cassação temporária do título profissional pode empurrar o jornalista para a situação prevista no Código do Trabalho que representa risco de caducidade do contrato (Art.º 113.º, n.º 2), lançando o punido no desemprego. Propõe-se que se afaste expressamente a aplicação dessa disposição do Código. A previsão desta sanção deve ser apreciada na Comissão de Trabalho da Assembleia da República e mesmo submetida a consulta pública, sob pena de inconstitucionalidade formal. Deve garantir-se a exclusão automática da culpa, quando se comprove que a versão publicada não corresponde àquela que o autor quis que fosse a efectivamente conhecida do público. Assim, o SJ propôs o aditamento do seguinte número: “No caso de a imputada infracção emergir de um trabalho que sofreu alterações introduzidas pelo superiores hierárquicos, à revelia ou contra a vontade do jornalista seu autor, este não pode ser responsabilizado disciplinarmente.”

Incompatibilidades “benévolas” (Art.º 3.º, n.º 3, al. a) e b) – O SJ mantém reservas à exclusão da incompatibilidade de promoção de actividades interesse público ou de solidariedade social, devido à dificuldade na definição do limiar do real interesse público e aos riscos para a imagem de independência do jornalista e do órgão para que trabalha. Admitindo que mesmo a título verdadeiramente excepcional, essa exclusão deve depender de autorização da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Quanto à promoção da actividade informativa do órgão de comunicação social para que o jornalista trabalhe ou colabore, o SJ considera que a norma cria condições para o seu exercício forçado, conduzindo a um alargamento inaceitável do objecto do contrato de trabalho e transformando o jornalista em “pau para toda a colher”.

Acesso a fontes oficiais de informação (Art.º 8.º) – O SJ continua a insistir na necessidade de fixar na Lei mecanismos céleres que garantam o efectivo acesso dos jornalistas aos documentos da Administração Pública, pelo que insiste na proposta de aditamento um novo número: “Em caso de incumprimento da decisão da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos nos termos do número anterior, o interessado pode requerer a intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, tendo a deliberação deste órgão natureza urgente e vinculativa e incorrendo em crime de desobediência quem não a acatar”.

Habilitação de acesso à profissão (Art.º 2.º, n.º 1) – A contratação de profissionais qualificados é uma condição essencial à melhoria do desempenho das empresas e do serviço ao público, incluindo nas pequenas e médias empresas. O SJ defende a melhoria progressiva das qualificações dos jornalistas, mantendo o princípio do acesso aberto, pois um regime rígido impede a profissionalização de pessoas com conhecimentos e competências obtidos através de percursos formativos diversos. No entanto, o SJ defende como condição habilitante para o acesso à profissão a conclusão, com aproveitamento, de um curso de estágio. A fixação de habilitações literárias mínimas deve manter-se no domínio da negociação colectiva.

Direito de participação e conselhos de redacção (Art.º 13.º) – O direito de participação na orientação editorial dos órgãos de informação é estruturante da liberdade de expressão e do pluralismo e os conselhos de redacção representam a expressão concreta deste direito constitucional. O diploma não reforça adequadamente esse direito, designadamente quanto ao carácter vinculativo dos pareceres sobre designação e destituição dos jornalistas com funções de direcção e chefia, alterações ao estatuto editorial, códigos de conduta, conformidade de escritos ou imagens com o estatuto editorial e denegação do direito de resposta.

Deveres (Art.º 14) – O SJ defende o exercício responsável do jornalismo como condição para a própria liberdade de expressão, o que supõe a observância de deveres profissionais, mas tem consciência de que factores como as suas experiências e as condições de trabalho condicionam tal exercício. Por isso mantém propostas sobre algumas cautelas. Por exemplo, como o jornalista não detém efectivo poder editorial para impor a publicação da rectificação de incorrecções ou imprecisões, só pode ser exigível o dever de a promover junto da direcção; insiste-se na distinção entre atingir e ofender a dignidade das pessoas, preferindo-se a segunda expressão; e insiste-se no risco de controvérsia acerca do conceito e dos limites de “vida privada”, expressão que deve ser substituída por “intimidade da vida privada”.

Composição e competências da CCPJ (Art.º 18.º – A) – A presidência da CCPJ por um jurista e não por um jornalista exprime concepções recuadas de competência e desvaloriza a capacidade dos membros eleitos e designados de encontrarem a solução adequada. A cooptação deveria visar apenas a composição do número ímpar e não a designação do presidente. É necessário clarificar a composição da secção disciplinar que há-de “apreciar, julgar e sancionar a violação dos deveres enunciados no número 2.º do artigo 14.º”. Deve ser constituída exclusivamente pelos membros eleitos pelos jornalistas. O regulamento disciplinar deve ser objecto de escrutínio directo e não apenas de consulta, a fim de aumentar o grau de responsabilização dos jornalistas no processo. Insiste-se que, sem prejuízo do recurso para os tribunais, deve ser mantida uma instância de recurso – uma Comissão de Apelo – a fim de que se procure sanar de forma mais célere os efeitos dos diferendos e conflitos.

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