SJ preocupado com alteração à lei da CCPJ

O Sindicato dos Jornalistas (SJ), em comunicado divulgado hoje, 25 de Junho, manifesta a sua estranheza face à alteração das normas de obtenção do documento de identificação dos correspondentes locais e colaboradores que não sejam jornalistas profissionais, considerando que com essa iniciativa do Ministro da Tutela, Augusto Santos Silva, se está a abrir o caminho a uma promiscuidade inaceitável e ao descrédito da actividade informativa.

É o seguinte o texto, na íntegra, do comunicado do SJ:

Estranha alteração à lei da CCPJ

O “Diário da República” de 13 de Junho (1.ª série, n.º 113) publicou uma estranha declaração de rectificação (n.º 32-B/2008), sobre as normas de obtenção do documento de identificação dos correspondentes locais e colaboradores que não sejam jornalistas profissionais, abrindo caminho a uma promiscuidade inaceitável e ao descrédito da actividade informativa.

Com efeito, a alegada rectificação vem dizer que, na alínea d) do n.º 2 do artigo 10.º, do texto do Decreto-Lei n.º 70/2008, de 15 de Abril, onde se lê que o requerente do referido documento deve apresentar uma “declaração, sob compromisso de honra, de que não se encontra abrangido pelas incompatibilidades previstas no Estatuto do Jornalista e de que se obriga a observar os deveres inerentes à profissão”,

deve ler -se que mesmo apresentará:

uma “declaração, sob compromisso de honra, de que se obriga a observar os deveres inerentes à profissão”.

Esta alegada rectificação, que deveria limitar-se a corrigir qualquer “inexactidão” no texto publicado em DR, vem introduzir uma verdadeira alteração legislativa, na medida em que ela expurga uma parte substantivamente relevante da norma em causa.

Com efeito, os correspondentes locais, os colaboradores especializados e os colaboradores da área informativa que exerçam regularmente actividade jornalística sem que esta constitua a sua ocupação principal, permanente e remunerada, deixam de ser abrangidos pelo regime de incompatibilidades previsto no Estatuto do Jornalista (Art.º 3.º).

Por outras palavras, significa que um determinado órgão de informação pode usar a mesma pessoa simultaneamente na recolha e tratamento e apresentação de informação jornalística, isto é, vinculada a deveres éticos, e na angariação, concepção e apresentação de publicidade – só para dar o exemplo de uma incompatibilidade.

Como, do processo legislativo da última revisão do chamado Regulamento da Carteira Profissional (o citado Decreto-Lei n.º 70/2008), só conhecemos o texto do projecto enviado ao Sindicato dos Jornalistas, para consulta, em 4 de Dezembro de 2007, só uma certeza podemos ter: a de que o Governo pretendia – e bem! – que os correspondentes e colaboradores fossem abrangidos pelo regime de incompatibilidades.

O que se terá passado entretanto? Qual das duas redacções da alínea em causa constava da versão do diploma aprovada em Conselho de Ministros em 14 de Fevereiro e levada ao Presidente da República para promulgação – a que impõe o regime de incompatibilidades, ou a que afasta esse regime? Não sabemos, porque essa fase do processo legislativo é desconhecido.

Mas, também não deixa de nos causar estranheza a nota inserida no último “Fax Informativo” da Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR), e a propósito da referida rectificação, com o seguinte teor:

“Esta rectificação vem tornar desnecessária a necessidade das carteiras de colaboradores emitidas pela CCPJ estarem sujeitas ao regime de incompatibilidades dos jornalistas profissionais e ao qual se encontram também sujeitos os equiparados a jornalistas.

Tendo sido detectada pela Associação logo após a publicação do Decreto-Lei, esta situação iria tornar praticamente impossível a existência de colaboradores nas rádios locais, tendo em conta o Regime de Incompatibilidades actualmente em vigor, e aprovado aquando da última alteração do Estatuto do Jornalista.

Depois de alertado o Ministro da Tutela para esta situação, foi possível proceder à sua correcção.”

Se o ministro dos Assuntos Parlamentares mudou de opinião, por iniciativa própria ou convencido pela APR, não deveria ter procedido a uma alteração legislativa formal, com a discussão de um novo projecto de decreto-lei, a devida aprovação em Conselho de Ministros e a competente promulgação pelo Presidente da República?

E, tendo mudado de opinião, andou o ministro bem na alteração feita? A opção é muito discutível e levanta pelo menos muitas dúvidas sobre a transparência, a dignidade e a credibilidade da informação.

O que da alteração verificada resulta claramente é o risco de as empresas passarem a incumbir de actos jornalísticos angariadores e apresentadores de publicidade, induzindo no público, nas fontes de informação e nas entidades que são objecto de notícia – e de publicidade! – uma inquietante confusão de estatutos.

Sob a capa de “colaborador da área informativa de órgãos de comunicação social nacionais, regionais ou locais, que exerçam regularmente actividade jornalística sem que esta constitua a sua ocupação principal, permanente e remunerada”, pode um autarca, um deputado, um ministro, um assessor de ministro, etc. fazer “informação regular” num órgão de comunicação nacional? Com a pretensa rectificação, passa a poder.

É verdade que o Estatuto do Jornalista (Art.º 16.º) se limita a reconhecer aos correspondentes e colaboradores o direito a um documento de identificação como garantia de acesso à informação e a vinculá-los “aos deveres dos jornalistas”. Por conseguinte, não os sujeita a qualquer regime de incompatibilidades, assim como não lhes garante a protecção de qualquer sigilo profissional em todas as suas implicações (confidencialidade das fontes, buscas e apreensões).

Sendo certo que pode ser discutível que o Decreto-Lei em causa vá além do diploma habilitante – a Lei que aprova o Estatuto do Jornalista – impondo aos correspondentes e colaboradores um regime de incompatibilidades que este Estatuto não impôs, também é verdade que a pretensão da APR (aliás, antiga…) deveria ter sido devidamente ponderada em todas as suas consequências, incluindo os riscos para a imagem de independência dos jornalistas.

A alteração introduzida no diploma que estabelece as regras de organização e funcionamento da CCPJ não deixará, por outro lado, de repercutir-se na actividade concreta deste órgão, tendo em conta que – agora sim, por força do EJ – lhe cabe apreciar e sancionar as violações aos deveres dos jornalistas (Art.º 18.º- A do EJ e 4.º, alínea b) do decreto em causa).

O tema justifica a atenção dos futuros membros da CCPJ, em particular dos representantes dos jornalistas, cujo processo eleitoral está em curso.

A Direcção do SJ

Lisboa, 25.06.08

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