SJ critica proposta de lei do Governo para a televisão

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) enviou ao ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, a sua apreciação crítica ao anteprojecto da Proposta de Lei da Televisão.

O texto reitera a crítica do SJ ao facto de o Governo ter optado por “legislação avulsa” no âmbito das reformas a introduzir no sector audiovisual, em vez de ter conduzido o processo com base na “consulta prévia às organizações representativas do sector, de modo a identificar as necessidades e os problemas e gerar a discussão sobre as soluções possíveis”.

Na sua apreciação ao anteprojecto – que se encontra em ficheiro anexo a esta notícia – , o SJ tece várias críticas e apresenta sugestões, com vista à “melhoria do articulado e correcção de insuficiências ou erros”, bem como à “inversão do que pode configurar uma tendência para atribuir excessivos poderes à Entidade Reguladora para a Comunicação Social”.

É o seguinte o texto, na íntegra, do documento do SJ:

Apreciação do Sindicato dos Jornalistas ao

ANTEPROJECTO DA PROPOSTA DE LEI QUE APROVA A LEI DA TELEVISÃO

I – Introdução

O presente documento constitui a primeira apreciação do Sindicato dos Jornalistas (SJ) ao Anteprojecto da Proposta de Lei que Aprova a Lei de Televisão, enviado ao SJ pelo Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares, em 21 de Novembro de 2006.

As contribuições nele contidas não prejudicam colaborações ulteriores do Sindicato dos Jornalistas, quer com o Ministro, quer com a Assembleia da República, e nomeadamente com os grupos parlamentares, bem como, especialmente, a participação do SJ nas audições em sede de apreciação na especialidade.

II – Considerações prévias

1. O Anteprojecto secunda a aprovação, pelo Governo, da Proposta de Lei que procede à revisão do Estatuto das concessionárias dos serviços públicos de Rádio e de Televisão, a qual está, neste momento, em fase de apreciação na especialidade, na Comissão de Assuntos Constitucionais e Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República.

2. O SJ considera que o Governo deveria ter encetado um processo de discussão integrada das reformas a introduzir no panorama audiovisual, resistindo à tentação de apressar legislação avulsa, processo esse que deveria ter assentado numa consulta prévia às organizações representativas do sector, de modo a identificar as necessidades e os problemas e gerar a discussão sobre as soluções possíveis.

3. O SJ apresenta a seguir várias críticas e sugestões, com vista à melhoria do articulado e correcção de insuficiências ou erros, para alguns dos quais vem de há muito chamando a atenção dos poderes, bem como à inversão do que pode configurar uma tendência para atribuir excessivos poderes à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

4. Entre os aspectos a corrigir e a melhorar, sublinham-se as disposições relativas:

a) à definição de “televisão”, evitando que outras actividades se confundam com esta;

b) à possibilidade de celebração de protocolos entre municípios e operadores locais de televisão, dando garantias de independência;

c) à adopção de códigos de conduta, afastando-os da ratificação pela ERC;

d)à divulgação obrigatória de mensagens dos principais órgãos de soberania, propondo a sua densificação;

e) ao director do serviço de televisão, e em particular ao director de informação, insistindo na consagração concreta dessa figura, em analogia com a Lei de Imprensa;

f) às normas sobre o estatuto editorial, rejeitando a atribuição à ERC de competências para a sua apreciação;

g) ao direito de participação, com o exercício de competências dos conselhos de redacção por redacções com menos de cinco jornalistas e a eleição de conselhos nos centros regionais;

h) à inserção de mensagens publicitárias e promocionais sobre imagens dos programas em exibição;

i) à emissão de programas em língua portuguesa, com maior valorização pela concessionária do serviço público;

j) à divulgação do acervo documental da concessionária do serviço público, tendo em vista o respeito pelos direitos de autor;

k) à colaboração com organismos e serviços públicos, bem como governos e organismos das regiões autónomas, visando a independência do operador de serviço público;

l) à responsabilidade civil e criminal dos operadores e dos responsáveis pelos serviços de programas e de informação, corrigindo insuficiências do diploma em vigor;

m) às normas sobre a revogação de licenças e a suspensão cautelar de programas, quanto à medida da sanção e ao poder indevidamente atribuído à Entidade Reguladora.

É o que se procura defender a seguir.

Assim,

III – Apreciação em concreto

1. O Anteprojecto introduz um conjunto de novas definições, que se revestem de grande importância. No entanto, as definições de “serviço de programas televisivo” e de “Televisão” (respectivamente, alíneas h) e j), n.º 1, Art.º 2.º) carecem de alguma explicitação, prevenindo confusões escusadas. É o caso das transmissões destinadas a serem captadas em locais públicos como estações de Metropolitano, farmácias, centros comerciais e outros, as quais aparentam constituir “serviços de programas televisivos”, sem que seja evidente a separação entre publicidade e informação.

2. De igual modo deve ser devidamente tratada a questão da replicação de trabalhos informativos criados para televisão em sítios electrónicos não jornalísticos e noutros suportes electrónicos, como os telemóveis de terceira geração, por exemplo, interditando-se expressamente tal reutilização, uma vez que tais suportes carecem de enquadramento editorial.

3. Não se compreende que o capital mínimo exigível para a constituição de sociedades ou cooperativas destinadas à actividade de televisão mantenha os valores já em vigor, os quais eram, mesmo à data da sua consagração, manifestamente insuficientes. Trata-se de uma actividade que, pela sua complexidade, exigência técnica e volume de investimento, exige sinais mais fortes de credibilidade perante terceiros.

4. O Sindicato dos Jornalistas não opõe reservas de princípio à possibilidade de os municípios estabelecerem protocolos de colaboração com os operadores de televisão detentores de serviços de programas televisivos locais (Art.º 12.º, n.º 2). No entanto, tais protocolos devem ser celebrados mediante absolutas garantias de transparência e inquestionáveis critérios e regras de independência.

5. Nestes termos, além da deliberação das assembleias municipais tomadas por maioria qualificada de dois terços dos seus membros, o SJ propõe que a norma garanta igualmente que os protocolos:

a) Serão precedidos de pareceres dos conselhos de redacção, ou do plenário de jornalistas, no caso de redacções com menos de cinco profissionais;

b) Não poderão conter quaisquer cláusulas que possam condicionar, directa ou indirectamente, as opções editoriais dos programas informativos, em particular no que se refere à liberdade de agendamento da cobertura noticiosa de eventos do município outorgante, assim como a oportunidade e o conteúdo das iniciativas do operador;

c) Não poderão prever a emissão de programas cuja estrutura, linguagem e outros elementos enformadores possam induzir os espectadores à ideia de que se trata de programas informativos;

d) Não poderão conter quaisquer cláusulas que condicionem à apreciação do município outorgante o conteúdo prévio ou ulterior de programas informativos.

6. O SJ considera útil a consagração de normas, ainda que apenas programáticas, que incentivem a adopção de códigos de conduta (Art.º 27.º, n.º 10), mas discorda que, mesmo a título de mera faculdade, estes sejam submetidos à ratificação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Seria transformar em normativo o que pertence exclusivamente aos domínios da auto-regulação e do contrato ético-social dos operadores com o público. O que é diferente de dar publicidade a tais documentos, designadamente através da sua afixação no sítio do operador na Internet.

7. Não obstante corresponder à versão em vigor, as normas relativas à divulgação obrigatória de mensagens do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República e do Primeiro-Ministro (Art.º 30.º, n.º 1, e Art.º 51.º, m)) carecem de revisão no sentido da sua densificação. Em concreto, importa clarificar, tipificando, as situações em que se justifica, à luz do estrito interesse público, o carácter obrigatório da divulgação.

8. Na norma relativa ao “Director” (Art.º 35.º), o anteprojecto reincide numa prática do legislador muito discutível e para a qual o Sindicato dos Jornalistas já chamou a atenção, no âmbito da discussão dos vários diplomas sobre a Televisão: a de não consagrar expressamente, com exclusividade de competências e em regime de incompatibilidade com funções noutras áreas da empresa, a figura concreta do Director de Informação, ainda que a epígrafe crie essa ilusão.

9. Trata-se de uma questão muito importante, para cujo esclarecimento o Sindicato dos Jornalistas tem a obrigação institucional de contribuir, pelo que apresenta as seguintes observações e achegas:

a) Logo no n.º 1, na citada norma, o anteprojecto, como a lei em vigor, estabelece que “cada serviço de programas televisivo deve ter um director responsável pela orientação e supervisão do conteúdo das emissões”, sem precisar o âmbito das competências.

b) Trata-se da “orientação e supervisão” de programas não informativos e de programas informativos? Ou apenas da programação não informativa? Estará este director para os serviços de programas televisivos na mesma posição dos directores para as publicações periódicas? Neste caso, com as mesmas competências e responsabilidades?

c) O SJ entende que se deve discutir a natureza e as consequências dessa “orientação e supervisão”, designadamente ao nível das competências concretas e das formas de responsabilidade, a exemplo do que acontece – e bem – na Lei de Imprensa, na qual o Director emerge como órgão da empresa jornalística e com um conjunto de competências muito claro (Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, artigos 19.º e 20.º, especialmente).

d) No n.º 2, estabelece-se que, no caso de um serviço de programas incluir “programação informativa”, este “deve ter um responsável pela informação”, mas não se definem a sua designação (Director, Chefe de Redacção, etc.) e o respectivo posicionamento hierárquico face ao responsável pela restante programação.

e) O SJ não é aliás o único a chamar a atenção para a insuficiência da norma e até para a ambiguidade da sua redacção. Com efeito, ao comentar a redacção dada aos artigos 31.º da Lei da Televisão, Arons de Carvalho e outros anotam: “Exige-se um responsável pelo conteúdo das emissões, mas não se regulamenta a sua forma de designação nem o seu elenco de competências. Nada impede que o director responsável pelo conteúdo das emissões seja igualmente o responsável pela informação (…) O responsável pela informação pode não ter a categoria de director, embora no Art.º 65.º, n.º 3, sobre os eventuais responsáveis por crimes perpetrados através da televisão, a lei se refira aos directores, neles incluindo os responsáveis pela informação” (Alberto Arons de Carvalho, António Monteiro Cardoso e João Pedro Figueiredo, “Legislação Anotada da Comunicação Social, Casa das Letras, 2005, pág. 148). Sublinhe-se, de passagem, que a situação é mais controversa na Lei da Rádio (Art.º 37.º), mas a ela aludiremos noutra oportunidade.

f) A não ser consagrada a figura de um Director com o estatuto equivalente ao dos directores das publicações periódicas, deve ser expressamente consagrada pelo menos a figura do Director de Informação, portanto um jornalista responsável pela programação informativa, justamente com tal nomenclatura e não com a designação “responsável” que tem permanecido nas várias versões da Lei da Televisão e que o Anteprojecto em apreço mantém.

10. Uma vez que todos os operadores dispõem hoje de sítios próprios na Internet, seria útil acrescentar à obrigação de publicitação do estatuto editorial numa publicação periódica de grande circulação (Art.º 36.º), a obrigação de o manter afixado no respectivo sítio.

11. O SJ discorda em absoluto da inovação, introduzida na parte final da norma sobre os procedimentos de elaboração, aprovação e comunicação do estatuto editorial (n.º 2 do Art.º 36), pois entende que deve ser mantida a formulação em vigor, isto é, o referido estatuto é enviado à entidade reguladora apenas para conhecimento. Submetê-lo à apreciação desta seria submeter um instrumento de auto-regulação (da empresa jornalística e dos jornalistas ao seu serviço) à aprovação de um órgão de regulação, permitindo-lhe imiscuir-se na liberdade de orientação editorial dos serviços de programas televisivos.

12. Embora o Estatuto do Jornalista preveja que nas redacções com menos de cinco jornalistas as competências dos conselhos de redacção sejam exercidas pelo plenário de profissionais (Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, Art.º 13, n.º 3), seria útil a consagração da mesma fórmula no Art.º 38.º do Anteprojecto em apreço.

13. Por outro lado, e ainda em referência à mesma norma, tendo em conta que nomeadamente nos casos do operador de serviço público já existem serviços de programas autónomos ou com elevado grau de autonomia regional, deve ser consagrado o direito de eleger conselhos de redacção próprios nos centros regionais.

14. Embora a forma de inserção da publicidade na televisão esteja regulada no Código da Publicidade e de o anteprojecto de diploma impor que a publicidade televisiva só deve ser inserida entre programas ou durante os mesmos, desde que não atente contra a integridade destes e tenha em atenção as suas interrupções naturais (Art.º 40.º), a verdade é que há operadores que colocam mensagens publicitárias ou promocionais sobre as imagens de programas em exibição.

15. Nesse sentido, será importante que o legislador introduza neste artigo, ou num artigo autónomo, uma norma que interdite a colocação de mensagens publicitárias ou promocionais sobre as imagens dos programas em exibição, ou seja fora dos intervalos dos mesmos.

16. O SJ considera positivo o aumento de quotas obrigatórias de difusão de programas originariamente em língua portuguesa (Art.º 44, n.ºs 2 e 3), aplicável ao conjunto dos operadores, mas defende que, tendo o operador de serviço publico responsabilidades acrescidas, devem tais quotas ser superiores e bem precisas, em lugar da formulação subjectiva “percentagem considerável” utilizada na alínea g) do artigo 51.º.

17. O SJ saúda o regresso do segundo canal generalista ao serviço público de televisão (Art.º 52.º, n.º 3, alínea b) e a inversão da lógica encetada pelos anteriores Executivos relativamente aos centros regionais dos Açores e da Madeira (alínea c).

18. A divulgação do acervo documental dos arquivos audiovisuais da concessionária do serviço público (Art.º 52.º, n.º 5, b) constitui uma medida positiva, mas deve ser rodeada de cautelas designadamente em matéria de direitos de autor.

19. A participação de “entidades públicas ou privadas com acção relevante” (Art.º 54.º, n.º 2) pode revestir interesse para o enriquecimento do segundo serviço de programas generalista do serviço público de televisão, mas é necessário definir critérios gerais que tornem transparente tal participação.

20. O SJ discorda do carácter imperativo da norma relativa à colaboração entre a concessionária do serviço público e os restantes operadores (Art.º 55.º, n.º 2), sendo aconselhável um carácter facultativo e manifestamente importante a adopção de mecanismos que evitem que os serviços de programas de âmbito internacional se transformem em meros repositórios de programas de pendor excessivamente comercial.

21. Ainda em relação à mesma disposição, o SJ apresenta reservas à colaboração de “organismos e serviços públicos”, a qual deve ser objecto de normas específicas que garantam não só o relevante interesse público de tal colaboração, mas também, a absoluta independência da concessionária face aos mesmos organismos e serviços públicos.

22. A discordância e a cautela expostas nos números 13 e 14 aplicam-se igualmente à colaboração a estabelecer com os governos e organismos das regiões autónomas (Art.º 56.º, n.º 2).

23.O SJ adverte para os riscos de indefinição que podem advir da redacção da norma relativa ao poder de recusa de emissão do direito de resposta (Art.º 68.º, n.º 1). A norma deve remeter expressamente para o director de informação, ouvido o conselho de redacção – em analogia com o disposto na Lei de Imprensa (Art.º 26.º, n.º 7).

24. Relativamente à responsabilidade civil (Art.º 70.º), o SJ discorda da fórmula encontrada pelo legislador para responsabilizar solidariamente os operadores e os responsáveis pela transmissão de programas gravados (n.º 2). Embora pretenda instituir um regime gravoso, por a pré-gravação permitir aos responsáveis oporem-se à sua emissão, a verdade é que a redacção em vigor – e que no anteprojecto se mantém – afasta a responsabilização por ilícitos cometidos em transmissões em directo. Trata-se de conformar as garantias com a prática do recurso crescente ao “directo”.

25. Por conseguinte, os operadores de televisão devem responder solidariamente pelos danos com os autores e responsáveis pela transmissão de todos os programas, com excepção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena e do direito de resposta, em que a responsabilidade cabe exclusivamente aos titulares do direito exercido.

26. Quanto à responsabilidade criminal (Art.º 71.º), o SJ considera que o regime proposto para a responsabilização do director (n.º 3), aliás mantendo a redacção em vigor, abre o caminho à fácil exoneração do mesmo, quando é certo que não se vê qualquer hipótese de um programa ser emitido sem conhecimento do director ou de quem, em cada momento, o substitua.

27. O SJ entende que o director de informação, no caso de programas informativos, e o director de programação, nos restantes casos, bem como os respectivos substitutos legais que concretamente os substituam, devem responder criminalmente quando não se oponham à prática dos crimes referidos no n.º 1, através de acções adequadas a evitá-los.

28. Em relação às normas sobre revogação de licença (Art.ºs 79.º e 82.º), não faz sentido a cominação de revogação da licença no caso de negação do direito de antena, pois o mesmo é assegurado pelo serviço público, bem como quanto ao mesmo serviço público no caso de violação aos limites à liberdade de programação, assim como não se compreende que a violação do direito ao visionamento prévio, no caso de direito de resposta (Art.º 66º, nº1) justifique tamanha sanção.

29. Também não se compreende a remissão que o Art.º 82º faz para o Art.º 62, n.º 2 (este artigo nem n.º 2 tem).

30. É excessiva a sanção de revogação da licença nos casos referidos nos números 4 e 5 do mesmo artigo – e mais ainda se tal revogação for decidida pela ERC e não pelo Tribunal. Seria suficiente a aplicação de coimas pesadas.

31. O SJ considera positiva a correcção, proposta no Anteprojecto, às disposições relativas à suspensão cautelar da transmissão (Art.º 85.º), limitando a adopção da medida aos casos de contra-ordenação muito grave e não, como decorre do diploma em vigor, de simples infracção.

32. No entanto, já repugna aceitar que qualquer entidade a não ser um tribunal possa ordenar a suspensão cautelar imediata de um programa ou serviço de programas, em virtude de contra-ordenações (ainda Art.º 85.º e também Art.º 86.º). Seria mais consentâneo com a Constituição da República que a decisão de suspensão fosse decidida pelo Tribunal, mediante requerimento da entidade reguladora.

Lisboa, 5 de Janeiro de 2007

A Direcção

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