SJ considera urgente esclarecimento do “caso Marcelo”

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) considera necessário esclarecer com urgência os motivos que levaram Marcelo Rebelo de Sousa a pôr termo à sua colaboração com a TVI, na sequência da intervenção do ministro dos Assuntos Parlamentares, Rui Gomes da Silva.

Em comunicado divulgado a 6 de Outubro, o SJ exorta o ministro Gomes da Silva a retractar-se das acusações feitas a Marcelo Rebelo de Sousa e pede a intervenção da Alta Autoridade da Comunicação Social e da Assembleia da República em defesa da liberdade de expressão.

É o seguinte o texto, na íntegra, do comunicado do SJ:

O SJ e o “caso” Marcelo Rebelo de Sousa

1. O Sindicato dos Jornalistas encara com profunda preocupação as afirmações do ministro dos Assuntos Parlamentares, Rui Gomes da Silva, relativas ao espaço de opinião semanal de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, o desafio feito por este membro do Governo à Alta Autoridade para a Comunicação Social e o que parece constituir o desfecho desta forma de pressão sobre a mesma estação de televisão, verificado hoje mesmo com o anúncio da extinção daquele espaço.

2. Independentemente de se considerar que os espaços de comentário na generalidade dos órgãos de informação – públicos ou privados – nem sempre reflectem a diversidade de análises, opiniões e propostas dos mais variados campos existentes na sociedade portuguesa, são inaceitáveis os termos em que o referido governante investe contra a rubrica em causa.

3. O que poderia ser uma crítica do senhor ministro, e, portanto, constituir um exercício legítimo de opinião, representou um grosseiro remoque completamente estranho aos mais elementares princípios da liberdade de expressão.

4. Ao desafiar a AACS a pronunciar-se sobre a alegada ausência de contraditório num espaço que é de opinião, no qual, por definição, o contraditório não existe, sem prejuízo do recurso ao direito de resposta ou até de procedimento judicial por pessoas eventualmente ofendidas, o mesmo governante evidencia um preocupante desconhecimento sobre a natureza e o funcionamento dos média em democracia.

5. Ao estranhar o alegado silêncio da AACS sobre um espaço que em nada se compara com o modelo da rubrica de debate político na RTP em relação ao qual aquele órgão independente se pronunciou em 2002, o mesmo governante exerce sobre ela uma pressão inaceitável.

6. Mas o que preocupa mais ainda o SJ é a evidência de que o governante em causa não está sozinho no ataque à expressão livre da opinião, sendo acompanhado por estruturas de grande responsabilidade e expressão interna ao nível do principal partido da maioria.

7. Os factos referidos são da maior relevância quando está na ordem do dia a constituição de uma nova entidade reguladora e quando se multiplicam notícias acerca da criação de estruturas governamentais destinadas à preparação da propaganda a fazer passar pelos média, bem como as relativas às dissenções internas quanto à estratégia de comunicação governamental.

8. Neste contexto, o SJ:

a) Considera que o ministro dos Assuntos Parlamentares deve retractar-se publicamente das declarações por si proferidas acerca do espaço de comentário e opinião de Marcelo Rebelo de Sousa;

b) Exorta o Governo e a Direcção Nacional do Partido Social Democrata a esclarecerem publicamente se acompanham as declarações do ministro em causa;

c) Considera que o Governo e a maioria parlamentar devem esclarecer se o seu projecto de nova entidade reguladora prevê a intervenção em domínios como os espaços de opinião;

d) Exorta os partidos da maioria parlamentar e o Partido Socialista a tornarem público os termos do acordo relativo à aprovação, na Assembleia da República, da nova entidade reguladora;

e) Recorda o seu direito a participar na discussão do diploma relativo à nova entidade reguladora.

9. O anúncio feito esta tarde de que Marcelo Rebelo de Sousa deixa de colaborar com a TVI, na sequência de uma conversa com o presidente da Media Capital deixa o SJ ainda mais preocupado, na medida em que, mesmo desconhecendo-se o conteúdo de tal reunião, é lícito considerar que o facto objectivo – a renúncia à colaboração – pode suscitar a ideia de cedência a pressões ilegítimas sobre os meios de informação.

10. O SJ considera urgente o cabal esclarecimento das razões e das circunstâncias que levaram à alegada renúncia do comentador, de forma tão abrupta quanto inesperada e no contexto em que ocorre.

11. Ao mesmo tempo que exorta os jornalistas da TVI a reflectirem sobre os factos agora verificados e as suas consequências para a liberdade de expressão, o Sindicato dos Jornalistas renova o seu apelo aos jornalistas em geral, aos poderes públicos e à sociedade para que avaliem as condições em que presentemente se produz e difunde informação em Portugal e as consequências do controlo do sector por grandes grupos de média.

12. Finalmente, não obstante a TVI ser uma empresa privada, o SJ entende que:

a) A Alta Autoridade para a Comunicação Social deve pronunciar-se com carácter de urgência sobre o comportamento do ministro dos Assuntos Parlamentares e da Administração da TVI;

b) A Subcomissão dos Direitos Fundamentais e Comunicação Social da Assembleia da República deve chamar o referido governante e o presidente da Media Capital, a fim de apurar a existência de pressões do primeiro e de ingerência ilegítima do presidente da Media Capital.

Lisboa, 6 de Outubro de 2004

A Direcção

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