Relação de Lisboa confirma absolvição do Conselho Deontológico no «caso Rui Fino»

O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, no dia 15 de Janeiro, a absolvição dos membros Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas (SJ) no processo que lhe fora movido pelo antigo director-adjunto do Jornal da Madeira, severamente criticado pelo CD por ter identificado, por vingança, uma fonte confidencial.

O processo remonta a 1999, quando o CD tomou posição pública sobre um editorial do Jornal da Madeira onde o seu director-adjunto, Rui Nogueira Fino, identificava claramente um deputado do PS madeirense como fonte confidencial do jornal, onde «conspirava contra os seus correligionários».

A revelação era feita porque o referido deputado do PS/M teria aproveitado Dia Mundial da Liberdade de Imprensa para criticar o Jornal da Madeira pela perseguição que então era movida ao presidente da Direcção Regional da Madeira, Ricardo Chega, que, nesta qualidade, também criticara o jornal onde trabalhava.

O CD considerou o comportamento de Rui Fino como um dos «mais indignos» de um jornalista e defendeu que o Jornal da Madeira deveria demiti-lo das funções. Segundo o CD, se Rui Fino fosse sócio do SJ, proporia um processo disciplinar com vista à sua expulsão. Tendo verificado que Fino já havia perdido a condição de associado por excesso de quotas em atraso, o CD anunciou que iria propor ao Conselho Geral que aquele jornalista fosse considerado persona non grata se alguma vez tentasse regressar ao SJ.

O CD, presidido por Oscar Mascarenhas, integrava os jornalistas Luís Miguel Viana, Alberto Serra, António Pedro Ferreira e José Peixe, este último eleito por outra lista e incluído pelo método de Hondt, na primeira e até agora única experiência de um CD composto por mais de uma lista.

A 14 de Maio de 1999, o CD emitiu o seguinte comunicado:

«Na sua edição de hoje, o Jornal da Madeira inclui uma “Nota do Dia”, da autoria do seu Director Adjunto, Rui Nogueira Fino, onde, a propósito da intervenção de um parlamentar regional, se lê:

“Então não é que um intrépido deputado socialista se atirou ao JM por causa de uma questão que não conhece e que erradamente relacionou com a liberdade de expressão! O facto é verdadeiramente de pasmar. Porque o deputado da ‘estória’ é exactamente o mesmo que, não há muito tempo, conspirava contra os seus correligionários, a coberto de um anonimato que só a si convinha. E o JM é o mesmíssimo jornal que deu guarida às informações que o dito cujo passava, ocultando-lhes a proveniência, não fosse o directório a que agora pertence penalizá-lo.”

«Estamos, portanto, perante um dos comportamentos mais indignos de um jornalista: o desrespeito pelo sigilo profissional e a revelação das fontes com o explícito objectivo da vindicta e do desforço. Isto para além de revelar o nebuloso processo “jornalístico” de dar guarida a “conspirações” de políticos “contra os seus correligionários” a coberto do anonimato!

«O nº 6 do Código Deontológico estipula claramente que “o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação”. Além disso, o Estatuto do Jornalista, no nº 2 do seu artigo 11º determina que “os directores de informação dos órgãos de comunicação social e os administradores ou gerentes das respectivas entidades proprietárias, bem como qualquer pessoa que nelas exerça funções, não podem, salvo com autorização escrita do jornalista envolvido divulgar as suas fontes de informação.”

«É intolerável para a dignidade dos jornalistas e da informação que um jornalista, para mais com responsabilidades de direcção, se permita denunciar uma fonte confidencial de informação com o intuito de a prejudicar.

«O Conselho Deontológico do SJ decidiu propor a instauração de um processo disciplinar ao associado Rui Nogueira Fino, com a intenção de expulsá-lo do Sindicato. No entanto, dado que o referido jornalista não paga quotas há cinco anos, foi considerado ipso facto expulso. Em todo o caso, o Conselho Deontológico decidiu apresentar, na próxima reunião do Conselho Geral do SJ, uma proposta no sentido de que Rui Nogueira Fino seja considerado persona non grata pelo Sindicato dos Jornalistas, de modo a que não seja readmitido no Sindicato.

«Quanto à empresa do Jornal da Madeira, resta apenas um caminho para preservar a dignidade daquele jornal: afastar, de imediato, Rui Nogueira Fino das funções de direcção.»

Apresentada queixa-crime contra os cinco membros do CD, a juíza de instrução do processo entendeu que não havia matéria para acusação e mandou arquivar.

Surpreendentemente, após recurso, a 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa mandou pronunciar e julgar os membros do CD.

Depois de numerosas – e dispendiosas – deslocações à Madeira, o Tribunal do Funchal absolveu, a 10 de Janeiro de 2006, os membros do CD.

A decisão mereceu recurso para a 5.ª Secção do Tribunal da Relação e o acórdão unânime, datado de 15 de Janeiro de 2008, voltou a absolver – desta vez em definitivo – os membros do CD.

Além de decidir que Rui Nogueira Fino identificara, de facto, uma fonte confidencial e de corroborar a indignidade profissional do acto, o Tribunal da Relação reconheceu a total legitimidade do CD para se pronunciar sobre actos profissionais praticados por sócios e não sócios do SJ – na sua missão de defesa da profissão de jornalista.

No acórdão, cujo relator foi o desembargador Ricardo Cardoso e obteve a concordância de Filipa Macedo e Emídio Francisco Santos, o Tribunal da Relação foi ainda mais «duro» do que o CD na definição de persona non grata proposta para Rui Fino.

Lê-se no acórdão:

«A adjectivação do comportamento do assistente como “indigno” para um jornalista funda-se na demonstrada violação dos seus deveres profissionais, agravada pela responsabilidade de ser director-adjunto, o que implicaria um juízo de indignidade para poder integrar o Sindicato, sendo legítimo ao Conselho Deontológico propor ou recomendar que fosse considerado persona non grata, ou seja, pessoa indesejável por falta de cumprimento dos princípios estatutários e deontológicos da profissão cujo prestígio feriu com o seu comportamento por, com o mesmo, ter desprestigiado e descredibilizado pública e gravemente, descrevendo o exercício da profissão dos jornalistas como um processo político conspirativo, no qual as notícias seriam utilizadas não para informar, mas como obscuras armas de arremesso da luta política, até entre correligionários (…).

«Tais comportamentos e concepções do exercício da profissão de jornalista reveladas pelo recorrente [Rui Fino], são indignos e incompatíveis com as exigências de escrupuloso cumprimento das regras e deveres de objectividade, isenção, imparcialidade, transparência e lealdade de procedimentos e honradez dos compromissos e deveres de confidencialidade, sigilo e reserva das fontes, pelo que a sua consideração como persona non grata surge justificadamente fundamentada, sendo utilizada com desassombrada propriedade e medida proporção (uma vez que o recorrente se desviou do dever de objectividade e, em vez de criticar as ideias expostas pelo deputado visado, se serviu da relação de confidencialidade profissionalmente estabelecida com o visado para lhe dirigir ataque pessoal e soez).

«Persona non grata é aquela que se tem por indesejável, por não obedecer aos princípios ética e deontologicamente incontroversamente aceites pelo grupo a que pertence, uma pessoa sem moral, que não reconhece a validade das normas que disciplinam o comportamento socialmente exigível de determinado grupo, e por isso é declarada indigna de voltar a integrar o sindicato dos profissionais cujo estatuto (de jornalista) não respeita.»

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