Redacção do DN rejeita Fernando Lima

A nomeação de Fernando Lima, ex-assessor do ministro Martins da Cruz, para director do “Diário de Notícias” foi rejeitada num plenário de redacção daquele órgão, com 86 votos favoráveis, quatro contra e dez abstenções.

Apesar de os jornalistas entenderem que o percurso profissional de Fernando Lima, primeiro na assessoria de imprensa de Cavaco Silva, depois na de Martins da Cruz, “o afasta de forma clara do perfil exigido ao líder executivo de um projecto de comunicação social como o ‘Diário de Notícias'”, Fernando Lima deve entrar em funções dia 3 de Novembro, com o aval da administração.

Já antes o Conselho de Redacção do “DN” dera um unânime parecer negativo, dado estar céptico face à nomeação de Fernando Lima. Em reacção, o “Diário de Notícias” de 29 de Outubro publicou um comunicado do Conselho de Administração declarando que a independência, a isenção e o rigor do jornal dependem “da consciência e do profissionalismo de cada jornalista individualmente e da redacção no seu conjunto”.

A moção de crítica e censura aprovada em plenário foi entregue ao presidente do conselho de administração da Lusomundo Media, Henrique Granadeiro, e deverá ser publicada dia 31 no próprio jornal.

É o seguinte o texto integral da moção aprovada no plenário da Redacção do “Diário de Notícias”:

Caros colegas,

Decidimos convocar esta reunião para, todos juntos, reflectirmos sobre o delicado momento que o Diário de Notícias atravessa. Os elementos do Conselho de Redacção foram confrontados na passada sexta-feira pelo presidente do Conselho de Administração do DN, Henrique Granadeiro, com um movimento de reestruturação da direcção do jornal, que passava pela nomeação de Mário Bettencourt Resendes para director-geral de publicações do grupo mas, sobretudo, pela indigitação do jornalista Fernando Lima como novo Director de Redacção do DN. Na prática, como novo número um diário da feitura do jornal.

Imediatamente o Conselho de Redacção decidiu agir. Reunidos logo nessa tarde, emitimos um comunicado em que ficou clara a enorme apreensão que o nome de Fernando Lima nos causava. Pelo facto de ter exercido o cargo de assessor de imprensa junto de Martins da Cruz no Ministério dos Negócios Estrangeiros, até há cerca de três semanas, transitando desta forma directamente de um cargo de assessoria (por lei, incompatível com a actividade jornalística) na dependência directa do Governo, para a direcção executiva de um jornal nacional com o prestígio e a história do Diário de Notícias. Um prestígio pelo qual, dia a dia, os jornalistas do DN zelam e cuidam. Além disso, o mesmo Fernando Lima já tinha anteriormente, durante os anos de Governo de Cavaco Silva, exercido semelhante cargo de assessoria de imprensa junto do então primeiro-ministro.

No dia útil que se seguiu, segunda-feira passada, os membros eleitos do CR reuniram durante cerca de duas horas com o indigitado Fernando Lima. Nesse encontro foram-lhe expostas, reiteradamente, as reservas sentidas quanto ao seu nome e à governamentalização do título que essa nomeação indiciava – e que é contrária ao estatuto editorial do DN.

Nessa reunião, Fernando Lima explanou algumas das ideias que pretende levar à prática. Reconhecendo ter sobre ele «um anátema» pelo facto de ter sido assessor de imprensa, garantiu no entanto «não aceitar que um político diga a um jornalista quais são as regras». Prometeu «rigor» no trabalho e disse ser um «team player», utilizando palavras como «diálogo» e «bom senso». Salientou ainda que o princípio da independência do jornal deve ser realizado «todos os dias, por todos os jornalistas». Garantiu ainda: «Não devo nada a ninguém».

«Trago respeito, diálogo, um estímulo permanente. Quero um compromisso de lealdade e trabalhar com todos», asseverou.

Em relação á linha editorial do DN, disse pretender «recolocá-lo na linha da credibilidade».

Ouvidas as ideias e colocadas todas as questões que os elementos do CR entenderam necessárias, o CR decidiu, por unanimidade, dar parecer negativo à indigitação de Fernando Lima como director de redacção do DN.

Ontem , o Conselho de Administração do jornal entendeu confirmar o nome de Fernando Lima, nomeando-o como novo director de redacção do DN.

É neste ponto que estamos e é daqui que parte a nossa discussão.

E é aqui que os membros eleitos do CR entendem dever fazer um apelo solene aos colegas. A todos os colegas. A redacção deve manter-se unida na crítica e na discordância face ao nome do novo director, que entendemos não ser o nome indicado para os desafios que se colocam diariamente ao jornal, ainda para mais nesta fase tão crítica da vida do Diário de Notícias.

Não devemos, sublinhamos, não devemos, deixar-nos dividir ou envolver em querelas internas que só nos enfraquecem. A redacção deve aparecer como um todo, unida, forte, coesa e crítica. Como um todo para dentro da estrutura da empresa e como um todo para fora (e muitos são os que olham para nós neste momento).

Por isso é absolutamente essencial separar as questões. Estamos aqui, e é isso que nos deve mobilizar, para que todos se pronunciem sobre a entrada de Fernando Lima e o que deve ser feito em relação a isso. Tão só, e já não é pouco.

Que não se entenda, nesta altura, uma posição contrária à entrada de Fernando Lima como um voto de confiança à linha editorial seguida nos últimos tempos. Mas, por outro lado, que tão pouco se entenda dever-se de alguma forma facilitar esta mudança agora imposta com o argumento de que não se gosta muito da forma como o jornal está.

Sejamos claros. Desde há um ano que o CR se tem mostrado activo em relação ao rumo actual do DN. Por variadíssimas vezes ( e os comunicados que fomos emitindo são disso prova cabal) temos sido críticos em relação à linha editorial seguida. Exemplos: a governamentalização do jornal, a tabloidização do jornal, a sua descaracterização e consequente perda de credibilidade juntos dos leitores. Tudo isso temos vindo a dizer.

Temos sido críticos quando temos de ser críticos. Mas não confundamos os planos. Não é esta a hora de se discutir o rumo actual do jornal. Este é o momento de cerrarmos fileiras e de mostrarmos a quem duvidasse que a redacção do DN está viva, está atenta e que não deixará de lutar pela credibilização e pelo crescimento do Diário de Notícias.

É o momento de dizer «não queremos ir por aí».

DESSA FORMA, PROPÕE O CR AO COLECTIVO DOS NOSSOS COLEGAS QUE APROVE O SEGUINTE TEXTO:

A REDACÇÃO DO DN, REUNIDA QUARTA-FEIRA 29 DECIDE APROVAR UMA MOÇÃO CRÍTICA E DE CENSURA À NOMEAÇÃO DE FERNANDO LIMA COMO DIRECTOR DE REDACÇÃO DO DN, POR ENTENDER QUE O SEU PERCURSO PROFISSIONAL DE ASSESSORIA DE IMPRENSA DE CAVACO SILVA, PRIMEIRO, E MARTINS DA CRUZ, MAIS RECENTEMENTE, O AFASTA DE FORMA CLARA DO PERFIL EXIGIDO AO LÍDER EXECUTIVO DE UM PROJECTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO O DIÁRIO DE NOTÍCIAS – ÓRGÃO DE REFERÊNCIA NO PANORAMA DA IMPRENSA PORTUGUESA E QUE SE DEVE PAUTAR PELA INDEPENDÊNCIA FACE AOS PODERES POLÍTICOS. A TODOS OS PODERES POLÍTICOS.

LISBOA, 29 DE OUTUBRO DE 2003.

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