Queixa por alegado uso indevido de obra intelectual

Conselho Deontológico

Queixa nº 1/Q/2021

Assunto

Queixa de Henrique Teixeira Brederode de Brito Gomes contra alegado uso indevido de obra intelectual da sua autoria por parte do Diário de Notícias da Madeira.

Queixa

  1. No dia 16 de maio de 2021, foi o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas contactado por Henrique Teixeira Brederode de Brito Gomes, queixando-se de uso indevido de obra intelectual da sua autoria por parte do Diário de Notícias da Madeira.
  2. Henrique Gomes explicou que, tendo assistido, no dia 2 de fevereiro, “a um insólito acidente onde um carro num parque de estacionamento caiu para o nível inferior ficando em cima de outro carro”, o seu “instinto de jornalista fez com que documentasse a situação através de fotografias”, que enviou em anexo à sua comunicação, e que, depois “voluntariamente” publicou “num grupo público na rede social Facebook”.
  3. Relatou o queixoso: “Fiquei surpreendido quando ao fim do dia verifiquei que o Diário de Notícias da Madeira usou na sua página online[1] a minha fotografia (para além de outras) sem nenhum tipo de pedido ou autorização para o fazer (prática muito comum deste matutino, pois é mais barato ir roubar fotografias à internet do que contratar profissionais para o fazer).” Henrique Gomes relata que “imediatamente” comentou na notícia que não tinha dado a respetiva autorização, esperando pela resposta, “que não veio”. Acrescentou: “Então, enviei um mail diretamente ao Diário pedindo um pagamento pela utilização da minha obra intelectual. O resultado foi que, apesar de reconhecerem o erro e admitirem que não o deveriam ter feito, recusaram efetuar algum tipo de pagamento tendo apenas apagado a fotografia, apesar de esta ter estado online vários dias.”
  4. De todos os passos e documentos o queixoso remeteu cópias e imagens. No primeiro email, enviado ao jornal a 5 de fevereiro, este escreve que tentou contactar o jornal diversas vezes através das redes sociais, sem sucesso. Esse mesmo e-mail merece resposta do jornal no próprio dia, explicando o editor executivo que não foi possível identificar “a origem, proveniência ou autoria da mesma”, tendo o jornal confirmado a veracidade dos factos retratados. O jornal diz que irá incluir a identificação da autoria na peça digital e acrescenta um pedido de desculpas. Ainda nesse mesmo dia, Henrique Gomes exige o pagamento pela utilização da fotografia, o que leva o jornal a informar que a foto será eliminada e reconhecendo que foi “um erro inseri-la”. O queixoso volta a insistir na exigência de pagamento.

Procedimentos

  1. Porque a queixa de Henrique Gomes chegou em período de transição de mandatos no CD, em resultado das eleições, entretanto realizadas, o que atrasou a sua análise [e disso foi o queixoso informado], decidiu o CD, ao iniciar os procedimentos, voltar a contactar Henrique Gomes para saber de eventuais desenvolvimentos que tenham ocorrido, o que aconteceu a 7 de junho.
  2. No mesmo dia seguiram quatro perguntas ao cuidado do diretor do Diário de Notícias da Madeira, que pretendiam saber qual é a prática habitual do jornal relativamente à autoria de fotos encontradas nas redes sociais e em que é que este caso foi ou não diferente. Qual a prática habitual no Diário de Notícias da Madeira relativamente ao uso e eventual pagamento de fotos encontradas nas redes sociais e em que é que este caso foi ou não diferente? Como avaliam o caso globalmente, tendo em vista eventuais ilações futuras em casos semelhantes? E o que é que o Diário de Notícias da Madeira poderia ter feito de diferente, tendo também em vista a troca de mensagens com o autor?
  3. Uma semana depois, mediante a ausência de resposta por parte do diretor do Diário de Notícias da Madeira, e tendo em conta a necessidade de serem ouvidas ambas as partes, entendeu o CD insistir e reenviar as perguntas.
  4. A 15 de junho o diretor do Diário de Notícias da Madeira, Ricardo Miguel Oliveira, solicitou o envio da cópia da queixa (possibilidade prevista no regulamento do CD) e a identificação do(s) jornalista(s) alvo(s) da mesma. Nesse mesmo dia foi enviada a queixa, tendo sido explicado que ela não visava nenhum jornalista em concreto, mas o órgão de comunicação.
  5. Finalmente, a 23 de junho chegaram as respostas do diretor do Diário de Notícias da Madeira. Aí se explica que o jornal “apenas recorre a fotografias das redes sociais ou provenientes por correio electrónico quando pela sua relevância podem ser notícia ou complementá-la”. Acrescenta-se que: “Por norma ética, quando a origem da fotografia está identificada, pedimos autorização prévia ao autor ou autores, usando-a apenas se for obtido o devido consentimento. Quando não está, como foi o caso e devidamente comunicado ao queixoso, colocamos DR. Contudo, pergunto: os meios de comunicação social em Portugal usam do mesmo procedimento quando a meio de texto nas plataformas digitais incorporam os códigos de posts?”. O diretor do jornal informa ainda que “Por princípio e atendendo à relação de proximidade com a população, muito cooperante com a missão de informar, raramente alguém pede qualquer compensação e nalguns casos até nos enviam antes de publicação nas redes. Nos restantes casos, o Diário de Notícias da Madeira negoceia conforme a relevância que uma fotografia pode ter, embora raramente tal aconteça.” Solicitado a fazer uma análise global do caso, Ricardo Miguel Oliveira admite: “Estamos sempre a aprender, embora em matéria deontológica todos os jornalistas desta casa conheçam bem as regras, não só presentes no Código Deontológico, mas também no nosso Livro de Estilo e Código de Conduta. Mas a troca de mensagens com o queixoso é elucidativa da nossa boa-fé e prontidão na resposta. Nem uma hora passou sobre o primeiro e-mail. Como a fotografia não era determinante, pois a peça tinha várias imagens com maior resolução, o editor executivo Ricardo Duarte Freitas achou por bem removê-la, o que foi comunicado prontamente ao queixoso, depois deste recusar o que exigia, a devida identificação da fotografia, tendo optado por solicitar ser ressarcido por algo que não comprámos.” O diretor do jornal garante que a publicação se prontificou “a negociar um valor razoável para os escassos minutos em que a fotografia em causa” esteve online, desde que fosse “devidamente comprovada a autoria da foto”, admitindo que “devia ter envolvido desde logo o departamento jurídico nesta matéria”.
  6. Em face das dúvidas suscitadas pela troca de mensagens, foi decidido enviar mais duas questões a Henrique Gomes a 25 de junho, nomeadamente se confirmava que era ou não possível identificá-lo como autor da foto publicada inicialmente numa página de Facebook.
  7. No mesmo dia Henrique Gomes esclareceu: “O Diário foi ‘buscar’ a fotografia que eu tinha postado num dos maiores e mais utilizados grupos de Facebook da Madeira (Ocorrências da Madeira) onde poderiam facilmente ver o autor do mesmo post e comunicar comigo por essa via, para além disso logo que me dei conta da ilícita utilização da minha fotografia (2-2-21) na página de Facebook do Diário, eu imediatamente comentei na mesma, identificando-me como autor e dizendo que não concordava com a utilização da mesma. Este comentário obteve vários likes e muito dificilmente passaria despercebido pelos responsáveis da parte online deste Diário.” O queixoso reafirma ainda que a fotografia foi utilizada numa peça online do Diário de Notícias da Madeira no dia 2 de fevereiro, tendo sido retirada a 5 de fevereiro.

Análise

Da análise do caso é possível concluir o seguinte:

  1. O Diário de Notícias da Madeira usou, numa peça online, durante três dias, uma imagem sem identificação e respetivos direitos autorais.
  2. O jornal retirou a imagem após ser confrontado, via email, pelo autor.
  3. Não nos foi possível apurar a existência de qualquer proposta de pagamento, como exigia o queixoso.
  4. Questão central é se teria sido possível a identificação do autor da imagem, a partir da página do Facebook original. Não nos foi possível ter acesso ao link da publicação no grupo de Facebook Ocorrências da Madeira, mas o queixoso enviou-nos uma imagem em que se vê claramente o seu nome. O CD não compreende como é que não foi possível entrar em contacto com Henrique Gomes a partir do endereço do seu Facebook.

Deliberação

  1. O CD entende que, numa situação excecional, de indiscutível interesse jornalístico e óbvia urgência, será aceitável o recurso a uma foto de autor desconhecido (seja porque o autor é mesmo desconhecido, seja porque não houve tempo para obter a permissão). Mas isso apenas poderá acontecer – insiste-se – muito excecionalmente. O que não era manifestamente o caso, já que estamos perante um mero facto insólito, que pode gerar cliques, mas não mais do que isso. Nesta situação excecional, mesmo após a publicação, deveria o meio de comunicação continuar a fazer esforços para encontrar o respetivo autor.
  2. Pelo que fica dito no ponto anterior, no caso em apreço, também deveria o Diário de Notícias da Madeira ter feito todos os esforços necessários para contactar o autor e, a partir daí, tentar obter a autorização de utilização ou acertar algum tipo de compensação.
  3. Da mesma forma, poderia ter sido feita uma proposta de pagamento ao autor da foto, correspondente aos três dias em que a imagem esteve online no Diário de Notícias da Madeira.
  4. A partir deste caso, o CD apela aos diretores dos órgãos de comunicação e a todos os jornalistas para que sejam mais criteriosos no uso de imagens sobre as quais não possuem os direitos de utilização.

Lisboa, 29 de junho de 2021

[1] “Acidente caricato no Amparo deixa carro ‘encavalado’”, https://www.dnoticias.pt/2021/2/2/249257-acidente-caricato-no-amparo-deixa-carro-encavalado/?utm_source=facebook&utm_medium=facebook&fbclid=IwAR1ICncL2bWCLVQKjCS45fyOwOKSbB8OK4TqTsgrlytj-XScetQEJ458PDo

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