Queixa do CPR relativa a notícia publicada pelo Jornal de Notícias

Queixa da presidente do Conselho Português para os Refugiados relativa à notícia “Companheira não viu ‘perigo’ em iraquiano julgado em Lisboa por terrorismo”, publicada no sítio do Jornal de Notícias.

  1. QUEIXA

O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (adiante CD) recebeu, a 28 de setembro de 2023, uma queixa de Mónica Farinha, presidente do Conselho Português para os Refugiados (CPR),  relativa à publicação de dados pessoais (nome) de uma trabalhadora do CPR numa notícia  publicada no sítio do Jornal de Notícias (JN), a 27 de setembro, com o título “Companheira não viu ‘perigo’ em iraquiano julgado em Lisboa por terrorismo” e assinada pela jornalista Inês Banha.

A notícia (https://www.jn.pt/1811679850/companheira-nao-viu-perigo-em-iraquiano-julgado-em-lisboa-por-terrorismo/ ) é referente à primeira sessão de julgamento de dois irmãos iraquianos, há dois anos em prisão preventiva e acusados de crimes de guerra e adesão a organização terrorista. Na queixa, Mónica Farinha alega que “os nomes de testemunhas do processo foram revelados sem o devido consentimento, nomeadamente da trabalhadora do CPR”.

A queixosa argumenta que “a imprensa tem um papel fundamental na sociedade de informar o público sobre assuntos de interesse público. Porém, a publicação de informações pessoais sem o consentimento adequado causa inquietação e pode provocar danos significativos às pessoas envolvidas, existindo, designadamente no presente caso, o risco de identificação da nossa colega.”, Nesse contexto, é solicitado ao CD que “analise esta questão em particular e avalie se a publicação desses dados estava de acordo com os princípios éticos e deontológicos que regem a profissão jornalística”.

  1. PROCEDIMENTOS

A 10 de outubro, o CD contactou Mónica Farinha para uma melhor análise dos factos, enviando as seguintes questões:

1) Na notícia, que motivou a sua queixa, encontra alguma referência a uma trabalhadora do Conselho Português para os Refugiados? Se sim, os dados pessoais (nome) da trabalhadora são revelados?

2) Na queixa que nos enviou afirma que na notícia “os nomes de testemunhas do processo foram revelados”. Além de Ana F., referida no texto como “namorada” ou “companheira de Ammar Ameen”, encontra na prosa do JN mais algum nome?

3) Houve algum acordo estabelecido com os jornalistas, nomeadamente a jornalista do JN, para a não revelação da identidade?

A autora da queixa respondeu a 16 de outubro, prestando os seguintes esclarecimentos:

– Relativamente à primeira questão, confirma que encontra a referência a uma trabalhadora do CPR na “notícia que motivou a queixa”. Como prova, enviou em anexo uma impressão do artigo de 28/09/2023, às 15h06, (um dia após a publicação do texto no online do JN), assim como a transcrição de um excerto na qual se afirma: “Durante 18 meses, residiram, com o apoio do Conselho Português para os Refugiados (…) Exemplo disso, assegurou [nome da funcionária], do Conselho (…)”.

Nota: A queixa foi enviada por email ao CD no dia 28 de setembro às 19h03, que teve acesso ao seu conteúdo no dia seguinte, a 29 de setembro, dia em que a notícia já tinha sido retificada, relativamente à referência ao nome do elemento do CPR, para: “Durante 18 meses, residiram, com o apoio do Conselho Português para os Refugiados (…) Exemplo disso, assegurou um elemento do Conselho (…)”.

– Questionada sobre se aparece na prosa mais algum nome além de Ana F, a presidente do CPR reafirma que sim, referindo que “conforme referido no ponto anterior (1), surge o nome e apelido abreviado da nossa colega enquanto testemunha no âmbito do referido processo”.

Mónica Farinha acrescenta informação, sustentada por dois anexos, que não constavam na queixa inicial, escrevendo que “uma vez que o seu nome [da funcionária] e local de trabalho se encontravam expostos na comunicação social online desde o dia 27 de setembro de 2023, às 21h01, sem que para tal tivesse dado a sua autorização, a nossa colega, ao tomar conhecimento deste facto, enviou email, no dia 28/09/2023, à referida jornalista, recebendo a informação de que aquela procedera à retirada do seu nome às 19h02”.

– Por último, relativamente a um possível acordo com os jornalistas para a não revelação das identidades das testemunhas, a autora da queixa expressa que “Não houve nenhum acordo estabelecido com os jornalistas (nem, em concreto, com a jornalista do JN para a não revelação da identidade da nossa colega), nem qualquer contacto prévio estabelecido neste sentido”. Mónica Farinha acrescenta ainda que “a colega solicitou testemunhar sem a presença dos arguidos na sala do Tribunal. No final do seu testemunho foi alertada por uma das outras testemunhas para o facto de alguns órgãos de comunicação social estarem a colocar os nomes das testemunhas”.

O CD considerou que as respostas da autora da queixa acrescentavam informações importantes, sustentadas em documentos anexados, nomeadamente: 1) o facto de o nome da pessoa que esteve na origem do objeto da queixa ao CD constar na notícia inicial; 2) de ter havido a posterior retirada desse nome do artigo, por parte da jornalista do JN, assim que foi solicitado pela pessoa visada. Assim, no dia 27 de outubro, o CD enviou-lhe um email a informar que “dada a importância da informação que nos enviou, através de anexos, o CD irá incluir estes novos dados na sua queixa”.

Após a recepção das respostas da presidente do CPR, o CD enviou também a 27 de outubro duas questões à jornalista Inês Banha, autora da notícia publicada na edição online do JN:

1)  Houve algum acordo estabelecido com os jornalistas, que acompanharam a sessão de julgamento, para a não revelação da identidade das testemunhas do processo? Em caso afirmativo, qual a sua opinião sobre o referido acordo?

2) Confirma que retirou o nome da funcionária do CPR, da versão inicial da sua prosa, após solicitação da pessoa visada? Como justifica essa opção?

A jornalista do JN enviou as suas respostas a 30 de outubro, prestando as seguintes informações:

– Sobre um possível acordo com os jornalistas para a não revelação das identidades das testemunhas, Inês Banha escreve que “Não foi estabelecido qualquer acordo nem solicitado pelo tribunal, nessa primeira sessão do julgamento, que a identidade das testemunhas não fosse revelada”. E acrescenta que “a testemunha em causa depôs, a seu pedido, sem a presença dos arguidos na sala de audiências, o que, aquando da elaboração da notícia, nos fez ponderar se deveríamos, ou não, incluir o seu nome”. A opção por incluir o nome e apenas a letra inicial do seu apelido na notícia é justificada do seguinte modo: “Atendendo a que o julgamento é público (incluindo para o público em geral); que o próprio tribunal comunicou aos arguidos, nesse mesmo dia, quem testemunhara e o que dissera; que o depoimento em causa foi presenciado pela então defensora dos arguidos e será integrado no processo (ao qual estes podem, através dos seus advogados, ter acesso); e que a testemunha não é menor nem vítima de um crime sexual, considerámos que, não se tratando de uma fonte confidencial nem existindo um pedido expresso para tal, não existiria justificação para “anonimizar” as suas declarações. Ainda assim, porque compreendemos a natureza sensível do processo, optámos por identificar a testemunha apenas pelo seu nome próprio e a inicial do seu apelido, quando a norma em qualquer julgamento, porque se trata de declarações prestadas publicamente sob juramento, é a identificação das testemunhas pelo seu nome próprio e o apelido (e nunca dados que permitam a sua localização por terceiros)”.

A jornalista acrescenta ainda que “no terceiro dia do julgamento (12/10), o tribunal fez um pedido expresso aos jornalistas presentes na sala de audiências (e não uma exigência) para que a identidade de uma outra testemunha (um perito da ONU) não fosse, por razões de segurança, revelada. Face à justificação apresentada e à natureza dos crimes em julgamento neste processo, o pedido foi compreendido, respeitado e, por uma questão de coerência, aplicado a testemunhos posteriores”.

– A autora da notícia confirma que retirou o nome da funcionária do CPR, da versão inicial da sua prosa após solicitação da pessoa visada, justificando que “existindo, ao contrário do que acontecera até então, um pedido expresso da testemunha para tal, fundamentado com o seu medo de sofrer represálias pelas declarações prestadas, entendemos que, sendo tal possível, deveríamos apagar o seu nome na versão online da notícia”. Inês Banha frisa que a opção de apagar o nome “não significa que não mantenhamos a convicção de que a testemunha já tinha, face ao que é prática habitual e pelos motivos acima explanados, sido protegida ao ser omitido o seu apelido da notícia publicada a 27 de setembro de 2023, uma vez que qualquer pessoa que não conheça o processo em detalhe dificilmente conseguirá, apenas com a indicação do nome próprio e da inicial do seu apelido, identificá-la. Caso se trate de uma pessoa com conhecimento do processo tem, reiteramos, acesso à sua identificação através do tribunal”.

III. ANÁLISE

A queixa da presidente do CPR, Mónica Farinha, acompanhada do link com a notícia https://www.jn.pt/1811679850/companheira-nao-viu-perigo-em-iraquiano-julgado-em-lisboa-por-terrorismo/ revelou-se sem razões para o CD formular qualquer parecer, porquanto os elementos constantes na queixa (publicação de dados pessoais – nome –  de uma trabalhadora do CPR) já não se encontravam no artigo em causa. Só com as respostas de Mónica Farinha às questões do CD, em que a queixosa acrescentou novas e importantes informações, sustentadas por documentos, é que o CD encontrou razões válidas para elaborar o presente parecer.

As preocupações do CPR e da sua presidente, autora da queixa, com a publicação do nome e da letra inicial do apelido de uma trabalhadora da instituição numa notícia no online do JN, após a audiência onde prestou depoimento como testemunha num processo com arguidos acusados de crimes de guerra e adesão a organização terrorista, são compreensíveis o que não significa que sejam sustentadas no Código Deontológico dos Jornalistas portugueses.

A testemunha referenciada não é vítima de crime sexual, nem menor, o que de acordo com o ponto 8 do código deontológico dos jornalistas desobriga a autora da notícia a não identificar a pessoa em causa. Acresce, que todas as partes ouvidas pelo CD confirmaram que não houve nenhum acordo para a não revelação da identidade das testemunhas do processo, nem houve esse pedido por parte do tribunal, numa sessão que aliás foi aberta ao público em geral.

Não obstante isso, o Conselho Deontológico recomenda particulares cuidados na identificação de testemunhas em processos que possam pôr em causa a sua segurança, nomeadamente em casos considerados sensíveis.

No caso em apreço, a trabalhadora em causa foi identificada apenas na versão inicial da notícia pelo nome e pela letra inicial do seu apelido, tal como a namorada de um dos irmãos referida no texto, o que denota por parte da jornalista uma intenção clara em omitir o apelido das testemunhas, de forma a que um cidadão comum não consiga identificá-las. O mesmo não se poderá afirmar relativamente a quem conheça ou esteja envolvido no processo.

No entanto, o CD ao ler a notícia em causa constata que o critério do nome e da letra inicial do apelido esteve ausente quando se lê “sublinhou, por sua vez, uma funcionária municipal de Oeiras ”, revelando, infelizmente, que a norma inicialmente adotada não foi constante ao longo do texto.

No dia seguinte à publicação da notícia, a jornalista Inês Banha perante um pedido expresso da trabalhadora do CPR de retirada “do nome e do apelido abreviado” por temer pela sua “própria segurança”, prontamente cedeu ao pedido de apagar o seu nome, aparecendo desde então na notícia a seguinte formulação: “exemplo disso, assegurou um elemento do Conselho”. Esta atitude reflecte respeito e conpreensão pela situação em causa. A retificação realizada revela como é importante o feedback ativo das pessoas referenciadas nas notícias e dos leitores nos órgãos de comunicação social.        

  1. DELIBERAÇÃO

O Conselho Deontológico entende que à luz do ponto 8 do Código Deontológico e atendendo ao  facto de não ter havido nenhum acordo para a não revelação da identidade das testemunhas do processo ou um pedido por parte do tribunal, a jornalista Inês Banha cumpriu com rigor o seu código profissional.

Acresce que perante o teor do julgamento a jornalista revelou ainda ter o cuidado de omitir, na notícia original, o apelido da testemunha de forma a proteger a identidade da mesma.

O CD realça ainda de forma positiva a rápida retirada do nome e da primeira letra do apelido da notícia inicial, após o pedido expresso da testemunha citada com uma justificação humanamente compreensível.

Em conclusão, o CD considera que a notícia elaborada pela jornalista Inês Banha, quer na sua versão inicial quer na versão retificada, que se encontra atualmente acessível no sítio do JN, cumpre as exigências do Código Deontológico, compreendendo no entanto as preocupações humanas do CPR e da sua presidente na queixa apresentada. Independentemente de existirem pedidos efetuados expressamente em tais casos pelas testemunhas ou pelos tribunais, os jornalistas devem ponderar eticamente os riscos implicados para a segurança das pessoas quando testemunham em casos desta complexidade e a relevância de o público ser informado acerca da identidade delas.

Lisboa,  17 de novembro de 2023

O Conselho Deontológico

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