Queixa contra notícia publicada pela Rádio Vidigueira

Conselho Deontológico

Queixa nº 20/Q/2023

 

Queixa contra notícia publicada pela Rádio Vidigueira

Natureza da queixa

  1. O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (adiante CD) recebeu a 11/10/23 uma queixa assinada por Luís Fresco, vice-presidente da Câmara Municipal da Vidigueira, contra a publicação pela Rádio Vidigueira, a 6/10/23, de uma notícia a partir de informação recebida do SinFAP – Sindicato Independente dos Trabalhadores da Floresta, Ambiente e Proteção Civil, e na qual se pede a demissão do referido autarca. Argumenta Luís Fresco que a Rádio “publicou e emitiu notícia (…) sem que tenha apurado quer a veracidade, quer a qualidade e pertinência da matéria, quer a posição do visado, antes de ter avançado com a notícia nos dois canais, disseminando e propagando não uma notícia, mas uma opinião”.
  2. Luís Fresco também contesta que “somente após várias horas da divulgação da notícia, é que me foi solicitado uma reação à notícia já publicada” e que “a reação, já tardia, não obteve o destaque proporcional, nem despoletou [SIC] qualquer reposição da verdade pelo jornalista / rádio Vidigueira”.
  3. O queixoso informa ainda que a 9/10/23 enviou um Direito de Resposta, que anexa à queixa, “aos órgãos de comunicação social, incluindo a Rádio Vidigueira, a qual até ao momento não deu provimento à mesma, nem houve lugar à reposição da verdade”.
  4. O vice-presidente da Câmara da Vidigueira termina dando conta de que a Rádio Vidigueira foi “o único órgão de comunicação social a promover informação falsa, sem ter sido verificada, e cujo conteúdo é hostil e intenta contra a imagem e reputação do visado, assim como dá cobertura a uma carta aberta cheia de intolerância e discurso de ódio, salvo melhor entendimento”, pelo que apresenta a este CD “uma situação que pode encontrar reflexo nos deveres do jornalista que constam do Código Deontológico aplicado aos mesmos, nomeadamente no que à violação dos mesmos diz respeito, salvo erro de identificação de responsável, por parte do Jornalista Marco Abundância da Rádio Vidigueira”.

 

Procedimentos

 

  1. No mesmo dia em que recebeu a queixa, o CD contactou Luís Fresco no sentido de tentar enquadrar, à luz do Código Deontológico dos Jornalistas, o alcance de algumas das suas afirmações, tendo por isso enviado as seguintes questões:
  2. Coloca em causa a veracidade da carta do Sindicato? Porquê? Mais adiante fala “no único órgão de comunicação social a promover informação falsa”…
  3. O que entende por “qualidade e pertinência da matéria”?
  4. Porque designa a notícia da Rádio Vidigueira como “disseminando e propagando não uma notícia, mas uma opinião”?
  5. O jornalista da Rádio Vidigueira fez uma notícia com a posição que lhes transmitiu, mas isso não “despoletou qualquer reposição da verdade pelo jornalista / rádio Vidigueira”. O que mais, no seu entender o jornalista poderia/deveria ter feito neste ponto em concreto?
  6. Luís Fresco respondeu a 13/10/23 com as seguintes explicações (de que, em alguns casos, apresentamos versões reduzidas, face à sua extensão):
  7. “Sim, coloco em questão a veracidade do Sindicato. Porquê?. Ora aí está um bom trabalho jornalístico, mas já que ninguém o fez, permitam-me. (…) As questões legais são claras e inequívocas, e basta saber ler português para perceber o erro de interpretação daquele Sindicato, que sabe bem, ou não apareceria uma proposta de alteração a lei, para os efeitos pretendidos”.​
  8. “Pegar na minha liberdade de expressão e desdobrar a minha opinião pessoal genérica e aplicá-la a um caso particular, com juízos de valor (ódio a isto e aquilo, azeite e cebolas, etc.) e pretensões e reivindicações, com o propósito aparente de apear os eleitos do seu mandato popular conferido nas urnas, não distinguindo o que é opinião pessoal e exercício de mandato autárquico, sim é algo que (…) entra no campo da qualidade e pertinência, na minha opinião, claro”.
  9. “Não sendo jornalista, penso e olhando para os deveres do jornalista expressos no CD, parece-me claro que o ato de noticiar pressupõe a procura da verdade, legitimidade e rigor do que se apresenta”.
  10. “A procura pela verdade”.
  11. Impunha-se, pois, ouvir a Rádio Vidigueira, o que o CD fez a 23/10/23, enviando as seguintes questões ao diretor do órgão de comunicação social, uma vez que a notícia não se encontrava assinada:
  12. A Rádio Vidigueira fez algum esforço no sentido de apurar se as acusações emitidas pelo Sindicato são verdadeiras ou, por outras palavras, algo vos fez/faz desconfiar de que as acusações do Sindicato não são verdadeiras?
  13. Confirma que apenas várias horas (quantas?) depois de emitida a primeira notícia, foi pedido ao visado que a comentasse? Da posição do visado foi feita alguma notícia autónoma ou apenas acrescentada a sua posição à notícia original? Porquê esta opção?
  14. Confirmam a receção de um direito de resposta de Luís Fresco? Foi transmitido? De que forma? Em caso negativo, porquê?
  15. Como classificaria a relação entre a Rádio Vidigueira e o vice-presidente da autarquia (no sentido de apurarmos se este foi/é um caso isolado ou houve situações anteriores; se sim, pode identificar alguma delas?)?
  16. A 2/11/23 o CD recebeu do diretor da Rádio Vidigueira, Joaquim Oliveira, as respostas (de que, em alguns casos, apresentamos versões reduzidas, face à sua extensão), o qual não deixa de acrescentar que “foi com profunda surpresa que recebemos esta ‘notícia’ sobre a queixa do Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vidigueira Luís Fresco” porque “a exemplo de tantas outras notas de imprensa e de tantas outras notícias que chegam à nossa redação, o Jornalista Marco Abundância, como sempre o faz, procedeu conforme os parâmetros deontológicos que regem o trabalho de um Jornalista”.
  17. “(…) Para aferir a veracidade do conteúdo da nota de imprensa, o Jornalista Marco Abundância falou com o Representante do Sindicato Alexandre Carvalho, que confirmou o conteúdo da mesma. Não compete à Rádio Vidigueira aferir se o que o Sindicato afirma corresponde à verdade ou se emite uma opinião, para isso há outras instituições para o fazer, para nós o que interessa é o conteúdo de uma nota de imprensa emitida por um Sindicato devidamente certificado e legalmente constituído”.
  18. “(…) Confirmo que a notícia saiu no site da Rádio Vidigueira no dia 06 de outubro de 2023 às 11h46 minutos. Confirmo que no noticiário das 12 horas (90fm), a notícia foi para o ar sem a reação do visado (Luís Fresco), por mera dificuldade de contacto (e foram várias as tentativas feitas para obter o contacto). (…) depois de várias tentativas de contacto, (não passaram várias horas, passaram três horas), a notícia colocada no site, foi atualizada às 15h19 minutos (colocados os áudios das reações dos visados), e no noticiário das 17 horas a notícia foi para o ar já com a reação de ambas as partes”. Ou seja, “a notícia foi sempre a mesma, ao longo da jornada informativa foi sendo atualizada, conforme já descrevi anteriormente. (…) Não há uma opção, há uma jornada informativa diária (que não tem só esta notícia para tratar), de uma Rádio que tem poucos recursos e que de uma forma isenta e transparente, coloca no ar diariamente 6 blocos de informação para o nosso auditório”.
  19. “Confirmo que recebemos a receção de um direito de resposta do vice-presidente Luís Fresco. Sobre este pedido quero referir, que o pedido foi feito por email e que o mesmo foi enviado para vários (…) órgãos de comunicação social sem respeitar o direito de confidencialidade, nomeadamente no que à proteção de dados diz respeito. (…) Entendemos que a forma como foi feita e divulgada a notícia não careciam de um Direito de Resposta. Entendemos esse direito na forma como o vice-presidente respondeu no áudio que apresentamos na notícia, a resposta do visado já corresponde a um direito de resposta ao que foi divulgado. 
  20. “A relação entre a Rádio Vidigueira e o vice-presidente da autarquia, atualmente, é uma relação normal. Para nós é uma relação igual a tantas outras de pessoas que interagem com esta Rádio. (…) Há um facto relevante que devemos relatar: há alguns anos atrás, o atual vice-presidente da autarquia Luís Fresco fez parte dos Órgãos Sociais da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vidigueira (Proprietária da Rádio Vidigueira), exercendo um cargo na direção de 2000 a 2003, tendo sido, nesse período o Diretor da Rádio Vidigueira”.

 

Análise

 

  1. A análise do caso é relativamente simples: o SinFAP enviou à Rádio Vidigueira uma nota de imprensa cujo interesse jornalístico é evidente (basta atentar no título “Pela Demissão do Sr. Vice-Presidente Luís Fresco”). A Rádio fez a avaliação editorial e acrescentou a audição de um responsável pelo Sindicato. Disso fez notícia para a emissão hertziana e para a sua página eletrónica. A seguir tentou um contacto com o visado, Luís Fresco, que só não foi emitido mais cedo por dificuldades de contacto (foram feitas várias tentativas, segundo o diretor da emissora). Quando finalmente falaram com Luís Fresco, atualizaram a notícia da rádio e do website, acrescentando o respetivo áudio.
  2. Mais complexa, pelos seus contornos legais, é a questão da publicação ou não do direito de resposta. A Rádio optou por não o publicar, com o argumento de que ele não cumpria todos os formalismos legais e porque não acrescentava argumentos ao que foi dito no depoimento original.

 

Deliberação

 

  1. A publicação da notícia em causa não merece qualquer dúvida por parte deste CD; a sua não publicação é que seria motivo para causar estranheza. A Rádio Vidigueira poderia ter transformado o comunicado do Sindicato numa notícia, mas foi mais longe, como se impunha, e questionou um responsável do Sindicato, de modo a tornar a informação mais completa e credível.
  2. Mais dúvida merece o facto de a reação do autarca ter sido menorizada, mantendo-se apenas como complemento à notícia original. A Rádio argumenta que isso aconteceu face aos meios humanos disponíveis e à necessidade de apurar/escrever outras notícias, mas esta não parece ser uma notícia qualquer. Imagina-se que não seja habitual pedir a demissão de autarcas, nomeadamente, na Vidigueira (ou na generalidade dos concelhos, sobretudo quando isso é feito por um sindicato e não pelos partidos da oposição). Pelo seu impacto e interesse previsível juntos dos ouvintes/leitores, justificar-se-ia autonomizar a reação do vereador Luís Fresco numa segunda notícia.
  3. Da mesma forma, entende o CD que a Rádio Vidigueira deveria ter informado os seus ouvintes, a partir do momento que contactou o vice-presidente da Câmara, desse contacto, mesmo que infrutífero.
  4. Sobre a não publicação do Direito de Resposta, o CD aconselha o queixoso a dirigir-se à Entidade Reguladora da Comunicação, que tem competências vinculativas nesta área. De qualquer forma, parece claro que um Direito de Resposta dirigido a um determinado órgão de comunicação social não deve ser partilhado em simultâneo com outros e que, havendo regras administrativas a cumprir no seu envio, estas devem ser tidas em conta por todos os que a ele recorrem.
  5. Em resumo: o CD entende que, com uma exceção, os argumentos de Luís Fresco não são válidos e mostram, em geral, algum desconhecimento sobre o que é o jornalismo (por exemplo quando confunde opinião e notícia ou quando afirma que a Rádio deveria ter esperado pelo seu comentário para emitir a posição do Sindicato). O trabalho da Rádio Vidigueira apenas merece crítica por, usando a expressão de Luís Fresco, não ter atribuído “destaque proporcional” à reação do autarca. Já se é falso o que o Sindicato afirma, Luís Fresco pode, por exemplo, procurar instâncias de âmbito legal para o comprovar.

 

 Lisboa, 09 de Novembro de 2023

O Conselho Deontológico

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