Queixa contra jornalista da SIC por entrevista a dirigente do Chega

Conselho Deontológico

Queixa nº 27/Q/2024

 

Queixa contra a jornalista da Ana de Freitas, da Sic Notícias

 O Conselho Deontológico (CD) recebeu no passado dia 29 de março uma queixa, assinada por Nuno Martins, a propósito da conduta da jornalista Ana de Freitas, da SIC Notícias, durante uma entrevista com o deputado do partido Chega Pedro Frazão, transmitida naquele canal televisivo no dia 28 de março de 2024.

O caso em apreço ocorreu num programa, no dia 27 de março de 2024, em que o deputado Pedro Frazão participou (à distância). O tema em análise era a eleição do presidente da Assembleia da República (AR).

Na sua intervenção, o deputado Pedro Frazão afirmou que “o PS e o PSD, quando chega a hora de dividir os cargos, os ‘tachos’, os lugares no regime, o que acontece é que se entendem muito bem”.

A jornalista, na altura, interpelou o deputado, considerando que estavam a falar de um cargo como o de presidente da Assembleia da República, lembrando que este cargo “não é nenhum ‘tacho’”.

Acrescenta que se trata de “lugares institucionais” e que nada têm que ver com ‘tachos’, classificados na gíria popular como empregos muito bem pagos, com bastantes regalias, mas pouco ou nada trabalhosos. 

Pretendendo confrontar o deputado com a afirmação que tinha feito, a jornalista Ana de Freitas perguntou-lhe se o cargo que iria ser ocupado pelo deputado do partido Chega Pacheco de Amorim – eleito para vice-presidente da AR – também seria um ‘tacho’.

Na sequência da conversa, o deputado Pedro Frazão disse que a diferença era que Pacheco de Amorim não tinha feito nenhum acordo para ser eleito, referindo-se ao acordo entre o PSD e o PS para eleger Aguiar Branco para a presidência da AR. 

Esta afirmação espelha uma contradição nas palavras do deputado, pois, dias antes, o líder do seu partido, André Ventura, tinha feito referência publicamente a um acordo entre o Chega e o PSD para a eleição da mesa da Assembleia da República (composta por 1 presidente, 4 vice-presidentes, 4 secretários e 4 vice-secretários).

Insistindo no facto de os cargos em causa serem institucionais, a jornalista questionou novamente Pedro Frazão sobre se o cargo de Pacheco de Amorim, à semelhança do que estava a afirmar com o caso de Aguiar Branco, também seria um ‘tacho’. Aí, o deputado disse que estava a expressar a sua opinião.

A jornalista voltou a centrar a questão na eleição da presidência da mesa da AR, perguntando mais uma vez se, no caso do deputado Pacheco de Amorim, também se tratava de um ‘tacho’ ou se Pedro Frazão tinha “dois pesos e duas medidas” para qualificar a eleição para estes lugares.

Confrontado pela jornalista, o deputado insistiu que Pacheco de Amorim “não fez qualquer acordo”, disse que a jornalista estava a ser “falaciosa” e “demagógica” e acrescentou que o deputado Pacheco de Amorim tinha sido eleito para vice-presidente “porque os senhores deputados concederam votar no nome dele”.

No texto recebido, o queixoso considera que a jornalista, ao entrevistar o deputado Pedro Frazão, “entrou em confronto direto”, “chamando-o mesmo à atenção para uma opinião e postura pessoal por este emitida”, o que considera “inacreditável e inaceitável na conduta deontológica de uma jornalista”.

Considera ainda o queixoso que um jornalista “apenas tem de se limitar a fazer perguntas, ou moderar entrevistas, e nunca em qualquer circunstância entrar em confronto com o orador, ou sequer emitir uma opinião pessoal completamente politizada, parcial e enviesada partidariamente à esquerda”.

Diz ainda poder afirmá-lo “pela sua linguagem corporal, o ódio no seu olhar, na sua agressividade, arrogância e timbre de voz para com o deputado eleito pelo povo, que merece o mesmo respeito que todos os outros”.

Considera que a jornalista demonstrou “um enorme viés político e uma falta de ética profissional que o Código Deontológico que jurou a isso obriga” (sic).

O queixoso considera igualmente que, com a sua postura, a jornalista Ana de Freitas “influencia negativamente a perceção do público sobre as questões e diferentes posições políticas”, uma situação que diz inaceitável e prejudicial para a “integridade do jornalismo”, que “ideologicamente se quer apartidário, sério e independente”.

“A abordagem tendenciosa de Ana de Freitas, em vez de proporcionar uma cobertura imparcial e objetiva dos acontecimentos políticos, mina a confiança do Público nos media e compromete a integridade do processo livre e democrático do voto eleitoral”, escreve.

Termina a queixa afirmando que “o jornalismo deveria ser um bastião da verdade e imparcialidade” e que a conduta da jornalista “constitui uma violação desse princípio fundamental”.

Procedimentos

 Para que a jornalista visada apresentasse a sua versão dos factos, o CD enviou-lhe, no dia 08 de abril, um pedido para que se pronunciasse, nos termos em que abaixo reproduzimos:

  1. Na queixa recebida, o queixoso acusa-a de ter “entrado em confronto com o deputado” por causa de uma “opinião e postura pessoal”, algo que considera “inacreditável e inaceitável na conduta deontológica”.
  2. Diz também que um/a jornalista “apenas se tem de limitar a fazer perguntas ou moderar entrevistas e nunca em qualquer circunstância entrar em confrontação com o orador ou sequer emitir uma opinião pessoal completamente politizada, parcial ou enviesada partidariamente à esquerda”.
  3. Considera ainda que as perguntas feitas demonstram “um enorme viés político e uma falta de ética profissional que o Código Deontológico que jurou a isso obriga”, influenciando “negativamente a perceção do público sobre as questões e diferentes posições políticas”, o que considera “prejudiciais para a integridade do jornalismo, que deontologicamente se quer apartidário, sério e independente”, concluindo que a abordagem da jornalista foi “tendenciosa”.

 A jornalista respondeu ao CD no dia 21 de abril.

Na resposta, Ana de Freitas lembra que “a missão do jornalista é defender o interesse público, combater a desinformação e a contrainformação, contribuir para um discurso (público) de verdade” e sublinha que, por isso, o jornalista “não deve abdicar de fazer perguntas, pedir explicações, exercer o contraditório, corrigir imprecisões e/ou deturpações dos factos”.

“O contrário seria reduzir–se ao papel de ‘pé de microfone’, tornando-se conivente com os interesses privados, seja de partidos, clubes e/ou outras organizações e cúmplice de um discurso que pode desinformar o leitor/telespectador, alimentar decisões menos esclarecidas, em suma, torpedear a democracia”, acrescenta.

No caso em apreço, a jornalista considera que “as acusações e ataques pessoais, sem fundamento”, só têm como objetivo condicionar o seu trabalho.

“Limitei-me, como é meu dever enquanto jornalista, a confrontar o deputado Pedro Frazão com as contradições do seu discurso, dando-lhe sempre a oportunidade de esclarecer o seu pensamento, à semelhança do que fiz com os outros três entrevistados, incluídos no mesmo painel, no mesmo dia e à mesma hora, e tal como tenho feito com todos os entrevistados ao longo de mais de 30 anos de profissão”, explica.

Análise

 O queixoso considera na queixa apresentada que o jornalista “apenas tem de se limitar a fazer perguntas, ou moderar entrevistas”, coisa que a jornalista em causa fez, interpelando o deputado quando a interpretação que este estava a fazer sobre a eleição dos cargos para a mesa da AR tinha critérios diferentes quando analisada a eleição do presidente, pertencente a outro partido que não o Chega, e do vice-presidente, que é do mesmo partido do deputado Pedro Frazão.

O CD recorda que Código Deontológico dos jornalistas, no seu artigo 1.º, diz que “o jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade…” e, no artigo 2.º, que deve “combater a censura e o sensacionalismo”.

Além disso, ao confrontar o deputado, a jornalista fez o trabalho de esclarecer o telespetador, pois a afirmação do parlamentar do Chega não se tratava apenas de uma opinião. Tratava-se de uma interpretação destes cargos institucionais que, no caso, até aplicava efetivamente ‘dois pesos e duas medidas’.

Cabe também ao jornalista não deixar que quem está a entrevistar possa relatar os factos de forma enviesada, lutando contra a desinformação e pugnando para que o telespetador tenha acesso a informação o mais escrutinada possível para que possa tomar as suas decisões de forma bem informada e esclarecida.

No caso em análise, o deputado classificou como ‘tacho’ o cargo de presidente da Assembleia da República, que é a segunda figura do Estado.

Recorda-se que entre as várias funções do presidente da AR estão a direção e coordenação dos trabalhos do parlamento. É igualmente responsável por admitir ou rejeitar os projetos e as propostas de lei ou de resolução, os projetos de deliberação e os requerimentos, assim como marcar as reuniões plenárias e fixar a respetiva ordem do dia, ouvida a Conferência de Líderes.

O deputado em causa até pode considerar aqueles cargos ‘tachos’, mas cabe ao jornalista informar com rigor o telespetador/ouvinte/leitor. 

O jornalista deve sempre verificar e escrutinar a informação que está a ser veiculada, impedindo que a divulgação de informação pouco clara, desinformada, enviesada ou até falsa possa criar uma ideia errónea no telespetador.

Deliberação

 O CD considera que, no caso em apreço, a jornalista Ana de Freitas agiu cumprindo todas as regras do Código Deontológico, contribuindo com o seu escrutínio para que a informação divulgada pudesse levar a decisões esclarecidas por parte do espetador.

Ao contrário do que o queixoso alega, o CD considera que a jornalista não influenciou negativamente “a perceção do público sobre as questões e diferentes posições políticas”, pois deixou que o deputado expressasse a sua opinião e, ao confrontá-lo com as suas contradições, contribuiu para um melhor esclarecimento do público.

 Lisboa, 03 de maio de 2024

O Conselho Deontológico

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