Órgãos sociais do SJ reiteram compromisso de defender direitos da classe

Os órgãos sociais do Sindicato dos Jornalistas (SJ) tomaram posse a 21 de Dezembro, em cerimónia realizada na sede nacional, em Lisboa. O novo colectivo, agora renovado, reiterou o compromisso de se bater “pela defesa dos direitos dos jornalistas” como “instrumento vital de concretização dos deveres profissionais e cívicos perante a sociedade que servem”, afirmou Alfredo Maia, presidente da Direcção.

Na sua intervenção, Alfredo Maia lembrou as complexas condições sociais e políticas em que decorreu o mandato da direcção cessante e apontou as prioridades do novo mandato que agora se inicia.

Recordando que a Direcção foi eleita sob a bandeira da defesa do “Jornalismo responsável” como “garantia da liberdade”, Alfredo Maia sublinhou algumas das medidas e acções a levar a cabo no próximo biénio:

“A entrega, em breve, a todas as forças concorrentes às próximas eleições legislativas, de uma agenda de iniciativas legislativas imprescindíveis, das quais se destaca a regulamentação dos direitos de autor dos jornalistas, a qual ficou por concretizar pela segunda legislatura consecutiva, apesar da sua aprovação na generalidade;

“O reforço da formação contínua como condição para o exercício permanentemente qualificado, responsável e auto-exigente da profissão;

“O lançamento do debate sobre a auto-regulação do sector, visando responsabilizar tanto os jornalistas como as empresas, devendo ser anunciada brevemente a criação de um grupo de reflexão;

“A realização do 4.º Congresso dos Jornalistas Portugueses, sob o lema “Identidade Profissional do Jornalista”, o qual constituirá um importante fórum de reencontro da classe consigo própria uma oportunidade de valorização da sua organização sindical para o futuro”.

A par deste ambicioso programa, o SJ vai continuar a desenvolver as “medidas já no terreno, de combate à exploração de estudantes, de recuperação de direitos e garantias dos jornalistas, de organização sindical e de valorização do SJ”.

A tomada de posse dos novos órgãos sociais do SJ contou com a presença de representantes da Casa da Imprensa, do Cenjor, da Alta Autoridade para a Comunicação Social, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas, da Caixa de Previdência dos Jornalistas, do Clube de Jornalistas, da CGTP, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, da Associação Portuguesa de Imprensa, da Associação Portuguesa de Radiodifusão, do PS e do PCP.

É o seguinte, na íntegra, o texto da intervenção de Alfredo Maia:

A realização de eleições para os órgãos sociais do Sindicato dos Jornalistas e o início de um novo mandato ocorrem num contexto particularmente vivo da vida social, económica e política do país e especialmente vocacionado para um debate ao qual partidos, sindicatos, muitas outras organizações sociais e os cidadãos em geral são convocados.

A dissolução recente da Assembleia da República e o início, de facto, do período durante o qual as várias forças políticas pré-anunciam as suas propostas gerais e afinam os discursos com que hão-de apresentar-se na campanha para o sufrágio popular do próximo dia 20 de Fevereiro, representam uma oportunidade para que os cidadãos, os trabalhadores e as suas organizações recoloquem no centro do debate político a agenda das suas preocupações e propostas.

Nesse quadro, o Sindicato dos Jornalistas não deixará de utilizar a oportunidade para desafiar o Parlamento e o Governo que resultarem das próximas eleições legislativas, assim como as associações empresariais e os diversos órgãos, organismos e entidades relacionados com este sector, a recentrarem as suas preocupações e a sua acção em tarefas e medidas que restabeleçam a confiança dos cidadãos nas garantias de protecção da liberdade de imprensa e reconduzam o sector à observância de um conjunto de direitos de todos quantos nele trabalham.

O mandato da Direcção que agora termina caracterizou-se por um extraordinário e complexo conjunto de desafios e problemas, por vezes traduzidos em ofensas aos direitos e garantias destes profissionais, que colocaram de forma muito viva na ordem do dia as condições em que todos os dias trabalhamos para servir os cidadãos

Pela sua importância, até prospectiva, destacamos alguns.

O ataque aos serviços públicos de rádio e de televisão constituiu, sem dúvida, um das importantes frentes de combate do SJ, sem desmerecimento de outras organizações de trabalhadores e muito menos da sociedade civil.

Só a acção determinada dos trabalhadores da RTP e da RDP, conduzidos pelas suas estruturas representativas, nomeadamente os sindicatos, e o imenso coro de protestos dos cidadãos fizeram recuar o Governo nos seus intentos de desmantelamento do serviço público.

Foi este movimento que obrigou o Governo a encontrar uma margem de recuo estratégico para procurar soluções de compromisso para os segundos canais da RTP e da RDP que garantissem o seu futuro na posse do Estado.

Acontecimentos recentes mostram, no entanto, que a posse, pelo Estado, de meios de informação continua a representar um factor de tentação tutelar e de ingerência que é necessário acautelar com firmeza e fiscalizar com determinação.

Nesse sentido, assume particular importância a forma como o poder político exerce a tutela do sector.

Se o próximo governo não deseja alimentar a suspeita de promiscuidade de objectivos e métodos e de instrumentalização das empresas de comunicação social cuja gestão cabe ao Estado, deverá evitar a nefasta acumulação das funções de garantia do pluralismo informativo e da independência dos meios àquele confiados com as de promoção da imagem do Executivo.

Do mesmo modo, não poderá repetir o grave comportamento do Governo nas relações com as empresas de comunicação social, sob pena de lançar definitivamente o descrédito sobre estas e os profissionais que se encontram ao seu serviço e que têm para com o público um dever de lealdade e transparência.

Neste mesmo quadro, importa reiterar o que temos vindo a afirmar relativamente à substituição da Alta Autoridade para a Comunicação Social por uma entidade reguladora: a sua composição e as suas competências, assim como os meios a alocar à sua acção, devem ser objecto de um amplo e transparente debate público, o qual não pode dispersar a participação efectiva de organizações representativas do sector, nomeadamente o SJ.

Mas o processo de defesa do serviço público de rádio e de televisão passou igualmente pela defesa de direitos e garantias laborais, tendo sido a acção determinada dos jornalistas e de outros trabalhadores a fazer valer os princípios essenciais da contratação colectiva, apesar da complexidade e da dureza do processo que ainda se encontra em curso e no qual o SJ tem evidenciado um profundo sentido de responsabilidade e de firmeza.

A contratação colectiva e a recuperação de direitos dos jornalistas constituíram, aliás, uma importante frente de combate do projecto sindical que hoje adquire novo impulso, tendo sido possível demonstrar que a negociação continua a representar um instrumento de valorização das relações de trabalho e um objectivo alcançável.

De facto, foi possível negociar pela primeira vez uma convenção para o sector da radiodifusão, melhorar de forma apreciável o contrato da Imprensa, relançar a negociação de acordos de empresa e encetar um processo de negociação com a Global Notícias com vista a um acordo de empresa.

Quando se escrever a história da incompleta e controversa legislatura, abreviada pelo Presidente da República, encontraremos os vestígios de uma vasta ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e o interesse da uma economia fundada nos princípios do progresso justo de que a aprovação do Código do Trabalho foi o ponto mais alto, mas em cuja rejeição os jornalistas se empenharam de forma histórica.

O SJ junta-se ao coro daqueles que apontam como tarefa essencial do próximo Governo a revisão do Código, expurgando-o de um importante rol de ofensas a direitos que levaram décadas a conquistar e alterando disposições que agravam as condições de prestação de trabalho demasiadas vezes já excessivamente penosas, como são as relativas à organização do trabalho e aos princípios da mobilidade funcional e geográfica.

O Governo que olimpicamente ignorou os apelos do SJ para a urgência da alteração a normas importantes, como é o caso da portaria relativa aos estágios de acesso à profissão de jornalista foi o mesmo que procurou aprovar leis de graves consequências para o sector e mesmo para a liberdade de imprensa, furtando-se o mais que pôde à audição do SJ e à recolha das contribuições da sua longa experiência e reflexão e largo conhecimento da realidade no terreno.

Dos despojos da legislatura que cessa, destacamos a proposta de Lei da Rádio, cujo pedido de autorização legislativa felizmente caduca por efeito da dissolução do Parlamento, poupando-nos assim as forças que teriam de continuar a ser despendidas na tentativa – porventura vã – de persuadir o Governo e a maioria parlamentar a desistirem dos seus objectivos.

Além de tentar introduzir a transmissibilidade dos alvarás e licenças de radiodifusão, ofendendo os mais elementares princípios da transparência e igualdade no acesso a um bem público escasso – o espaço hertziano –, a proposta do Governo representava um poderoso estímulo à concentração de rádios, até limites inimagináveis, potenciava gravíssimos riscos para o pluralismo e a diversidade e condenava inúmeros operadores locais à condição de meros retransmissores de programação e informação pensados, produzidos e distribuídos muito longe das realidades locais e dos cidadãos.

Entre os traços mais marcantes que concitam o actual debate sobre a função dos média e o papel e a responsabilidade social dos jornalistas, encontra-se sem dúvida a crescente mediatização da Justiça, tão incensada quanto diabolizada.

A relação entre os média e a justiça e especialmente o modo como os jornalistas acompanham os processos ou procedem a investigação autónoma ocupam nesse debate um importante lugar, pelas transformações radicais que evidenciam e pelos receios que infundem, especialmente aos mais ciosos dos respectivos campos.

Arrancado das profundezas da extensa vala comum de silêncios e cumplicidades, o chamado “Processo Casa Pia” colheu de surpresa a sociedade portuguesa e encontrou o poder, os média e o próprio sistema judicial pouco preparados para lidar com serenidade, responsabilidade e eficácia com a Caixa de Pandora que então se abria e que durante muito tempo não cessou de impressionar-nos.

Pela sua extraordinária projecção e pelo apaixonado interesse que despertou na opinião pública, o processo em causa ajuda a caracterizar um momento no qual certos meios descortinam uma Justiça cercada pelo poder dos média e a justificar uma crescente tendência para perseguir, em última instância, os jornalistas, face à impotência para detectar, conter e eventualmente punir alegadas violações ao segredo de justiça, bem como para transformar tais profissionais em meros instrumentos auxiliares da investigação judiciária.

A recente condenação, em primeira instância, do jornalista Manso Preto é um sintoma preocupante da tendência para a absolutização do interesse da acção da Justiça face a valores que deveriam estar mais consolidados, como o da liberdade de imprensa, de que o sigilo profissional é uma garantia estruturante.

O processo mostra que vale a pena continuar a confiar nos jornalistas e na sua firmeza de convicções, arrostando riscos como os de uma condenação que ainda por cima pende sobre a sua cabeça de forma tão severa.

Mas mostra igualmente que é necessário não dar tréguas às intenções, até sob a forma de proposta de lei ou de projecto de resolução, de proceder a alterações sensíveis em domínios como o segredo de justiça e o sigilo profissional, as quais implicam mudanças que põem em causa não só a autonomia e a responsabilidade dos jornalistas, mas também comprometem irremediavelmente, se forem aprovadas, o cumprimento de deveres profissionais sem os quais o jornalismo responsável que defendemos perderia todo o sentido.

Se é certo que as propostas do Governo e o projecto do Partido Socialista nestas matérias caducam por força da dissolução do Parlamento, não é menos expectável que tais temas regressem à agenda dos partidos e do próximo Executivo.

Por isso, o Sindicato dos Jornalistas não só acompanhará com redobrada vigilância as propostas que vierem a ser colocadas sobre a mesa, como desenvolverá iniciativas de combate aos seus aspectos negativos e apresentará propostas alternativas.

Não faremos desses combates uma demanda corporativa nem ficaremos reféns de qualquer lógica defensiva, mas o SJ não pode deixar de recordar que muitos erros e omissões, por vezes causando dano a pessoas objecto do trabalho dos jornalistas, resultam com frequência de condições de produção muito difíceis.

Com efeito, se a ditadura das audiências e das tiragens comprime noções essenciais de responsabilidade editorial; se a gula comercial suplanta o escrúpulo jornalístico; se a desregulação das relações de trabalho desampara os profissionais mais exigentes; se a precariedade do vínculo contratual ou do salário gera a intranquilidade enfraquece a resistência; se o condicionamento económico fragiliza o rigor – há que transformar esta realidade, uma tarefa que não pode estar reservada à estrutura sindical pois convoca os poderes democráticos e as empresas.

O compromisso é igualmente válido para iniciativas legislativas que os partidos tencionem manter e nas quais vinham trabalhando, como é o caso da revisão da Lei de Imprensa e do Estatuto do Jornalista, cuja urgência parece ter-se justificado com a polémica à volta do aparelho do Governo, por um lado, e de alterações na estrutura da Lusomundo Média, tendo estas gerado um súbito interesse e um inesperado impulso legislativo.

Não temos dúvidas de que não existem matérias tabu e de que muitos aspectos das referidas leis em vigor podem ser melhorados; assim como consideramos de grande utilidade a aprovação de um diploma que limite as concentrações e impeça a criação de condições objectivas para o condicionamento da liberdade de expressão.

Porém, com a autoridade moral de quem foi durante muitos anos combatente quase solitário contra as concentrações e as suas consequências, é dever do SJ advertir publicamente os autores de quaisquer iniciativas legislativas que visem a reparação da situação criada na PT/Lusomundo Média para os riscos de soluções precipitadas que agravem o fenómeno ou lancem os títulos detidos por este poderoso conglomerado nos braços de uma aventura.

Os jornalistas portugueses já sofreram demasiado com sucessivas aventuras, com os erros de dimensionamento de empresas, a sua incapacidade de gerarem fundos que permitam enfrentar sem sobressaltos os ciclos de crise, com a lógica de lucro assente no sacrifício dos postos de trabalho e na imolação de sonhos de jovens profissionais ou de carreiras sólidas dos mais velhos.

Com efeito, os últimos anos testemunharam um dramático cortejo de reestruturações, de despedimentos, de dispensas compulsivas, de acordos de duvidosa consistência e de rescisões ditas voluntárias que esvaíram muitas redacções de um imenso capital de memória, experiência e diversidade, que puseram termo precoce às carreiras de muitos dos nossos melhores.

Muitos foram ofendidos no que há de mais sagrado na vida de um homem ou de uma mulher – a dignidade: viram aplicar-lhes na carne o ferrete infamante de dispensáveis, propor-lhes o dinheiro do dano mínimo a troco de uma saída pela porta dos fundos que dá para o beco da pré-reforma ou do desemprego.

Outros resistiram o mais que puderam – e alguns ainda podem! Foram perseguidos, novamente ofendidos, desocupados profissionalmente e tratados como trapos sem serventia, isolados em instalações afastadas das suas redacções, injuriados até à mais humilhante das ofensas: um jornalista chegou a ser deportado para um armazém de placas publicitárias.

Não é fácil, hoje, o combate sindical nas empresas e a acção junto de órgãos e entidades que deveriam velar para que o respeito pela lei e pela dignidade da pessoa humana, mas os dirigentes, os delegados e activistas da nossa organização continuam dando provas de que é possível resistir e de que é possível alcançar resultados.

Podem, pois, contar com o colectivo extraordinariamente rico que hoje se renova, reiterando igualmente o compromisso de bater-se pela defesa dos direitos dos jornalistas, não como um fim em si, mas como instrumento vital de concretização dos deveres profissionais e cívicos perante a sociedade que servem.

Eleita sob a bandeira da defesa do “Jornalismo responsável” como “garantia da liberdade”, a Direcção que nos próximos dois anos conduzirá a acção do Sindicato dos Jornalistas assume um importante conjunto de compromissos para com a classe, para com o sector e para com a sociedade.

Nesse sentido, além da prioridade às medidas já no terreno, de combate à exploração de estudantes, de recuperação de direitos e garantias dos jornalistas, de organização sindical e de valorização do SJ, a Direcção empenhar-se-á em medidas e acções de importante alcance, das quais destacamos:

• A entrega, em breve, a todas as forças concorrentes às próximas eleições legislativas, de uma agenda de iniciativas legislativas imprescindíveis, das quais se destaca a regulamentação dos direitos de autor dos jornalistas, a qual ficou por concretizar pela segunda legislatura consecutiva, apesar da sua aprovação na generalidade;

• O reforço da formação contínua como condição para o exercício permanentemente qualificado, responsável e auto-exigente da profissão;

• O lançamento do debate sobre a auto-regulação do sector, visando responsabilizar tanto os jornalistas como as empresas, devendo ser anunciada brevemente a criação de um grupo de reflexão;

• A realização do 4.º Congresso dos Jornalistas Portugueses, sob o lema “Identidade Profissional do Jornalista”, o qual constituirá um importante fórum de reencontro da classe consigo própria uma oportunidade de valorização da sua organização sindical para o futuro.

Uma palavra final para o extraordinário corpo de funcionários e colaboradores deste Sindicato, cuja dedicação, interesse, lealdade e experiência nos ajudam a tornar menos difíceis as nossas tarefas. Agradeço à D. Filomena e à Sílvia os cuidados com as nossas instalações; ao Sr. António José a dedicação, lealdade e zelo nas duras tarefas externas; à Maria José, à Isaura e à Isilda a simpatia e militância com que são o rosto do Sindicato junto de muitos sócios; à Maria João a militância e a paciência com que nos secretaria; aos doutores Madalena Januário, Tiago Basto e António Torres Pedroso a competência e dedicação com que nos apoiam nos seus escritórios de advogados; à Dra. Paula Tanganho, pelo entusiasmo com que abraçou a sua colaboração com o Sindicato; ao Dr. José Leitão, pela longa dedicação a esta casa e pelos ensinamentos de rigor que nos transmite; e, enfim, ao Dr. Horácio Serra Pereira, pela sabedoria e lucidez com que nos ajuda e pela camaradagem militante com que nos anima.

Também é muito por eles que este Sindicato vale a pena!

Disse.

Lisboa, 21 de Dezembro de 2004

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