“O momento chegou: a 14 de março, paramos.” Intervenção do presidente do SJ sobre a greve geral de jornalistas

Chegou o momento de passarmos das palavras aos atos. Há muito que o diagnóstico está feito: degradou-se o exercício do jornalismo. Sobrevivemos com baixos salários, precariedade, sujeitos a uma irrazoável pressão para o imediatismo, à constante falta de tempo. Chegou o momento de exigirmos respeito. 

As conclusões do último Congresso de Jornalistas são claras: “a paixão dos jornalistas pela profissão não pode servir de pretexto para a exploração do seu trabalho por parte das empresas”. O nosso amor à profissão não pode ser instrumentalizado como salário emocional.

Não é admissível expulsar quem tem décadas de redação por ganhar um pouco acima da média. Não é admissível ter fotojornalistas a pagar o seu próprio equipamento. Não é admissível condenar os repórteres de imagem e editores de imagem a uma eternidade como falsos recibos verdes. Não é admissível ter estagiários a receber 150 euros por mês. Não é admissível haver freelancer a receber 20 euros à peça. Não é admissível o país ter metade dos concelhos sem um jornal local.

Decidimos em janeiro avançar para uma greve geral de jornalistas. Aqui a convocamos. Para momentos muito graves, atitudes e gestos consentâneos. É lamentável que, nos 50 anos do 25 de Abril, um pilar fundamental da democracia esteja tão ameaçado. Jornalismo precário não é jornalismo livre. Uma democracia não sobrevive sem jornalismo de qualidade. E nós, jornalistas, temos o dever de denunciar – às administrações de órgãos de comunicação, ao poder político, aos cidadãos – as “condições desumanas de trabalho” em que produzimos informação. Palavras do congresso. 

Por isso paramos. Sabemos o quão difícil é fazer-se greve quando se está vulnerável, mas também sabemos que não podemos continuar assim: nem quem está nas redações há quatro meses, nem quem está há quatro décadas. Sabemos que só juntos podemos exigir condições dignas. Se não for agora, quando será? 

Exigimos condições salariais – ninguém vive do ar – e condições editoriais – não se consegue cobrir as diferentes realidades, cada vez mais complexas, com as redações reduzidas até ao osso. Só por milagre é que se produz jornalismo de qualidade quando as condições nas redações se degradam tanto e nos impõem um ritmo tão acelerado. 

O fluxo constante de notícias nas televisões, nos jornais, na rádio, na internet é sustentado por práticas laborais que atropelam os direitos dos jornalistas. Há níveis cada vez mais elevados de burnout e ansiedade entre os jornalistas – 48% fala em “esgotamento”. Por mais que se goste do que se faz, o romantismo não paga contas.

Por isso, paramos a 14 de março.

Paramos para exigir contratos de trabalho estáveis. Os vínculos precários – de falsos recibos verdes a estágios ilegais ou contratos a termo – são a prática corrente no setor. E são estatisticamente mais comuns do que noutras profissões especializadas. 

Paramos para exigir o aumento geral dos salários. Não é aceitável que uma profissão com esta relevância e exigência seja paga com ordenados que mal chegam para sobreviver. 1 em cada 3 jornalistas recebe menos de 1000 euros. E a maioria vive e trabalha nas cidades mais caras do país. 

Fazemos horas extraordinárias, apesar de muitos de nós não receberem nem um cêntimo por esse trabalho. Paramos para exigir que o pagamento das horas extras seja a regra e não a excepção.

Paramos para exigir o pagamento das compensações por penosidade: trabalho nocturno, fins de semana, subsídio por isenção de horário. O mínimo é que nos paguem de forma digna para exercer uma profissão que não tem hora marcada.

Paramos para exigir intervenção pública. Portugal não pode manter-se como a exceção europeia em que o Estado nada faz pela sustentabilidade do jornalismo, nada contribui para a pluralidade democrática. Exigimos que o Estado assuma as suas responsabilidades, faça condizer o seu investimento com a importância da informação como bem público constitucionalmente consagrado.

Paramos a 14 de março, para exigir, no fundo, condições laborais dignas.

Há mais de 40 anos que não fazemos greve. Nestas quatro décadas, perdemos direitos, perdemos espaço, perdemos autonomia. Há um momento em que temos de fincar o pé. Esse momento chegou. É aqui e agora. A 14 de março, paramos.

Intervenção do presidente do SJ, Luís Filipe Simões, no anúncio da greve geral de jornalistas para 14 de março.

19 de fevereiro de 2023

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