Em novo comentário intitulado «Jornalistas e eleições», José Vítor Malheiros volta à liça no Público de 12 de Fevereiro de 2002 para esclarecer melhor a sua posição, em função das ambiguidades de que foi acusado por Vicente Jorge Silva. A expressão-chave, acentua, é que o jornalista pode tornar-se político no activo, mas não «ao mesmo tempo».
Num texto publicado nestas páginas na passada sexta-feira («Jornalistas e actividade política»), Vicente Jorge Silva, a propósito da polémica suscitada pela candidatura do presidente do Sindicato de Jornalistas às eleições legislativas e da sua própria candidatura, perguntava se não estariam a ser confundidas duas situações diversas e se não estaria a ser colocado em causa o «próprio direito abstracto de qualquer jornalista decidir um dia (…) suspender a sua actividade profissional e assumir, enquanto cidadão, responsabilidades políticas efectivas».
Tentemos desfazer eventuais confusões. Não contesto de forma alguma (até defendo) o direito de alguém que é jornalista passar a dedicar-se à vida política activa. Penso porém que não é saudável o exercício simultâneo de uma actividade partidária e da actividade jornalística – apesar de muita gente o ter já feito. O jornalista faz política, sem dúvida, mas tem para com os seus leitores o dever de manter um ponto de vista tão independente dos poderes e das instituições quanto possível. Isto quer dizer que não se pode ser jornalista (invocar o estatuto da independência, solicitar a confiança de fontes e leitores) e, ao mesmo tempo, ser político no activo (defendendo um partido, uma estratégia que visa reforçar esse partido). Sublinho porém que a expressão-chave aqui é «ao mesmo tempo».
Considero que VJS cumpriu com o máximo escrúpulo as suas obrigações éticas ao depositar a carteira profissional e ao abdicar do seu estatuto de jornalista a partir do momento em decidiu enveredar por uma actividade política. Mas se a posição de VJS é inatacável, a posição do presidente do Sindicato de Jornalistas é criticável porque permite todas as confusões. (O que poderá ser para Alfredo Maia a independência do jornalista?) Estas confusões tornam-se particularmente criticáveis quando são alimentadas por alguém que se apresenta como representante dos jornalistas e cujos actos afectam a imagem de todos nós.
Ser jornalista é apenas exercer uma dada profissão. É certo que se trata de uma profissão que impõe regras específicas, que possui uma deontologia própria, que impõe certas incompatibilidades, mas o mesmo acontece em muitas outras, de enfermeiro a fiscal das finanças. Não se trata de uma investidura e muito menos de uma investidura vitalícia. É-se jornalista quando se faz jornalismo e deixa-se de o ser se se muda de profissão. Um jornalista não pode reivindicar a isenção e, ao mesmo tempo, ter uma actividade partidária, mas pode perfeitamente ser jornalista e deixar de o ser.
As regras de isenção a que o jornalista está obrigado não são uma qualidade pessoal que o jornalista possui por ser um ser superior. São apenas uma ferramenta, uma necessidade profissional, uma forma de cumprir um papel específico. Inversamente, o jornalista não perde a sua inocência nem a sua honestidade quando decide passar a representar um papel onde o compromisso do político substitui a isenção do observador. O que tem de ser claro é que se trata de outro papel.
Texto reproduzido com a autorização do autor