O jornalismo e as pessoas com deficiência

Sensibilizar os jornalistas para a problemática da deficiência e incluir cláusulas relativas às condições de trabalho de profissionais com deficiência nas convenções de trabalho do sector foram necessidades reconhecidas pelo presidente da direcção do Sindicato dos Jornalistas (SJ), Alfredo Maia, na jornada de reflexão “A Imagem do Deficiente na Comunicação Social Portuguesa”, realizada na Assembleia da República, em 1 de Julho.

Alfredo Maia participou na sessão de abertura da jornada, na qual também intervieram o presidente da Associação Portuguesa de Imprensa-AIND, João Palmeiro, o vice-presidente da AR Narana Coissoró, o presidente da Alta Autoridade para a Comunicação Social, Armando Torres Paulo, e o presidente da Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes (CNOD), Henrique Mendonça.

É o seguinte o texto integral da intervenção de Alfredo Maia:

“As conclusões do recente Congresso Europeu Sobre Comunicação Social e Deficiência, em que o Sindicato dos Jornalistas teve a honra de participar, colocaram na ordem do dia três aspectos essenciais a que nem organizações de profissionais de informação, nem organizações patronais, nem órgãos de regulação podem fugir, e que são:

– a urgência de uma mudança de atitude dos média face à pessoa com deficiência;

– o combate aos preconceitos e aos estereótipos;

– o estreitamento dos laços entre organizações representativas.

“Nesse congresso, foram referidos os resultados de uma sondagem que não pode deixar de inquietar-nos:

– 57% dos europeus reconhecem não estar bem informados sobre as várias formas de deficiência;

– 40% dos europeus consideram que “os outros” não estão à-vontade perante um cidadão com deficiência.

“Três preocupações ressaltam deste debate e que devem ser objecto de reflexão:

– o tratamento muitas vezes inapropriado do tema da deficiência pela Comunicação Social – quantas vezes fazendo mais apelo a uma comiseração gratuita do que a uma consequente consciencialização dos seus problemas e, por isso, a uma produtiva mobilização da sociedade para a sua resolução;

– a insuficiência de conhecimentos e mesmo a ignorância relativamente a conceitos, quando não a existência de preconceitos;

– a deficiente descodificação da linguagem, com o cortejo de efeitos nocivos na difusão de informações para o público.

“Destes condicionalismos, resultam sérios riscos de reprodução, difusão e ampliação de erros e preconceitos.

“Como os jornalistas são, antes de mais, cidadãos que emergem da sociedade e não vivem à margem desta nem estão imunes às suas influências – e, por conseguinte, aos seus preconceitos – é natural que, pelo menos em determinado estádio do seu desenvolvimento, encarem os fenómenos e os problemas com um olhar semelhante ao dos seus concidadãos.

“Acontece que estamos a tratar de uma profissão com elevadas responsabilidades sociais e cívicas, atenta uma das suas missões essenciais – a de contribuir para a formação de uma opinião pública informada, esclarecida e consciente.

“É por isso que se lhe exige:

– uma atitude cívica, ética e deontologicamente responsável, realizando a sua missão num permanente esforço para evitar beliscar a dignidade das pessoas e de a promover ao nível requerido nas sociedades que se querem modernas e justas;

– uma crescente capacidade técnico-profissional para abordar temas – seguramente complexos – que não podem deixar de constituir preocupações na agenda dos profissionais, das suas organizações e das empresas.

“E é por isso que faz sentido hoje introduzir no plano das nossas preocupações, enquanto organização responsável, um compromisso relativamente à formação contínua dos jornalistas – o de procurar contribuir para a inclusão de temas como o da deficiência na planificação de próximas acções de formação.

A pessoa com deficiência e o processo comunicacional

“No congresso europeu a que já fiz referência e de qual muitos dos senhores aqui presentes saberão falar com mais propriedade e com mais qualidade do que eu, foi referido um outro aspecto que poderemos reputar nuclear – o da participação de pessoas com deficiência no processo comunicacional como forma de facilitar a passagem da mensagem nos média.

“Esse propósito é respeitável, sem dúvida. Mas, estando nós aqui reunidos numa jornada de reflexão, talvez não fosse descabido encaminhar a discussão por uma linha fundamental – a participação de pessoas com deficiência no processo comunicacional:

– não deve transformá-las em meros porta-vozes de um universo particular, sob pena de cristalizar a estigmatização e o preconceito;

– não pode autorizar nem alimentar a instrumentalização, transformando tais pessoas em simples demonstradores de tecnologias ou de oportunidades.

“Quando um editor de televisão dizia que “estarmos a trabalhar no meio é a forma de diminuir o problema da linguagem”, o que ele quereria talvez significar não era que um profissional de comunicação social com deficiência é uma garantia quase exclusiva de qualidade na abordagem do tema.

“O que desejo que ele quisesse dizer – e certamente o pensa – é que se a presença de profissionais com deficiência no seio das empresas de comunicação social é garantia de uma aproximação qualitativa ao tema, aos seus códigos e preocupações, é igualmente certo que há-de produzir resultados no colectivo em que se inserem, enriquecendo a cultura do “meio” com os seus conhecimentos, experiências e realidades.

“Creio que é nessa linha que vai a Declaração de Madrid (22 de Março de 2003), que também apela a uma aliança com os média, de que passo a citar:

“Dever-se-ia potenciar a inclusão de informação sobre as pessoas com deficiência nos meios de comunicação como reconhecimento da existência da diversidade humana. Ao referir-se as questões de deficiência, os meios de comunicação deveriam evitar aproximações paternalistas ou humilhantes e, pelo contrário, centrar-se melhor nas barreiras que enfrentam as pessoas com deficiência e na contribuição positiva que estas podem oferecer à sociedade, uma vez que estas barreiras são ultrapassáveis”.

Um desafio às organizações do sector

“Desta breve reflexão que convosco faço, extrai-se já o compromisso da nossa disponibilidade para inscrever nas preocupações da formação contínua o tema da deficiência. Mas as nossas responsabilidades não podem cessar aqui.

“Quando falamos nas responsabilidades sociais e cívicas dos sindicatos e das empresas e suas associações, não podemos ignorar a promoção da igualdade de oportunidades e o respeito pela diversidade, pelo que também não podemos deixar de reconhecer:

– que é necessário fomentar a disponibilidade das empresas de comunicação social para recrutar trabalhadores com deficiência, assegurando-lhes condições profissionais idênticas às dos demais, embora adaptadas na justa medida às suas características;

– que os contratos colectivos de trabalho do sector devem passar a integrar cláusulas relativas designadamente às condições de trabalho de profissionais com deficiência, matéria em que são, até hoje, completamente omissos – eu, sindicalista, pecador me confesso.

“Pela nossa parte, manifesto nesta oportunidade o desejo do SJ de recolher brevemente contributos das organizações de deficientes – e em particular da CNOD – para que possamos melhorar os instrumentos que regulam as nossas relações de trabalho.

“Estou certo que os trabalhos desta jornada serão já um avanço decisivo.”

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