Nota do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas sobre a suspensão do programa ‘Ana Leal’ (TVI)

1)

No final de março, foi a opinião pública surpreendida pelo anúncio da suspensão do programa de informação ‘Ana Leal’ (TVI).

Algumas das notícias então publicadas alegavam uma hipotética censura ao programa, que se prepararia para emitir uma reportagem que iria “revelar falhas graves na resposta do Serviço Nacional de Saúde” (de acordo com indicações dadas pelos autores do programa numa página do Facebook) (LINK).

Poucos dias depois, a responsável pelo programa deixou uma informação na mesma rede social em que afirma que “perante as muitas perguntas que têm sido colocadas por seguidores da página do Programa Ana Leal desde ontem à noite, dizer que, não é da minha responsabilidade a não emissão da reportagem que estava anunciada” (LINK).

Esta sucessão de factos, reforçada com a alegada explicação dada pela Direção de Informação da TVI (“todos os dias caem peças. (…) Às vezes caem umas, outras vezes caem outras”) (LINK), levou o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CDSJ) a questionar as partes, no sentido de entender e esclarecer o que se passou.

 

2)

Os quatro jornalistas que fazem parte da equipa do programa responderam em bloco ao CDSJ, explicando, nomeadamente:

– “A equipa é dissolvida a 26 de março de 2020, na sequência da não transmissão de uma reportagem sobre as falhas no SNS, anunciada na Página do Programa Ana Leal e que não chegou a ser emitida por decisão de Sérgio Figueiredo. É também o culminar da tensão entre a equipa e Sérgio Figueiredo, na sequência de outras reportagens que não foram igualmente emitidas. A ordem por parte do Diretor de Informação era clara: Não é a hora de apontar o dedo”.

– “A equipa manifestou total discordância argumentando que o jornalismo não está de quarentena e que só há uma forma de fazer jornalismo: informar. Esta decisão nada tem a ver com a necessidade de distribuir e reforçar a equipa pela redação, já que todos nós já estávamos a trabalhar exclusivamente no tema Covid 19, mas sob orientações da Coordenadora Ana Leal”.

A equipa do programa ‘Ana Leal’ (TVI) também remeteu a este CDSJ diversos exemplos de reportagens, realizadas em período Covid-19, e que, segundo os próprios, não foram emitidas “por decisão do Diretor de Informação.”

O CDSJ perguntou também à equipa de Ana Leal qual era o acompanhamento que a Direção de Informação da TVi fazia regularmente das reportagens do programa:

– “Durante o tempo em que o programa Ana Leal esteve no ar, o DI Sérgio Figueiredo foi recebendo as propostas da coordenadora Ana Leal, aprovou sempre e um membro da DI via por norma as reportagens quando estavam concluídas, horas antes de serem exibidas. Nos últimos meses, o DI não tomou conhecimento dos temas nem visionou as reportagens antes de serem exibidas. Neste caso, ou seja, no contexto Covid19, o acompanhamento foi totalmente diferente. A DI quis saber ao pormenor quais os temas, insistiu sempre na ideia de que não era hora de apontar o dedo aos poderes”.

3)

O CDSJ também solicitou ao diretor de Informação da TVI, Sérgio Figueiredo, informações que pudessem ajudar a compreender melhor o que se passou, nomeadamente as razões que determinaram essa suspensão (cancelamento?) e se tiveram algo a ver com o tema anunciado (“falhas graves na resposta do Serviço Nacional de Saúde”).

Da resposta de Sérgio Figueiredo destacamos as seguintes informações:

– “Os dois programas de investigação jornalística [‘Ana Leal’ e ‘Alexandra Borges’] (que eu e a minha Direção decidimos criar e manter debaixo de pressões inimagináveis e de variadas origens) foram suspensos antes de o Estado de Emergência ter sido declarado a nível nacional. Foram interrompidos e os respetivos jornalistas integrados na estrutura de redação, porque estes tempos são mesmo de emergência para todos, incluindo as redações de jornais, rádios e televisões, que não podem parar, que têm de acudir a uma situação única na nossa vivência coletiva, mas que nunca funcionaram com tão poucos para acudir a tamanha atualidade”;

– “Que eu saiba, ainda é matéria de decisão de um diretor de uma redação alocar os seus recursos conforme as prioridades que define e as necessidades que o coletivo diariamente vive. É esse o meu dever enquanto estiver nestas funções”;

– “Não preciso que me expliquem a importância de preservar até aos nossos limites o jornalismo de investigação, que é normalmente incómodo e que, no caso da TVI e das duas jornalistas que coordenavam equipas próprias, não poupavam nem nada nem ninguém ao exercício de escrutínio. Repito: fizeram-no por meu impulso. E também insisto: no último ano e meio fizeram-no debaixo de todo o tipo de pressões. Quando a Ana Leal, a Alexandra Borges ou o seu diretor mais precisaram de se defender de formas de coação e, aí sim, de censura e ameaças de gente poderosa e até sem escrúpulos, faltou-nos a voz e a atitude daqueles que agora querem proteger o jornalismo de investigação.”

– “As notícias que vos levam a questionar-me sobre uma suposta censura são falsas e difamatórias. Lamento que sejam suficientes para colocarem esse Conselho em sobressalto, quando, que eu saiba, não houve uma queixa formal ou informal da parte dos que teriam sido censurados, do Conselho de Redação da TVI ou partindo de outras fontes credíveis e com conhecimento de causa.”

4)

O CDSJ quer agradecer as respostas recolhidas, sobretudo tendo em conta que nesta altura são – e bem – outras as prioridades em cada uma das redações portuguesas. Mas o CDSJ também entende que, se necessário, as respostas são sinal da importância que o assunto mereceu e deve merecer.

Mais do que nunca o jornalismo passa por um elevado escrutínio e acusações de censura, como as que vieram a público (LINK) não servem nem o jornalismo nem, neste caso, a informação da TVI.

A atitude proativa do CDSJ, sem esperar pela formalização de uma eventual queixa, não sendo a regra, não foi a primeira nem será a última, sempre que entendermos que circunstâncias várias (como por exemplo a subordinação hierárquica) o podem inibir.

Sobre a matéria de facto: torna-se evidente que existem várias contradições entre os dois depoimentos, contradições que este CDSJ não pode esclarecer nem deve julgar.

Em conclusão: o CDSJ concorda com os jornalistas do programa ‘Ana Leal’ quando estes afirmam que ‘o jornalismo não está de quarentena’, mas reconhece que circunstâncias especiais (nomeadamente o facto das redações estarem com muito mais trabalho, em condições mais difíceis, e menos profissionais) podem justificar decisões especiais – como a suspensão dos referidos programas de investigação. O CDSJ, em face das respostas enviadas pelo diretor de Informação da TVI, acredita que o jornalismo de investigação voltará à primeira linha das prioridades da TVI, mal estejam reunidas as condições para tal.

Lisboa, 9 de abril de 2020

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