Proximidade: o jornalismo que todos querem mas não pagam
Quando cheguei à profissão, no início dos anos 90 do século passado, corria um deslumbre pela imprensa nacional. “Tu não vais ficar para sempre n’O Correio de Pombal…imagino que queiras trabalhar num diário, em Lisboa”. Foi o tempo em que nasceu o Público, em que nos deslumbrávamos com o DNA, o Independente ou a revista do Expresso, mas eu percebi cedo que nenhum me tornaria tão completa como a imprensa regional: ali nunca ficaria agarrada (especializada ?) a uma secção, mas conseguiria tocar todas as áreas, da política à sociedade, da educação à cultura. E não, não fiquei para sempre no jornal local da minha cidade (que anos mais tarde acabou por fechar, como tantos títulos neste país), mas caminhei entre outros da região de Leiria. Foram anos bons, aqueles, para os jornais e para os jornalistas – a profissionalização dos meios locais, o incentivo à reconversão tecnológica (infelizmente nem sempre aplicada onde devia, à boa maneira nacional), uma certa esperança que começou a esboroar-se antes do fim da década, como de resto foi notório já no III Congresso dos Jornalistas, o primeiro em que participei, ainda cheia de sonhos. Nessa altura não se falava ainda de precariedade, com todas as letras. Isso seria muito depois. Mas falava-se – isso sim – do abandono do país: as televisões, as rádios e os jornais começavam nessa altura a fechar delegações, concentrando meios nos grandes centros de Lisboa e Porto (ainda o Porto). O país foi desaparecendo, assim, das páginas dos jornais, antes mesmo dos jornais desaparecerem do país, onde haveriam de voltar apenas para um Entre-os-Rios, ou quando um Pedrógão Grande o justifica. Entre uma tragédia e outra, cada região não perdeu apenas delegações. Perdeu também os seus próprios jornais, as suas rádios locais – primeiro aniquiladas pelas parcerias douradas de (multi)nacionais, depois dilaceradas por si mesmas. Chegaram “plataformas digitais”, web-tv’s, mundos e fundos que têm muito pouco de jornalismo, quase nada de jornalistas. Por toda a parte cresceram e multiplicaram-se os “equiparados”. As últimas contas da Comissão da Carteira Profissional são assustadoras: em poucos anos passámos de 70 para 700. Gente que tanto faz notícias, entrevistas e reportagens (sem formação alguma nem noção da responsabilidade do ofício) como vai ali arbitrar um jogo de futebol, dar uma aula de educação física, aviar copos atrás de um balcão, encher chouriços. Ao mesmo tempo, acumulamos compulsivamente jornalistas encartados no papel de tarefeiros, enquanto resistem. Enquanto não desistem. Enquanto conseguem somar valores à peça e avenças avulsas, em roda livre. Faz sentido chamarmos-lhes “freelancers”, mesmo que o modo de vida lhes permita muito pouco de liberdade, afinal, a começar pelos horários e a acabar no fuso financeiro. São esses que ainda levam o país às páginas dos jornais nacionais (e regionais), às rádios, às televisões. São eles que têm ainda nas mãos essa quimera do ouro a que chamamos proximidade. Tão próxima que a história apenas sai da esfera pessoal do jornalista quando (esporadicamente) vai à rua ou telefona a alguém para a recolher. O resto faz-se em casa, longe das Redações, esse lugar em vias de extinção. Desengane-se quem pensa que não terá custos essa forma de fazer jornalismo, muito menos partilhado, muito mais solitário, muito menos vivo, muito mais isolado, muito menos escrutinado, muito mais frágil.
E que por isso mesmo, ainda nos merece tantos cuidados.
Paula Sofia Luz
Carteira profissional: 1717 A
(A partilha, o debate e a discussão permanente são condições essenciais da ética e da cultura profissionais, sem as quais qualquer deontologia não passa de letra morta e se resume a um mero instrumento ideológico para legitimar uma profissão. Convidamos, assim, todos os jornalistas a apresentarem os seus textos, que devem ter entre três e quatro mil caracteres, incluindo espaços. Os autores dos textos têm de estar todos identificados pelo seu nome profissional, fotografia e número de carteira profissional e devem enviá-los para o e-mail do Conselho Deontológico conselhodeontologico@sinjor.pt )