Julgamento do processo Casa Pia terá porta-voz para a Imprensa

“Um pequeno avanço no sentido de uma maior abertura da actividade judiciária à missão dos jornalistas” – assim classifica o Sindicato dos Jornalistas (SJ) a decisão do Tribunal de fazer acompanhar o julgamento de um ex-funcionário da Casa Pia pelo adjunto para a Imprensa do gabinete do presidente do Supremo Tribunal de Justiça

A Direcção e o Conselho Deontológico, em comunicado divulgado a 27 de Outubro, fazem notar que a solução encontrada, embora não correspondendo “à solução de compromisso” sugerida pelo SJ, e apesar de encerrar “riscos de uma cobertura deficiente e eventualmente pervertida”, evidencia como os agentes e protagonistas do processo estão a aprender “a lidar com novos problemas no escrutínio da Justiça pela opinião pública”.

Apelando a todos os jornalistas envolvidos na cobertura noticiosa do caso e aos membros dos conselhos de redacção “para que redobrem o escrúpulo profissional e o empenhamento deontológico”, o SJ manifesta a sua intenção de “monitorizar o processo”, de forma a poder contribuir para a reflexão e formação de ensinamentos que o caso certamente motivará.

É o seguinte o texto, na íntegra, do comunicado do SJ:

O SJ e o julgamento do processo Casa Pia

1. O Sindicato dos Jornalistas recebeu, na sequência das suas intervenções acerca das condições de cobertura da audiência de julgamento em que é arguido um ex-funcionário da Casa Pia de Lisboa, cujo início está previsto para amanhã, uma notificação do Tribunal Colectivo encarregado de julgar o referido processo, informando-o de que:

a) Dada a “idade das vítimas, a natureza dos ilícitos em causa e a vontade do arguido de falar amplamente e sem restrições sobre o objecto do processo”, o Tribunal encontrou “uma solução de equilíbrio entre todos os interesses em causa” servindo a “descoberta da verdade material com respeito integral” pelos “interesses do arguido, das alegadas vítimas, dos jornalistas e pelas regras básicas do Estado de Direito”;

b) Nessa conformidade, a audiência vai decorrer à porta fechada, com acesso exclusivo dos magistrados, advogados constituídos, funcionário judicial, assistentes, testemunhas e tradutor;

c) A audiência será acompanhada pelo adjunto para a Imprensa do gabinete do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o qual, no final de cada sessão, “dará a conhecer sumariamente o andamento da audiência” através de uma comunicação aos jornalistas, no hall do Tribunal da Boa Hora.

2. Não correspondendo, como se sabe, à solução de compromisso sugerida pelo Sindicato dos Jornalistas (cfr. comunicado de 3 de Outubro), a metodologia adoptada pelo Tribunal constitui já um pequeno avanço no sentido de uma maior abertura da actividade judiciária à missão dos jornalistas, mesmo quando se trata de matérias que, pela sua natureza e especial melindre, não são por norma apreciadas em audiências públicas.

3. Tal solução evidencia como os agentes e protagonistas do processo, assim como os jornalistas e a opinião pública, estão aprendendo a lidar com novos problemas no escrutínio da Justiça pela opinião pública, mas encerra ainda riscos de uma cobertura deficiente e eventualmente pervertida.

4. Estando, porém, a decisão tomada por quem de direito, e correspondendo esta a um sinal de abertura, o Sindicato apela a todos os jornalistas directa ou indirectamente envolvidos na cobertura noticiosa do caso em apreço, assim como aos membros dos conselhos de redacção, para que redobrem o escrúpulo profissional e o empenhamento deontológico, a fim de que possamos fazer deste ao menos um primeiro passo.

5. Tal como a História se faz tanto de revoluções e de convulsões como de caminhadas longas, a passo persistente e inteligente, também o estádio actual da liberdade de imprensa e da transparência da Justiça é o resultado de um continuado esforço de homens e mulheres que, em múltiplas ocupações profissionais e animados pelas mais variadas motivações, souberam dialogar e convergir no propósito de tornar aqueles objectivos em valores essenciais da Sociedade.

6. O Sindicato, que procurará monitorizar o melhor possível o acompanhamento do processo pelos órgãos de informação, extrairá as suas conclusões e esforçar-se-á por contribuir para as reflexões e formação de ensinamentos que o caso, pela sua singularidade e pelas suas consequências, seguramente motivará.

Lisboa, 27 de Outubro de 2003

A Direcção e o Conselho Deontológico

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