Jornalista brasileiro “refém” de 18 processos

Devido aos 18 processos que contra ele impendem, o jornalista brasileiro Lúcio Flávio Pinto, editor do quinzenário “Jornal Pessoal”, não vai deslocar-se este mês à cerimónia de atribuição do Prémio Internacional da Liberdade de Imprensa, com que foi distinguido pelo Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ).

Lúcio Flávio Pinto é praticamente refém na cidade amazónica de Belém, onde reside e onde acompanha atentamente a evolução dos processos que lhe foram instaurados por juízes, donos de órgãos de comunicação, políticos e empresários descontentes com o seu estilo crítico, que destaca sobretudo casos de narcotráfico, devastação ambiental e corrupção política e empresarial.

O jornalista tem enfrentado ameaças, ataques e é alvo de dezenas de acções civis e penais por difamação que têm por base a Lei de Imprensa brasileira de 1967, período da ditadura militar, que prevê penas até três anos de prisão.

As datas das audiências associadas aos processos contra o repórter impedem-no de viajar para fora da sua cidade, pois perder uma única audiência ou prazo final coloca Lúcio Flávio Pinto em risco de prisão.

O repórter revelou ao CPJ que dedica mais de 80 por cento do seu tempo a fazer a pesquisa jurídica para a sua defesa, que está a levar a cabo praticamente sozinho por os advogados temerem representá-lo.

Lúcio Flávio Pinto enfrentou duas acções penais e uma civil colocadas por Cecílio do Rego Almeida, na sequência de artigos que publicou no “Jornal Pessoal” em 1999 e 2000, descrevendo a apropriação de terras ricas em madeira na Floresta Amazónica por companhias controladas por Rego Almeida, dono da Construtora CR Almeida.

O jornalista enfrenta ainda mais de 10 acções civis e penais por difamação apresentadas por membros da família Maiorana – proprietária do diário “O Liberal”, do grupo de comunicação Organizações Romulo Maiorana, de uma estação de rádio e da TV Liberal, afiliada local da Rede Globo – acerca da qual Lúcio Flávio Pinto escreveu que usava a sua influência para pressionar empresas e políticos a comprarem espaço publicitário nas empresas de comunicação social do grupo.

Vários processos contra Lúcio Flávio Pinto já prescreveram, mas os juízes recusaram-se a encerrar as acções e, quando em Janeiro de 2004 o jornalista foi agredido por Ronaldo Maiorana num restaurante, as autoridades não deram provimento à queixa apresentada.

Lúcio Flávio Pinto ainda é réu primário, o que significa que tem direito a pena suspensa na sua primeira condenação. Porém, se alguma condenação for confirmada num tribunal de recurso, o veredicto seguinte pode levá-lo à prisão.

O CPJ, que atribuiu ao jornalista o Prémio Internacional da Liberdade de Imprensa para valorizar a sua coragem no exercício da profissão, condenou esta perseguição legal sistemática baseada na Lei de Imprensa de 1967, que é constitucionalmente dúbia actualmente e desafiou o governo federal brasileiro a entrar com uma acção directa de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, que tem a autoridade para anular esta lei, usada para silenciar os jornalistas mais críticos, o que viola a garantia constitucional brasileira de liberdade de expressão e proibição da censura.

A Lei de Imprensa de 1967 define alegadas violações em termos amplos como reportagem ofensiva à moral pública, reportagem que possa ser danosa de uma reputação ou ofensiva da dignidade do visado, reportagem considerada subversiva à ordem pública e política e reportagens sobre factos “reais” consideradas distorcidas ou provocatórias.

Devido à sua aplicação, processos penais e civis por difamação contra os média brasileiros atingiram as centenas nos últimos cinco anos, período em que empresários, políticos e funcionários públicos processaram repetidamente órgãos de comunicação e jornalistas como forma de os devastar financeiramente e pressioná-los a conter as críticas. Os visados pedem somas tão elevadas a título de “danos morais e materiais” que a prática já é conhecida como “indústria da indemnização”.

Entretanto, um sinal positivo foi dado por Edson Vidigal, ex-jornalista e actual presidente do Superior Tribunal de Justiça, a segunda mais alta instância brasileira, para quem a Lei de Imprensa foi “implicitamente revogada pela Constituição de 1988” e que considera que os jornalistas têm a sua actividade muito restringida enquanto aquela legislação permanecer em vigor.

Partilhe