Jornalismo vai sofrer com pacote laboral

A greve geral de 11 de dezembro não é só dos outros. É de todos nós. Fazer jornalismo também é trabalhar, embora seja mais, muito mais que isso. E como todas as pessoas que trabalham, os jornalistas vão sofrer se o Governo avançar com a revisão laboral.

Com o “Trabalho XXI”, o Governo desequilibra a balança a favor dos empregadores, deixando os trabalhadores à míngua de direitos. Só isto seria suficiente para nos fazer recusar este pacote laboral. Mas há motivos próprios da nossa profissão.

A revisão laboral vai fragilizar diretamente as condições de trabalho atuais dos jornalistas sem fazer nada para prevenir, quanto mais mitigar, os impactos da automação e da Inteligência Artificial. Sem fazer nada para preparar o jornalismo, e o país, para o futuro.

Com este pacote laboral, que expande a contratação a prazo e dificulta reconhecer falsos recibos verdes, a precariedade pode ser a única certeza na vida. Literalmente, porque a proposta do Governo autoriza a contratação de recibos verdes para sempre, sem nunca obrigar à integração, desde que tenha sido sempre precário…

Já somos obrigados a trabalhar à noite, aos fins de semana e a fazer horas extraordinárias sem a devida ou justa compensação financeira. Com o pacote laboral, que recupera o banco de horas individual e força o aumento da carga horária sem compensação financeira, o trabalho vai ficar mais barato e a justiça salarial dificilmente sairá do reino da imaginação.

A pressão que deixa metade das redações em risco de “burnout” vai aumentar com uma revisão laboral que dificulta o acesso ao teletrabalho e diminui a conciliação da vida pessoal e familiar, restringe a amamentação e o luto gestacional. Isto, no segundo país mais envelhecido da Europa.

Este pacote laboral facilita os despedimentos, dificulta as reintegrações e permite a contratação de serviços externos para substituir trabalhadores despedidos. Consegues imaginar como vai emagrecer ainda mais as já depauperadas redações?

E formação? Pois, é quase imaginação na comunicação social em Portugal. Mas vai ser reduzida para metade, que assim a falta é menor. Aprender a lidar com a Inteligência Artificial, para que a ferramenta ajude o jornalismo e não mate o jornalista, vai ser pouco mais que do Imaginação!

Uma proposta que fragiliza (ainda mais) a contratação coletiva, limita o direito à greve e dificulta as reuniões de trabalhadores e a entrada de sindicatos nos locais de trabalho não é difícil de imaginar que podia perfeitamente chamar-se Trabalho XIX.

São só algumas razões laborais (que havia mais), porque também há motivos políticos e editoriais de preocupação com este pacote laboral.

Sem surpresas, vindo deste Governo

O pacote laboral vem de um Governo que faz “fact checking” ao jornalismo e insiste na criação de uma agência interna para comunicar sem intermediação e evitar o escrutínio, como se fosse dono da verdade.

Um Governo que ataca o serviço público de rádio e televisão, que não reforça o financiamento e transforma uma má ideia, a entrada de um trabalhador para colmatar a saída de dois na RTP, numa péssima medida, aumentando o rácio para 1-4. Essas saídas ainda não foram colmatadas e até já foram autorizadas mais rescisões!

O mesmo Executivo que fragiliza também a Agência Lusa, que quer a fazer sinergias com a RTP, pondo em marcha um plano de reestruturação (leia-se, despedimentos), fazendo crer que isso não vai afetar a qualidade do serviço da única agência pública em Portugal, que mantém vivas partes do país votadas ao abandono.

O mesmo Governo que, de um plano de 30 pontos para a Comunicação Social que pouco avançou, ignorou a sugestão do sindicato e, ao arrepio da lei, efetivou um apoio aos órgãos locais e regionais, em ano de eleições autárquicas, sem o vincular ao cumprimento das convenções coletivas ou à obrigatoriedade de empregarem jornalistas.

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