Investigadores propõem debate sobre televisão pública

As conclusões do Grupo de Trabalho para o Serviço Público devem ser apenas o ponto de partida para um debate generalizado sobre a televisão do Estado, afirma um grupo de investigadores em comunicação social da Universidade do Minho, em carta aberta enviada ao Primeiro-Ministro.

O documento, datado de 18 de Setembro, propõe que seja desencadeado um processo de audição pública, ao longo de um período de três meses. As instituições artísticas, educativas, científicas, socioculturais e religiosas, entidades regionais, representantes das famílias, dos jovens e da terceira idade, bem como os promotores e divulgadores culturais deveriam ser chamados a participar neste processo de discussão.

Para estes investigadores, seria estranho que a sociedade “não tivesse o espaço e o ensejo para se pronunciar, em momento como o actual, em que se decide o futuro do serviço público de televisão”.

Este debate público seria coordenado por um uma comissão constituída “ad hoc”, ou pela Alta Autoridade para a Comunicação Social ou pelo Conselho de Opinião da RTP. Os contributos escritos seriam publicados na Internet, permitindo uma melhor divulgação e enriquecimento do debate.

O documento é assinado pelos investigadores Moisés de Lemos Martins, Manuel Pinto, Helena Sousa, Joaquim Fidalgo, Helena Gonçalves, Helena Pires, Felisbela Lopes e Luís Santos.

É o seguinte o texto integral da carta aberta ao Primeiro-Ministro sobre a televisão de serviço público:

“Senhor Primeiro-Ministro,

“Pelo lugar que conquistou tanto na vida pública como na vida privada, a televisão converteu-se numa questão de cidadania. Se isso é verdade relativamente ao panorama televisivo em geral, é-o por maioria de razão no que diz respeito ao serviço público de televisão.

“Acontece, entretanto, que a crise do serviço público e a grave situação financeira em que se encontra a RTP se tornaram, nos últimos anos, motivo de grande preocupação, tendo o XV Governo Constitucional decidido tomá-lo como objecto prioritário das suas políticas.

“Após as vicissitudes que são de todos conhecidas, o operador público de televisão tem finalmente um Conselho de Administração em funções, ao qual foram cometidas, numa deliberação do Conselho de Ministros de 9 de Maio passado, tarefas e metas específicas, algumas delas a serem tomadas a curto prazo.

“Ao mesmo tempo, o Governo designou um Grupo de Trabalho a quem solicitou ‘uma proposta de definição concreta do conteúdo e obrigações do novo Serviço Público de Televisão’.

“Como é do conhecimento de V. Exª , o que seja ou deva ser, nos dias de hoje, o serviço público de televisão é matéria política e culturalmente delicada, relativamente à qual o bom senso recomenda que se aja com prudência e com a noção o mais clarividente possível das consequências decorrentes das medidas a concretizar, agora e no futuro.

“O intenso debate que perpassou as páginas da Imprensa, na última Primavera, mostra à evidência que a televisão e em especial o serviço público interessam os cidadãos. Mas é justo reconhecer que esse debate, tendo envolvido primordialmente responsáveis e colunistas dos media e alguns intelectuais e dirigentes políticos, esteve longe de incorporar as sensibilidades, ideias e propostas de vastos sectores da sociedade civil e de cidadãos de diferentes proveniências.

“Ora, sendo a televisão e mormente o operador público RTP um problema acima de tudo da sociedade, relativamente à qual tanto o Estado como o mercado revestem uma natureza instrumental, estranho seria que essa mesma sociedade não tivesse o espaço e o ensejo para se pronunciar, em momento, como o actual, em que se decide o futuro do serviço público de televisão.

“Do ponto de vista dos signatários, não faz sentido discutir a natureza, as modalidades e as estratégias de um serviço público de televisão se o público ficar arredado das opções a tomar. Diremos mesmo que é na medida em que os diversos agentes e instituições sociais participam neste processo de debate e de decisão que podem assumir como suas as opções que vierem a ser tomadas. As instituições educativas, científicas, artísticas, socioculturais e religiosas, bem como as entidades regionais, os representantes das famílias, dos jovens, da terceira idade, os criadores, os promotores e os divulgadores culturais deverão ter, neste contexto, uma palavra incontornável.

“Assim sendo, e porque nos parece, enquanto investigadores do fenómeno televisivo e enquanto cidadãos deste país, que nos encontramos perante um momento e uma oportunidade singulares, consideramos ser o momento oportuno para propor uma metodologia de acção que, salvaguardando a legitimidade da actuação do Governo e a premência das soluções, acautele igualmente o princípio do envolvimento público , atrás enunciado.

Essa metodologia passa por tomar a reflexão e as propostas do Grupo de Trabalho nomeado pelo Governo como contributo e ponto de partida para um debate público a levar a cabo em período de tempo razoável, ao longo dos próximos três meses. Com base nessas e noutras propostas que o Governo entenda colocar como termos de referência, seria desencadeado um processo de audição pública de instituições e de cidadãos , quer presencialmente quer por escrito, coordenada por uma comissão constituída ad hoc ou, em alternativa, no âmbito da Alta Autoridade para a Comunicação Social ou do Conselho de Opinião da RTP.

“Definidos os termos de referência do debate e as questões específicas a colocar, seria aberto um período de audição e de recolha de contributos, prévia e adequadamente anunciado na Comunicação Social, sendo as principais organizações nacionais e sectoriais expressamente convidadas a participar. Os contributos escritos seriam disponibilizados na Internet, para conhecimento alargado e enriquecimento do próprio debate.

“Entendemos que as Universidades e outras instituições de investigação e ensino superior devem assumir as suas responsabilidades e tomar parte activa neste processo de audição. Pela parte que nos toca, e enquanto investigadores do Núcleo de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho desde já manifestamos a nossa disponibilidade e interesse em participar, apresentando em breve uma publicação que se propõe como um contributo sobre o entendimento que temos do serviço público de televisão.

“Consideramos que a metodologia aqui apresentada não põe em causa o esforço que o Governo vem fazendo no sentido de inverter o processo de degradação financeira da RTP e de deterioração do próprio conceito e prática do serviço público. Pelo contrário, permitirá conferir às decisões a tomar o lastro do sentir da opinião pública (e não apenas da opinião publicada) e, principalmente, envolver os cidadãos num assunto que lhes diz directamente respeito.

“Esperamos, assim, que esta proposta, que é também um apelo ao despertar da consciência cívica, possa contar com o beneplácito de V. Exª. Ela exprime, escusado será dizê-lo, uma preocupação profunda pela qualidade da nossa televisão.”

Braga, 18 de Setembro de 2002

Os signatários, investigadores da Universidade do Minho: Moisés de Lemos Martins, Manuel Pinto, Helena Sousa, Joaquim Fidalgo, Helena Gonçalves, Helena Pires, Felisbela Lopes, Luís Santos

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