Independência editorial da RTP preocupa trabalhadores

A Comissão de Trabalhadores e o Conselho de Redacção da RTP, preocupados com o diferendo que levou à demissão da Direcção de Informação da empresa, alertam o respectivo Conselho de Administração para a necessidade de respeitar a independência editorial da estação pública.

Em tomadas de posição separadas, os dois órgãos analisam a situação criada na RTP com o processo de escolha do correspondente em Madrid. Para os membros eleitos do Conselho de Redacção, a escolha dos correspondentes não deverá estar sujeita ao “livre arbítrio” do Conselho de Administração (CA), antes deve ser feita “mediante proposta do Director de Informação” (DI), embora entendam que o CA pode “recusar a nomeação se apresentar argumentos válidos”, desde que não sejam de “carácter editorial ou de organização da Redacção, competências estas que, por lei, cabem em exclusivo ao DI”.

Já a Comissão de Trabalhadores (CT) entende que a questão que levou à demissão de José Rodrigues dos Santos e restantes membros da Direcção de Informação é “mais um novo e lamentável sinal de interferência do Governo na Televisão de Serviço Público”.

Para a CT, este caso coloca uma vez mais na ordem do dia a “necessidade urgente da realização de um debate sério sobre o Serviço Público de Televisão rigoroso e independente do poder político e económico no interesse de todos os portugueses”.

Reproduz-se de seguida, na íntegra, os comunicados das duas organizações.

Comunicado dos membros eleitos do conselho de redacção da RTP

1. Mal tomaram conhecimento do pedido de demissão da Direcção de Informação,ontem, dia 15, os membros eleitos do Conselho de Redacção da RTP tomaram posição com base nos dados disponíveis na altura.

2. Conscientes da gravidade da situação, tentaram obter esclarecimentos adicionais que permitissem uma avaliação mais sustentada. Nesse sentido foram solicitadas reuniões quer com o Conselho de Administração da RTP quer com o Director

demissionário. Essas reuniões tiveram lugar durante a tarde de hoje. Foram também mantidos contactos informais, considerados de utilidade para o esclarecimento do caso. Após essas diligências, é possível elencar os seguintes factos:

• Não existe na RTP um Regulamento de concursos internos;

• O CA entende que os concursos, nos moldes actuais, desresponsabilizam o DI, situação ultrapassável com a adopção de um Regulamento;

• O DI demissionário, com o concurso para Madrid já a decorrer, elaborou uma proposta de Regulamento que entregou ao CA e que se encontra em apreciação;

• O CA entende que a proposta de nomeação dos correspondentes é da exclusiva responsabilidade do DI, devendo depois haver um consenso para a concretização da nomeação;

• Na fase inicial do concurso para correspondente em Madrid, realizou-se uma reunião entre os membros do júri e os candidatos. Ficou assente que o provimento do lugar seria feito no respeito pela ordem de classificação final dos candidatos apurados;

• Após apreciação das candidaturas, o júri estabeleceu a respectiva classificação dos candidatos apurados e remeteu os resultados à Direcção de Recursos Humanos;

• O DI e o CA chegaram a entendimento no sentido da colocação do primeiro classificado num outro posto ao qual também tinha concorrido;

• O entendimento do CA é de que todos os candidatos apurados estão em igualdade de circunstâncias com vista à nomeação, ou seja, não leva em conta o referido critério da ordem de classificação; nesse sentido, escolheu para Madrid, entre os outros candidatos apurados, aquele que, no entender do CA, seria o mais indicado para o cargo;

• O CA nomeou o novo correspondente em Madrid sem dar conhecimento prévio ao DI;

• O DI tomou conhecimento da nomeação através de anúncio afixado no placard;

• Após tomar conhecimento, o DI comunicou ao CA a sua discordância relativamente ao nome escolhido, dizendo que a proposta do DI era o segundo nome na lista, uma vez que o primeiro já estava colocado noutro posto;

• Perante a recusa do CA em rever a nomeação já efectuada, o DI sentiu-se desautorizado e entendeu não ter outra saída que não fosse o pedido de demissão;

• O DI garante ter sido esta a primeira e única vez em que se sentiu desautorizado pelo CA.

3. Perante os factos mencionados, os membros eleitos do CR entendem que:

• A inexistência de um Regulamento abre espaço a ambiguidades na interpretação dos critérios a aplicar aos resultados dos concursos;

• O DI não deveria ter sido confrontado com o facto consumado da nomeação do correspondente para Madrid;

• Independentemente da realização ou não de concurso, nenhuma nomeação para correspondente deve ser feita contra a opinião do DI.

É importante esclarecer o entendimento dos membros eleitos do CR sobre o processo de nomeação de correspondentes, bem como de preenchimento de quaisquer outros cargos com responsabilidades editoriais. A nomeação deve ser feita pelo Conselho de Administração, mediante proposta nominativa do Director de Informação. O CA não deverá nomear por seu livre arbítrio, mas apenas mediante proposta do DI; pode no entanto o CA recusar a nomeação se apresentar argumentos válidos, nunca podendo estes ser de carácter editorial ou de organização da Redacção, competências estas que, por lei, cabem em exclusivo ao DI.

Por solicitação dos membros eleitos do CR foi afirmado pelo CA que está a ser procurada um solução interna para a Direcção de Informação, a qual deverá ser conhecida a muito breve prazo.

Lisboa, 16 de Novembro de 2004

Comunicado da Comissão de Trabalhadores

Afinal, para que servem os concursos?

A Comissão de Trabalhadores vem repudiar a intromissão do Conselho de Administração num concurso interno aberto a todos os jornalistas para o preenchimento do lugar de Correspondente em Madrid.

O desrespeito pelos resultados deste concurso levou a Direcção de Informação de José Rodrigues dos Santos a apresentar um pedido de demissão.

A Comissão de Trabalhadores considera que esta não é a única e principal razão para o pedido de demissão. Entendemos, isso sim, estar perante mais um novo e lamentável sinal de interferência do Governo na Televisão de Serviço Público.

Quem é que não se lembra das recentes declarações do ministro Morais Sarmento sobre os limites à independência da RTP e sobre as competências dos jornalistas doutorados?

Em 23 de Abril último foi aberto um concurso onde se convidavam todos os jornalistas a candidatarem-se à função de Correspondente em Madrid.

Deste concurso resultou uma classificação que lamentavelmente foi desrespeitada pelo Conselho de Administração. A jornalista que se encontrava em quarto lugar acabou por ser escolhida pelo C.A., contrariando assim os mais elementares princípios de transparência, respeito e legalidade.

A CT não tem dúvidas que a colocação de correspondentes é da responsabilidade da Direcção de Informação, com o acordo do Conselho de Administração. Compete à Direcção de Informação distribuir o trabalho, com independência e rigor, e não faz sentido ser o CA a nomear o jornalista ou jornalistas para este ou aquele lugar ou, quem sabe?, no futuro, indicar os temas de reportagem. A interferência do Conselho de Administração neste concurso lança a suspeita sobre todos os concursos futuros na RTP. Afinal, para que servem os concursos, se depois o Conselho de Administração vai decidir a seu bel-prazer?

A Comissão de Trabalhadores, perante mais esta clara interferência do Conselho de Administração nomeado pelo Governo, vem relembrar a necessidade urgente da realização de um debate sério sobre o Serviço Público de Televisão rigoroso e independente do poder político e económico no interesse de todos os portugueses.

Lisboa, 16 de Novembro de 2004, a Comissão de Trabalhadores

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